Acórdão nº 228/22.2T8GMR-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-06-22

Data de Julgamento22 Junho 2023
Ano2023
Número Acordão228/22.2T8GMR-A.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

AA veio propor contra BB ação declarativa com processo comum na qual peticiona que:
deve a presente acção ser julgada procedente por provada e em consequencia:
a) Se reconhecendo, decidindo e declarando que A. e Réu viveram em situação análoga á dos cônjuges, em regime de união de facto, por um periodo de 18 anos, com início em Setembro de 2002 e término em Novembro de 2019 na conformidade do alegado nesta petição inicial e com a abrangência da Lei nº 23/2010 de 30/08, e em consequência;
b) Mais se reconhecendo, decidindo e declarando que todo o património existente, seja em nome da A., seja em nome do Réu ou sociedades por este constituidas e bens constantes não só do auto de arrolamento mas ainda os que se identificam nos artigos 17º, 34º, 35º, 36º e 37º, desta petição inicial, foi constituido, aumentado, construido e enriquecido com o esforço comum da A, que nele aplicou ou investiu todos os proventos, esforço e trabalho sempre na proporção de nunca menos de metade desse valor;
c) Ser o Réu condenado a restituir à Autora 50% nos ditos imóveis, móveis, incluindo quotas societárias, dinheiro, veiculos, que se encontrem na sua posse adquiridos durante a “união de facto” e/ou subsidiariamente, quando tal não seja possivel uma vez que todos os bens, incluindo as sociedades e as respectivas quotas, os imóveis, os veiculos deverão ser avaliados devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes, pelo que se irá requerer a final a notificação do Banco de Portugal, para o efeito;
d) Ser o Réu condenado a ver relegado para liquidação em execução de desse património, sem prejuízo da fixação dos valores mínimos de alguns dos bens que constituem esse património se encontrarem fixados já nestes autos, devendo igualmente ser apurados os valores das contas bancárias existentes,
e) Ser o Réu condenado a restituir á Autora a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença do apuramento de todos os bens e contas bancárias, por enriquecimento sem causa, com juros de mora, vencidos e vincendos, até integral pagamento;
f) Ser o Réu condenado a ver considerado que a prestação do trabalho doméstico, bem como a prestação de cuidados, acompanhamento e educação das filhas, exclusivamente ou um empobrecimento do membro da união de facto que realizou essas tarefas sem receber contrapartida e um enriquecimento do outro membro da união de facto que não teve de realizar essas tarefas e beneficiou do resultado da realização das mesmas, sem incorrer em custos e que o valor hora por serviço doméstico ronda os 5/7 Euros/hora, pelo que para além das contribuições fruto do seu trabalho e bens pessoais da A., em prol da união de facto com o Réu, sempre deverá ser valorada e valorizada contribuição daquela com o serviço doméstico e de cuidadora das filhas e até do Réu, ao longo de 19 anos de união de facto, pelo que tal desiquilibrio deverá levar a uma compensação, deverá ser efectuada, mas relegada para sede de execução de sentença.
g) Ser o Réu condenado no pagamento das custas totais.”

Como fundamento dos pedidos formulados em b) a e) (que são os que no caso do presente recurso relavam pois só quanto a estes é que a p.i. foi julgada inepta como infra melhor se referirá), alegou, em síntese, a nível factual que:

- viveu com o réu em união de facto, em regime de comunhão de leito, mesa e habitação no período de setembro de 2002 a novembro de 2019, tendo duas filhas em comum;
- a família da autora, designadamente os seus pais e irmão contribuíram economicamente para que o réu concluísse os seus estudos e formação académica;
- quando a autora engravidou, o agregado familiar sobreviveu com o seu salário de esteticista e com a ajuda económica dos aludidos familiares;
- todas as empresas se iniciaram com o dinheiro pertencente à autora e ao réu e com o trabalho de ambos, sendo que os familiares da autora emprestaram ao réu os seus veículos e lhe pagaram o gasóleo;
- foi neste contexto que autora e réu constituíram a sociedade BB, Lda., na qual cada um detinha uma quota de 50%;
- no mesmo contexto foram criadas as demais sociedades, para as quais autora e réu contribuíram com capital, meios e trabalho em iguais proporções;
- foi ainda criada a sociedade G..., Lda. na qual a autora possuía quotas iguais com a mãe do réu e com o réu, no mesmo espírito de proporcionalidade de capitais e meios;
- estas sociedades não singraram;
- não obstante, autora e réu criaram mais sociedades em que o objetivo era o mesmo, ou seja, serem sócios em partes iguais e gerirem ambos o património que ia sendo criado;
- autora e réu trabalharam lado a lado, sendo que, em termos gerais, o réu tratava dos negócios no exterior e a autora geria o serviço administrativo;
- autora e réu tornaram-se comproprietários de vários imóveis e móveis, incluindo automóveis, barco, quotas, ações societárias e dinheiro;
- paralelamente à esfera patrimonial que ia edificando, a autora, sempre crente na construção de um património comum – de facto – e de um futuro comum, contribuiu para a vida em conjunto com o réu, não só com a remuneração do seu trabalho, com o seu empreendedorismo e dedicação profissional a todos os projetos, como assim e ainda com verbas próprias, tendo para o efeito dedicado todo o seu empenho e esforço em prol do bem comum;
- a autora sempre esteve convicta de que a relação se manteria;
- em novembro de 2019, o réu casou com uma terceira pessoa, tendo assim cessado a união de facto que mantinha com a autora;
- a autora, ao longo dos anos sempre confiou no réu, aceitando e acedendo às suas solicitações, tendo muitas vezes assinado documentos que ele lhe apresentava, muitas vezes sem os ler ou sequer entender devidamente o seu conteúdo, contraindo e subscrevendo dívidas bancárias e avais pessoais de centenas de milhares de euros às empresas, julgando sempre que estava a contribuir e a trabalhar em prol da família por ambos constituída, bem como que o património que estava a ser criado estaria a ser colocado na titularidade de ambos, em partes iguais, conforme o réu lhe ia fazendo crer, até à separação em que o réu a expulsa da fábrica e impede o seu acesso ao seu local de trabalho;
- a autora e o réu criaram, nos moldes descritos, onze empresas, as quais se encontram identificadas no art. 17º da p.i.;
- a autora só se apercebeu da realidade em que as aludidas empresas se encontravam, nomeadamente quanto à titularidade das quotas e ações e às diversas operações jurídicas realizadas nas mesmas pelo réu, em seu proveito exclusivo, após se separar definitivamente do réu, em novembro de 2019;
- a autora não é, nem nunca foi, apenas funcionária da C... e de algumas das demais empresas pois é, a par do réu, igualmente fundadora e acionista das mesmas e em algumas delas vogal do Conselho de Administração ou gerente, tendo participado ao longo dos anos na sua gestão e crescimento;
- a autora ajudava muitas vezes a fechar negócios difíceis e a sua presença inspirava confiança às pessoas, fazia as pontes entre as pessoas, que preferiam lidar com ela do que com o réu e viam apenas nela uma pessoa correta, honesta e confiável, transmitindo confiança a todos com quantos lidava, designadamente colaboradores, fornecedores e clientes;
- a autora orientava sempre em back office a postura do réu, opinando, sendo comercial, negociando com fornecedores e clientes, preços e orçamentos, resolvendo problemas, procurando os melhores fornecedores, fazendo muitas vezes as decorações dos interiores;
- apesar de tudo quanto o réu beneficiou com o profissionalismo e dedicação da autora, esta apercebeu-se que as alegadas retribuições e tributações eram feitas pelo mínimo, ou seja o réu sempre quis pagar apenas à autora um salário mínimo e descontos em função do mesmo, penalizando-a, pois poderia ganhar muito melhor e descontar muito mais, noutro local, isto apesar das empresas faturarem uma média de 7 milhões de euros anuais com previsões para 2021 de 14 milhões;
- tal só era aceitável porque tudo o que se fazia entre autora e réu, julgava a autora, que o era em conjunto e que todos os ganhos deviam ser distribuídos de forma igual, pois a autora contribuiu por igual na criação do património e assim foi sempre desde o início, conforme estava convencida;
- a autora nunca exerceu de forma formal as suas competências ou o exercício dos seus direitos sociais, nem interveio em atos aquisitivos de forma meramente formal. Interveio sempre porque tinha pago por igual e contribuído com igual valor e esforço, na aquisição dos bens, das quotas e das propriedades e porque achava que estava a exercer um direito seu e porque apesar de a maior parte dos bens figurar em nome do réu, a autora de nada desconfiava, nem alguma vez pensou que a sua relação e consequente união de facto com o réu seria posta em causa;
- em suma, muitos foram os bens adquiridos para o casal, diretamente por autora e réu, ou através de sociedades, que também foram criadas com esforço, proventos e rendimentos da autora e do réu, pese embora averbados em nome deste;
- todas as economias da autora e do réu foram aplicadas nos bens existentes - móveis e imóveis – independentemente da figura do seu titular;
- para além das participações nas sociedades a autora é comproprietária de diversos imóveis em comum com o réu, nomeadamente, os constantes das verbas nºs, 1, 2 e 5, constantes do auto de arrolamento da providência cautelar nº 2295/20.... do Juízo Central Cível ... – J... e de outros imóveis existentes no património das diversas empresas criadas, nomeadamente a C..., S.A., e T..., Lda dos quais sempre usufruiu como seus;
- “no caso presente se formou, constituiu e enriqueceu um património, que se acha averbado em nome do Réu, por isso não se verifica em termos legais e no sentido restrito a...

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