Acórdão nº 2280/21.9T8PDL-A.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-04-13

Ano2023
Número Acordão2280/21.9T8PDL-A.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. Relatório
Por apenso à acção executiva que corre termos com nº 2280/21.9T8PDL, em que figura como exequente G… e executado J…, veio este deduzir a presente oposição à execução por embargos de executado, pedindo a extinção total da execução.
Para tanto, invoca, em síntese, e para o que ora interessa o preenchimento abusivo da livrança, dado que a exequente não o interpelou previamente para proceder ao pagamento dos valores inscritos nas livranças dadas à execução e que as mesmas nunca lhe foram apresentadas a pagamento, desconhecendo, em consequência, a data de vencimento e de emissão destas e o valor nelas inscrito.
Regularmente notificada, a exequente veio apresentar contestação, alegando, em síntese, sobre a concreta questão em causa, que o avalista não pode opor a excepção de preenchimento abusivo ao portador da livrança e que, no caso dos autos, estão em causa duas garantias autónomas em que os seus beneficiários procederam ao pedido de pagamento dos valores garantidos, os quais foram pagos pela exequente, pelo que foram preenchidas as livranças dadas à execução em cumprimento do pacto de preenchimento, tendo a exequente, ao contrário do que estava legal ou contratualmente obrigada, notificado o embargante de tal preenchimento.
Em sede de audiência prévia, procedeu-se ao saneamento dos autos (conhecendo-se as questões da inexistência de título executivo, da legitimidade do embargante e da ineptidão do requerimento inicial executivo), à fixação do valor da acção e à enunciação do objecto do litígio e dos temas de prova, bem como foi designada data para a realização da audiência final.
Realizada a audiência final, foi prolatada sentença que julgou totalmente improcedente a oposição à execução.
Inconformado com tal sentença, dela apelou o embargante, tendo concluído as suas alegações de recurso nos seguintes termos:
“Conclusões:
1. A aqui Recorrente entende, com o devido respeito, que o Tribunal a quo fez uma errada apreciação da prova produzida e que o depoimento da testemunha S…, pela clareza e fiabilidade que ofereceu, merecia ter sido valorado positivamente, determinando a consideração, como facto não provado, do ponto VII dos Factos Provados e a consideração, como facto provado, dos pontos a) e b) dos Factos Não Provados da sentença.
2. Se assim se tivesse entendido, como se impunha, ter-se-ia concluído pela inexigibilidade e inexequibilidade, perante o Recorrente, do título executivo, por violação do pacto de preenchimento das livranças em branco.
Vejamos:
3. Em primeiro lugar, cumprirá deixar claro que o aqui Recorrente impugnou, quanto aos efeitos, alcance e consequente prova que com os mesmos se pretenda fazer, quer os documentos juntos pela Recorrida com o Requerimento Executivo, quer, nos mesmos moldes, o conteúdo dos documentos por esta juntos à Contestação, atinentes aos avisos de receção (o que fez por via da Oposição à Execução, com ref.ª 41237323, e por via de requerimento, com ref.ª 42145109, respetivamente).
4. Estando o teor de tais avisos de receção impugnado, e tendo resultado da prova testemunhal, como se verá, que tais avisos não correspondem às cartas juntas pela Recorrida, mas a outras que somente continham a indicação de que a garantia bancária havia sido acionada pela C…, não podem os mesmos provar que tais cartas foram recebidas pelo Recorrente, circunstancialismo que está abrangido pela impugnação feita.
5. E, mesmo que se entendesse insuficiente a impugnação feita, sempre seria de aplicar ao caso o disposto no artigo 574.º, n.º 2, do CPC (“salvo se…”), já que, opondo o articulado do aqui Recorrente aos documentos juntos pela Recorrida com a contestação, resulta uma clara oposição entre estes e, assim, que aquele não foi previamente interpelado para pagamento, razão pela qual não podia ter conhecimento, quer da data de emissão e de vencimento, quer do valor da livrança, abusivamente, nela aposto pela Recorrida, ou se tal valor se refere, até, ao valor alegadamente em dívida por parte do sociedade “J…, Unipessoal, Lda.”.
6. Em segundo lugar, não competia ao Recorrente demonstrar a falta de interpelação para pagamento da quantia exequenda, competindo, pelo contrário, à Recorrida demonstrar que essa interpelação ocorreu.
7. Isto porque, está em causa um facto negativo insuscetível de prova pelo primeiro.
8. É que não se pode obrigar o Recorrente a provar um facto que não aconteceu: quem envia uma carta é quem tem que provar que a enviou e não o contrário.
9. É, aliás, para tanto que os avisos de receção existem e é por isso que estes são devolvidos ao remetente: se fosse ao destinatário que incumbisse provar a receção/não receção de uma carta, lógico e exigível seria que o aviso de receção ficasse na posse deste e não do remetente.
10. E o certo é que a Recorrida não fez essa prova, nem sequer produziu qualquer prova testemunhal, nomeadamente quanto a estes factos.
11. Note-se que, mesmo que assim não se entendesse, face à dificuldade de prova dos factos negativos, deve, pelo menos, admitir-se uma menor exigência quanto à sua demonstração (cf. acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 17/10/2012, no âmbito do processo n.º 0414/12).
12. Ainda assim, o certo é que o Recorrente provou, efetivamente, a falta de interpelação para pagamento dos valores inscritos nas livranças e, consequentemente, o desconhecimento, por si, do montante exato da dívida, da data da emissão e da data do vencimento.
13. Fê-lo através da testemunha S… (Ficheiro: 20220913141534_12254977_2870242) que, pese embora tenha sido funcionária da empresa J…, Unipessoal, Lda., não deixou por isso de prestar um depoimento sério, isento, calmo e direto, do qual resultou que as cartas datadas de 29/06/2021 juntas pela Recorrida aos autos com a Contestação, sob o assunto “Solicitação de Pagamento” não foram recebidas pelo Recorrente.
14. Ao invés destas, o conteúdo das cartas que acompanharam os avisos de receção juntos aos autos era diferente, e relacionava-se, apenas, com a prestação de informação no sentido de que a C… havia acionado as garantias bancárias da G... Isto é, não continham qualquer interpelação para pagamento, nem a indicação de valores em dívida, das datas de emissão/vencimento, de quaisquer prazos, nem a menção de eventual recurso aos Tribunais.
15. Do depoimento da testemunha, reproduzido na alegação supra, resulta, em termos claros, que:
(i) A correspondência recebida pelo Recorrente e pela empresa J…, Unipessoal, Lda. passava sempre por si;
(ii) As únicas comunicações que a testemunha viu da G…, de 2021 e durante o verão, e cujos avisos de receção foram, como sempre, assinados pelo Recorrente, apenas referiam que havia sido acionada pela C… uma garantia bancária da G…;
(iii) Uma vez que as cartas não continham nenhuma interpelação ou prazo para pagamento, nem ameaçavam com o recurso aos tribunais, sendo meramente informativas, a testemunha aconselhou o Recorrente a nada fazer;
(iv) Não há possibilidade de o Recorrente ter recebido as cartas que a Recorrida junta aos autos. Se as tivesse recebido teria, com toda a certeza, entregado as mesmas à testemunha, para apreciação e envio aos advogados, o que não fez, já que esta nunca viu as cartas (e se essas tivessem sido recebidas, lembrar-se-ia certamente, tendo em conta o assunto “Solicitação de Pagamento”).
16. Isto posto, a testemunha afirmou perentória e categoricamente, com a certeza, serenidade e confiança exigíveis, que o Recorrente não recebeu as comunicações de 29/06/2021 que a Recorrida juntou aos autos com a Contestação, “a indicar-lhe que procederia ao preenchimento das livranças mencionadas em I., dando-lhe conta dos respectivos termos do preenchimento quanto a local de emissão, data de emissão, valor, data de vencimento e local de pagamento, e fixando-lhe a data de vencimento para proceder ao pagamento do valor inscrito”.
17. Fê-lo, até, sem para tanto ser questionada, pois que, quando lhe foram exibidas as cartas juntas aos autos, esta disse imediatamente:
Mm.º Juiz (00:16:56): As assinaturas que a senhora está a ver nos talões de registo são do Sr. J…, é isso?
Testemunha SR (00:17:03): Sim. Mas estes ofícios não tem nada a ver senhor, isto diz aqui “solicitação de pagamento”.
18. E não se diga que a testemunha se revelou parcial pela ligação quer à sociedade J…, Unipessoal, Lda, quer ao Recorrente, já que não se vislumbra em que medida essa ligação possa revelar parcialidade ou possa ferir, de alguma forma, o depoimento da testemunha.
19. Em primeiro lugar, a testemunha prestou juramento, o qual foi desprezado de antemão só pelo facto de esta conhecer o Recorrente. Pelo que se pergunta então: para que é que o mesmo serve?...
20. Em segundo lugar, é óbvio que a pessoa que recebe, trata e encaminha a correspondência do Recorrente tem que ser alguém com quem este mantém ligação e relação de confiança. Estranho e impossível seria se alguém com quem o Recorrente não tivesse qualquer ligação, de trabalho ou de qualquer outra natureza, viesse dizer que recebia, analisava e encaminhava a correspondência deste…
21. Repare-se que o Tribunal infirma o depoimento da testemunha pelo único e exclusivo facto de esta ter uma ligação (de trabalho, ainda que já findada) de há muitos anos com o Recorrente, não invocando qualquer outro circunstancialismo de que pudesse sobrevir uma menor credibilidade do depoimento…
22. Mas, se assim é, isso significa que o Recorrente não poderia ter arrolado nenhuma testemunha, estando-lhe vedada a prova dos factos por si alegados. É que, como é natural, a prova do alegado só podia ser feita por alguém que o conhecesse… Como, melhor que ninguém, o é a testemunha S...
23. Se nenhuma pessoa com ligações às partes pudesse prestar depoimento em Tribunal, pelo facto de o mesmo não ter validade dada essa ligação, a prova testemunhal, que é, aliás,
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT