Acórdão nº 228/14.6T8OER-G.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-01-25

Ano2022
Número Acordão228/14.6T8OER-G.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM NA 7ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I - Relatório
1. Nos autos de execução movidos por A [.....LIMITED ] contra B [ ANA .....] , veio a executada interpor recurso do despacho que determinou a liquidação de juros compulsórios, nos termos do artigo 829.º- A, n.ºs 3 e 4 do CC.
2. Nas suas alegações formulou as seguintes conclusões:
A. A 27-03-2021 a Sra. Agente de Execução notificou ambas as partes de que a execução se encontrava extinta pelo pagamento, nos termos do artigo 849.°, alínea a) do CPC, decisão esta sobre a qual nenhuma das partes no processo reclamou (comunicações juntas ao processo a 27/03/2021 com as ref. CITIUS 18511643 e 18511644);
B. Nenhum dos intervenientes requereu, em qualquer momento, o prosseguimento dos autos para a cobrança de qualquer quantia adicional, mais especificamente a liquidação de juros compulsórios (veja-se a reclamação da Exequente junta ao processo a 29/03/2021 com a ref. CITIUS 18518560);
C. Pelo que esta decisão da Sra. Agente de Execução se consolidou, "transitou em julgado", sendo-lhe aplicável por analogia o art.º 625, n.° 2 do CPC, ou seja, prevalece sobre decisão posterior do juiz de execução que o contrarie, nomeadamente sobre o despacho proferido posteriormente que determina o prosseguimento da ação para a cobrança de uma sanção pecuniária compulsória de €46.672,58 (despacho junto ao processo a 11/05/2021 com a ref. CITIUS 130735280);
D. Ademais, a contabilização dos juros compulsórios deveria ser pedida pelo Exequente aquando da apresentação do requerimento executivo em 08-06-2006 (requerimento executivo com a ref. CITIUS 776896);
E. Uma vez que à luz dos preceitos aplicáveis, ou seja, a versão do art.º 805.° do antigo CPC, em vigor a essa data, a sua liquidação a final dependia de que o Exequente formulasse esse pedido no Requerimento executivo;
F. De facto, apenas nas ações intentadas a partir de 31-03-2009, com a redação dada aos n.ºs 2 e 3 do artigo 805.° do anterior CPC pelo DL 226/2008 de 20/11 (veja-se o seu artigo 23.°) é que deixou de haver necessidade de formular o pedido de juros;
G. Admitir, neste momento, o calculo de juros compulsórios legais seria impor essa sanção retroativamente e com efeito surpresa, face às normas vigentes à data da interposição da ação;
H. Atentando contra o principio da estabilizaçao da instância e contra os princípios do contraditório e da igualdade das partes, previstos nos atuais artigos 3.° e 4.° do CPC;
I Pelo que deve a decisão de proceder à liquidação dos juros previstos no artigo 829.°A n.ºs 3 e 4 deve ser revogada, mantendo-se a decisão anterior da agente de execução que declara o processo extinto pelo pagamento.
3. Nas suas contra-alegações a Apelada, em síntese e no que agora releva, formulou as seguintes conclusões:
I – O recurso é inadmissível;
II – Ao decidir incorretamente que a sanção pecuniária compulsória contratual seria paga em partes iguais à Exequente e ao Estado, em substituição dos juros compulsórios legais, previstos no n.º 4 do art.º 829.º-A, do CC, a AE concluiu erroneamente que o crédito exequendo era inferior ao montante efetiva e legalmente devido pela Executada, ora Recorrente;
III – A Recorrida reclamou do despacho da AE.
IV – No âmbito da sua reclamação, a Exequente, ora Recorrida demonstrou que a sanção pencuniária compulsória contratual lhe era integralmente devida, requerendo a revogação do despacho em causa, e em consequência fossem computados juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitou em julgado;
V – Os efeitos jurídicos requeridos pela Exequente e resultantes da revogação pretendida impõem o prosseguimento da execução, dado que todos os atos praticados com fundamento no ato revogado perdem a sua validade e são eliminados na ordem jurídica, e substituídos por outros que se mostrem válidos e legais.
VI – O Juiz de Execução, reconhecendo que a reclamação da Exequente visava a revogação do despacho da AE e de todos os atos dependentes assegurou a continuidade da ação executiva até que o crédito se mostre pago.
VII – Com a revogação do despacho do AE estava o Juiz de Rxecução obrigado a ordenar ao mesmo a liquidação dos juros compulsórios nos termos do art.º 829.º-A, n.º 3 e 4, do CC, sob pena da decisão de revogação não ter qualquer efeito útil.
VIII – Não tem razão a Recorrente que apenas com a redação dada aos n.ºs 2 e 3, do art.º 805, do CPC, aplicável às ações intentadas a partir de 32.03.2009, nos termos do art.º 23, do DL 226/2008.
IX – Anteriormente à vigência deste diploma, mesmo que o exequente não tenha especificado esse valor no requerimento de execução, o tribunal pode oficiosamente levá-lo em consideração na decisão final com base na liquidação efetuda com base no art.º 805, n.º 3, do CPC, decorrente do regime substantivo definido no art.º 829-A, n.º 4, do CC, Ac. STJ, de 18.05.2006.
4. Cumpre apreciar e decidir.
*
II – Enquadramento facto-jurídico
A – Da certidão digital apresentada, mas também da consulta via Citius da Execução e dos seus Apensos retém-se, para o conhecimento do recurso interposto, as seguintes ocorrências processuais:
1. Em 8.06.2006, a Apelada – Exequente deduziu execução para pagamento da quantia convertida em euros de 3.288,08€.
2. Em 16.10.2009 foi deferida a ampliação do pedido executivo, por constar do título executivo dado, sentença condenatória – pagamento à Exequente a quantia aludida e o equivalente em euros de US$ 50,00, diários, desde o dia 4.04.2001, até à entrega do imóvel (ocorrida em 26.04.2010).
3. Em 26.04.2010 procedeu-se à alteração da quantia exequenda para 120.400,00€, no atendimento da liquidação da sanção pecuniária compulsória.
4. Na comunicação do AE de 29.01.21 fez-se constar “(…) encontrando-se a execução a terminar [recuperado até à data o montante 122.109,54€, estando em dívida somente o montante de 1.239,96€], a signatária sabe que tem de calcular os juros compulsórios uma vez que o título dado à execução foi uma sentença condenatória…a quota-parte dos juros compulsórios a entregar ao Estado, foi calculada desde 8.06.2006 até 31.01.2007 sobre o capital inicial (3.288,08€) o que perfaz o montante de 53,38€00 …. uma vez que o que está a ser executado é a sanção pecuniária no valor de 120.000,00€, a signatária entende que neste caso não há lugar ao cálculo dos juros compulsórios, uma vez que já se trata de uma sanção, era como estivesse a calcular juros sobre juros. Assim e pelo facto de lhe suscitar dúvidas quanto ao cálculo dos juros compulsórios sobre a sanção pecuniária, solicito a V.exa. que me seja informado se os são ou não para calcular, pois se forem a execução terá de prosseguir com a penhora do vencimento da executada (…)”.
5. No despacho de 1.03.21 consignou-se “ Estando a ser executada sanção pecuniária compulsória, cujo montante se destina, em partes iguais, ao exequente e ao Estado (art.º 829-A, n.º 3 do Código Civil) não há lugar ao pagamento cumulativo de juros compulsórios, nos termos do n.º4 do citado preceito legal, pelo que os montantes já liquidado a este título deverão ser imputados ao pagamento daquela sanção (…)”.
6. Em 3.03.2021 a Exequente veio pedir que fosse ordenado o pagamento das quantias recuperadas no processo, declarando-se extinto o processo executivo.
7. No despacho de 9.03.2021, consignou-se que considerando o estado da execução, devia a Sra. AE diligenciar pela sua extinção, procedendo antes aos pagamentos devidos ao exequente.
8. Em 27.03.2021 o AE comunicou nos termos do art.º 849, a) do CPC, a execução encontrava-se extinta pelo pagamento, remetendo ao exequente a guia de pagamento no montante de 31.916,15€ referente a devolução ao Estado da sanção pecuniária que a exequente recebeu a mais.
9. Em 29.03.2021 a Exequente veio reclamar, requerendo a revogação do despacho no concerne à devolução, ordenando a substituição por um que reconheça o crédito exequendo de 120.000,00€.
10. Em 10.05.2021 foi proferido o seguinte despacho (recorrido)
“Na sequência do despacho de 01/03/2021, a Sra. AE notificou a exequente para proceder à devolução da quantia de €31.916,15, referente à «devolução ao Estado da Sanção Pecuniária, que a exequente recebeu a mais».
É deste despacho que a exequente reclama, alegando no essencial que a sanção pecuniária compulsória em que a executada foi condenada na sentença dada à execução tem origem contratual (cláusula 8.a do contrato de comodato celebrado entre as partes), pelo que apenas ela tem direito a receber o respetivo valor e não também o Estado, que não é parte nesse contrato, sendo inconstitucional, por violação dos artigos 62.°, n.º 2, e 202.° da Constituição da Republica Portuguesa, interpretação contrária. O Estado, acrescenta, apenas tem direito aos juros compulsórios previstos no artigo 829.°-A do Código Civil.
O Ministério Publico, notificado para o efeito, pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
Analisando o teor da sentença, confirmada pelo Tribunal da Relação, dada à execução, afigura-se que a exequente tem razão.
Com efeito, decorre do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa junto com a presente reclamação que a sanção pecuniária compulsória aplicada aos executados não tem origem judicial (artigo 829°-A, n.º 1, do Código Civil), mas contratual, pois que foi estipulada pelas partes no contrato de comodato invocado como causa de pedir na Acão declarativa julgada procedente pela sentença dada à execução.
Ora, a regra de repartição da sanção pecuniária compulsória para o credor e para o Estado consagrada no n.º 3 do artigo 829°-A do Código Civil apenas se aplica à sanção pecuniária compulsória judicial, prevista no citado n.º 1 do artigo 829.°-A do Código Civil, e à sanção pecuniária legal prevista no n.º 4 deste mesmo preceito legal.
Como a doutrina e a jurisprudência têm sublinhado, a sanção pecuniária compulsória inovatoriamente prevista no artigo
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