Acórdão nº 2286/22.0YRLSB-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-09-22

Ano2022
Número Acordão2286/22.0YRLSB-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Decisão singular na 2ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:



C e M instauraram a presente acção especial, pedindo que seja revisto e confirmado o reconhecimento da união estável entre ambos, o qual resulta de ter sido elaborada a 28/06/2022 uma escritura pública no 22.º Tabelião de Notas da Capital, São Paulo, da República Federativa do Brasil, contendo as declarações de ambos nesse sentido, isto é, de união estável que perdura desde 05/05/2012 e onde, para além do mais, estabelecem que, durante a união, o regime de bens será da comunhão parcial de bens (tudo como resulta da certidão de tal escritura que apresentaram e está junta aos autos; o requerente tem o seu nascimento registado sob o assento n.º 0000 de 2010 do Consulado Geral de Portugal em São Paulo, Brasil, integrado em 11/05/2010 na Conservatória dos Registos Centrais de Lisboa).

A Srª. Procuradora-Geral Adjunto emitiu parecer favorável ao pedido, com referência ao dito pelo acórdão do STJ de 09/03/2021, proc. 241/20.4YRPRT.S1: “A decisão que consta do art. 978.º do CPC deve ser entendida de forma ampla, de modo a abranger decisões proferidas quer por autoridades judiciais quer por autoridades administrativas’, concluindo que, por isso, é de considerar que a escritura pública através da qual se declara a existência e se convencionam os termos da união estável, em conformidade com as normas dos artigos 1.723.º a 1.727.º do Código Civil Brasileiro, consubstancia um ato que deve ser equiparado a uma decisão sobre direitos privados, abrangida pela previsão do art. 978.º do CPC, carecendo, por isso, de revisão para produzir efeitos em Portugal.”

Os factos relevantes para a decisão são os acima consignados e estão provados pelos documentos referidos.

A revisão pedida é necessária (art. 978 do CPC) e, parafraseando o decidido no acórdão do TRL de 21/11/1983, BMJ 338/471, o conteúdo deste artigo tem amplitude suficiente para abranger decisões, ainda que não provindas de tribunal, quando no país estrangeiro seja outra a entidade a quem competem essas decisões (mesmo que essas decisões, acrescenta-se agora, sejam dos próprios particulares, que a tomam na forma de declarações de vontade conjuntas exaradas em escritura pública, com uma qualquer intervenção de uma autoridade não jurisdicional [neste sentido, veja-se agora também, por exemplo, os acórdãos do TRL de 21/11/2019, processo 1429/19.6YRLSB-2: O processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira dos arts. 978 e seguintes do CPC é aplicável também a actos relativos a direitos privados resultantes de um procedimento da ordem jurídica estrangeira em que esteja prevista uma qualquer intervenção de uma autoridade não jurisdicional (por exemplo, uma entidade administrativa ou religiosa), como a tomada ou a aceitação das declarações dos interessados (caso das escrituras públicas brasileiras declaratórias do divórcio, dos divórcios acordados perante os notários colombianos ou aceites e registados pelos presidentes de câmara japoneses ou das escrituras públicas brasileiras declaratórias das uniões estáveis); e de 07/10/2021, proc. 2068/18.4T8LSB-2: Uma escritura pública declaratória de união estável brasileira pode ser objecto de um processo de revisão e confirmação de sentença estrangeira dos artigos 978 e seguintes do CPC), cujos fundamentos se dão por reproduzidos nesta sentença].

Estes dois acórdãos do TRL representam a corrente maioritária dos TRL (por onde correm a maior parte dos processos de revisão) e parte significativa da jurisprudência do STJ e, como o MP a segue, nada mais haveria a dizer, a não ser remeter para eles e para as dezenas de outras decisões neles referidas no mesmo sentido.

No entanto, impõe-se dizer algo mais visto que, entretanto, o Prof. Rui Manuel Moura Ramos, no estudo sobre o Reconhecimento em Portugal de acto (escritura pública) declaratório de união estável de direito brasileiro (Lex Familiae, Ano 18, N.º 35 (2021)), veio concordar com o ac. do STJ de 10/12/2019, proc. 249/18.0YPRT.S2 que segue a corrente contrária que passou a existir desde inícios de 2019 – diz o acórdão que “a declaração dos requerentes numa Escritura Pública Declaratória de União Estável, perante uma autoridade administrativa estrangeira (tabelião) de que vivem em união de facto desde Julho de 2013, não deve ser considerada como abrangida pela previsão do artigo 978º nº 1, do CPC, não podendo ser revista e confirmada para produzir efeitos em Portugal – dizendo o referido Professor, entre o mais, que:
“A escritura pública declaratório da união estável “trata-se […], de um acto autêntico, no sentido de que é exarado por oficial público, maxime por notário, ou, nas palavras da nossa lei civil, de um «documento exarado, com as formalidades legais, pelas autoridades públicas nos limites da sua competência ou, dentro do círculo de actividade que lhe é atribuído, pelo notário ou outro oficial público provido de fé pública». […D]e um acto que foi exarado no estrangeiro por uma autoridade estrangeira, o que não exclui a sua eficácia em Portugal, como meio de prova; na verdade, e segundo o n.º 1 do artigo 365.º do nosso Código Civil, «os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal». […]
O nosso direito reconhece, pois, em geral, eficácia em Portugal aos documentos autênticos estrangeiros, limitando, porém, essa eficácia a uma eficácia probatória. Na circunstância, e tendo o documento em questão sido emitido no âmbito do sistema jurídico brasileiro, há apenas que considerar o regime geral, que se limita a prever uma eficácia probatória dos documentos estrangeiros. […]” (páginas 117-118).

Desde logo, impõe-se a seguinte observação.

Esta corrente de alguns acórdãos dos Tribunais da Relação e do STJ, com a qual não se concorda pelas razões assinaladas abaixo, deve ser levada em conta pelos interessados nestes tipos de processos pelo seguinte:

Podendo dizer-se que a escritura pública brasileira declaratória da união estável é um documento autêntico com, só por si, eficácia probatória em Portugal, pode-se reafirmar o que já se disse naqueles acórdãos do TRL, ou seja, que a revisão de tal escritura pode ser inútil (para os requerentes) se com tal revisão se visar apenas a utilização da escritura pública para fins de obter a nacionalidade portuguesa no processo próprio para o efeito.

Pois que, ao menos numa primeira leitura das normas respeitantes a tal processo (e sem se saber o que é que de facto se tem passado, como regra, em tais processos), não se vê que haja diferença entre a apresentação de tal escritura, sem mais, ou a apresentação da escritura homologada/ratificada por uma sentença estrangeira brasileira revista e depois por uma sentença do tribunal da relação português, ou a apresentação da escritura revista pelo tribunal da relação português num processo de revisão. Parece – mas já se disse que não se sabe o que é que de facto se passa nesse tipo de processos – que a revisão destas escrituras significa apenas um gasto de dinheiro e uma perda de tempo para os interessados, que se diria poderem limitar-se a juntar a escritura pública na acção judicial portuguesa de reconhecimento da união de facto para prova/formação da convicção do juiz sobre a existência desta união de facto.
*

Posto isto,

O apoio do Prof. Rui Moura Ramos ao acórdão do STJ de Dez2019 inclui a adesão (pág. 118) a um fundamento que está errado, ou seja, a consideração de que há uma diferença entre uma escritura pública do divórcio e a escritura da união estável; naquela, segundo o acórdão, os outorgantes «não declaram a dissolução do vínculo conjugal», que é pelo contrário decidida e declarada pela entidade pública depois de verificados e preenchidos os requisitos legais; em razão do que, em tal situação, estaríamos perante uma decisão, o que não se passaria na escritura pública declaratória da união estável.

Ora, isto não corresponde à realidade das coisas, como já se demonstrou naqueles acórdãos do TRL citados acima, bastando para assim se concluir ler o conteúdo de qualquer escritura pública de divórcio, onde não consta qualquer decisão do divórcio pelo notário, como aliás não podia constar porque é a própria lei brasileira a dizer
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