Acórdão nº 230/19.1IDPRT-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 21-09-2022

Data de Julgamento21 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão230/19.1IDPRT-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. 230/19.1IDPRT-A.P1


ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I. RELATÓRIO:
No âmbito do processo comum, com intervenção do tribunal singular, do qual foi extraída a certidão que integra os presentes autos, no decurso da audiência de julgamento, no dia 08-02-2022, foi apresentado requerimento pelo arguido AA, sobre o qual incidiu o despacho judicial proferido em 25-02-2022, que julgou regularmente notificado o arguido nos termos e para os efeitos previsto no artigo 105.º, n.º 4, alínea b), do RGIT.
Inconformado com o aludido despacho, o arguido AA interpôs o presente recurso, que rematou com as seguintes
CONCLUSÕES:
1. É sindicado no presente recurso o douto despacho Refª 433390933, proferido nos presentes autos, que decidiu pela regularidade e validade da notificação do arguido, nos termos e para os efeitos previstos na alínea b), do n.º 4, do art. 105.º do RGIT, porquanto a representação legal pelo Administrador de Insolvência restringe-se aos aspetos patrimoniais que interessam à insolvência, sendo a questão in casu, atinente a um processo-crime, que afasta a exigibilidade de notificação na pessoa do Administrador de Insolvência;
2. Não se vislumbra da assertividade de tal argumento ou da justeza do mesmo, o que enferma de vício o despacho sub judicie;
3. Na insolvência, o Administrador de Insolvência é investido dos necessários poderes de representação do insolvente, para gerir os interesses/obrigações patrimoniais do mesmo;
4. As dívidas por prestações tributárias têm natureza patrimonial e, por isso, não podem tais dívidas deixar de interessar à insolvência, logo, por efeito das funções/atribuições do administrador da insolvência, é de exigir a sua notificação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105º, nº 4, al. b) do RGIT;
5. O facto de a notificação surgir no âmbito de um processo criminal, tal não afasta a natureza de uma dívida de prestações tributárias, de natureza patrimonial, por isso, de interesse à insolvência do arguido, ora, recorrente!
Acresce que,
6. a legislação tributária vem a fazer incidir sobre o administrador da insolvência um conjunto de obrigações fiscais, sendo que o art. 65º, n.º 5 do CIRE, prevê da responsabilidade do administrador de insolvência no cumprimento das obrigações tributárias durante o processo de insolvência.
Ora,
7. se a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente dos poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente (art. 81º, nº 1 do CIRE), afigura-se, excessivamente, redutor o entendimento de que a representação do administrador da insolvência prevista na norma citada abrange apenas questões patrimoniais relativas à insolvência, estando excluídas, questões de natureza criminal mormente, a notificação do artigo 105º, n.º 4, al. b) do RGIT.
8. Por outro lado, afigura-se excessiva a interpretação extensiva do artigo 65º, n.º 5 do CIRE, perfilhada no despacho sub judicie, que vem incluir na Lei o que esta não prevê, ou seja, que a responsabilidade do administrador de insolvência se esfuma quando o acto/omissão consubstancia um crime tributário, postergando prazos e moratórias, capazes de afastar o elemento objetivo de punibilidade.
9. Ora, se o pagamento total do montante em dívida, no prazo ou moratória, concedido pela notificação do art. 105.º, nº 4, al. b) do RGIT, exclui a punibilidade do arguido, ora, recorrente, pelo que a falta de tal notificação na pessoa do administrador da insolvência não é inócua!
10. Releva, desde logo, por estar vedado ao insolvente a prática de atos de disposição do património (artigo 81º, n.º 1, do CIRE), não podendo fazer, já, atuar a sua vontade, pois que, todos os poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, passaram a competir ao administrador e, nessa medida, só este, poderia responder afirmativamente à notificação do artigo 105º, n.º 4, alínea b) do RGIT!
11. O tribunal a quo postergou o artigo 81º do CIRE!
12. O tribunal a quo afrontou o princípio da defesa e da culpa!
13. A omissão da notificação do administrador da insolvência constitui uma nulidade que afeta a validade do ato/notificação do arguido, ora, recorrente, nos termos previstos no art. 120º, nº 2, alínea d) e nº 3, al. c) do Código do Processo Penal, pois que, se ao arguido, por omissão de notificação ao administrador da insolvência, não foi dada a possibilidade de através de uma obrigação de facere, excluir a punibilidade dos factos, pagando a dívida, não se pode ter como verificada (…) a condição de punibilidade (Ac. de 28/05/2015-relator Ernesto do Nascimento- proc. n.º 557/13.6TBLSD.Pl).
14. A interpretação conjugada dos artigos 65º, n.º 5 e 81º, n.º 1 ambos do CIRE e artigo 105º n.ºs 1 e 4, alíneas a) e b) do RGIT, no sentido plasmado no despacho do Tribunal a quo, de que o administrador de insolvência não deve ser convocado nos termos e para os efeitos da notificação prevista alínea b) do artigo 105º, n.º 4 do RGIT, não permitindo ao arguido beneficiar do afastamento da condição objetiva de punibilidade, viola os artigos 16º, 20º, 32º, n.ºs 1 e 202º, n.º 2, todos da CRP e ainda, os artigos 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, o princípio da defesa e da legalidade, e ainda, o princípio da interpretação das leis em conformidade com a Constituição e o princípio da culpa, em processo penal.
15. Violou o despacho sob recurso o plasmado no artigo 105º do RGIT; os artigos 65º e 81º ambos do CIRE e os artigos 20º; 32º, n.º 1 e 2 e 205º todos da CRP e ainda o artigo 6º, n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
NESTES TERMOS, e nos demais de direito aplicáveis, deve ser dado provimento ao presente recurso e ipso facto ser revogado o despacho sob recurso e substituído por outro que decida no sentido da nulidade da notificação do arguido, ora, recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 105º, nº 4, al. b) do RGIT e, bem assim, em conformidade com as presentes conclusões, absolvendo-se o arguido, por não verificada a condição de punibilidade.
Assim se fazendo inteira e sã Justiça!
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Na resposta o Ministério Público pronunciou-se pela improcedência do recurso, alegando concordar com todos os argumentos explanados no despacho
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