Acórdão nº 2274/20.1T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-04-27

Data de Julgamento27 Abril 2023
Ano2023
Número Acordão2274/20.1T8VNF.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

AA e BB, propuseram a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra L... pedindo que a ré seja condenada a:

a) reconhecer que os autores são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados no artigo 1º da p.i.;
b) reconhecer que os autores são titulares do direito de servidão de acesso aos prédios identificados no artigo 1º da p.i., por uma faixa de terreno com 1,5 metros de largura por 90 de comprimento que nasce na confrontação do prédio da ré com a EN ...06 e termina nos prédios dos autores para passagem de pessoas, animais, carros de bois e tratores;
c) demolir a vedação do seu prédio na parte que confronta com a EN ...06 para permitir o acesso desta e para esta aos referidos prédios dos autores, deixando livre uma faixa de terreno da largura de 1,5 por 90 metros de comprimento afeta àquela servidão;
d) pagar aos autores uma indemnização pelos prejuízos que se vierem a liquidar em execução de sentença.

Como fundamento dos seus pedidos, alegaram, em síntese, que são proprietários dos prédios identificados no artigo 1º da p.i., sendo a ré proprietária do prédio confinante com os dos autores.
Os prédios dos autores não confrontam com a via pública, sendo prédios encravados.
No prédio da ré sempre existiu um caminho que permitia a passagem de pessoas e carros da via pública aos prédios dos autores, o qual desde sempre foi usado por estes e antepossuidores para esse efeito.
No ano de 2019, a ré realizou obras no seu prédio, obstruindo a passagem dos autores pelo prédio serviente, impedindo-os de aceder e, consequentemente, cultivar os seus prédios.
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Regularmente citada, a ré contestou, impugnando a existência de direito de servidão e passagem sobre o seu prédio. Alegou que a passagem para os prédios dos autores se faz pelo caminho de servidão existente pelo lado norte com acesso pela Av. ....
Pediu a condenação dos autores como litigantes de má-fé, em multa e no pagamento de indemnização condigna, sustentando que os mesmos alegam factos que bem sabem ser falsos com o único propósito de obter decisão favorável com o inerente prejuízo da ré.
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Por despacho proferido em 30.6.2021 foi fixado à causa o valor de € 52 853,00.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do processo e procedeu-se à enunciação dos temas de prova.
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Realizou-se a audiência final e, após, foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
“Pelo exposto, julgo:
A.
Parcialmente procedente o pedido formulado pelos Autores:
- declarando que os Autores são donos e legítimos possuidores dos prédios identificados nos artigos 1º e 2º da p.i.;
- declarando que os Autores são titulares do direito de servidão de passagem de pessoas, animais, carros de bois e tractores sobre o prédio descrito no facto provado número 5, para acesso aos prédios identificados nos factos provados números 1 e 2, por uma faixa de terreno com 1,5 metros de largura por aproximadamente 90 de comprimento que nasce na confrontação do prédio da Ré com a EN ...06 e termina nos prédios dos Autores;
- condenando a Ré repor o direito de servidão dos Autores aludido no parágrafo anterior, desobstruindo e demolindo todos os obstáculos à livre circulação dos Autores pelo seu prédio, na faixa de terreno aí descrita desde a EN ...06 até aos prédios dos Autores.
B.
Parcialmente improcedente a parte restante do pedido formulado pelos Autores, da qual se absolve a Ré.
C.
Improcedente o pedido de condenação por litigância de má-fé deduzido pela Ré, do qual se absolvem os Autores.”
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A ré não se conformou e interpôs recurso de apelação no qual apresentou 85 conclusões.
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Os autores contra-alegaram pedindo que o recurso fosse rejeitado por as conclusões não serem sintéticas e não enunciarem com precisão e concisão os fundamentos do recurso, situação que torna o recurso sem objeto e determina que o mesmo deve ser indeferido, como dispõe o art. 641º, nº 2, al. b), do CPC.
Pugnaram ainda pela manutenção da decisão recorrida.
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Foi proferido despacho pela relatora que:

a) indeferiu o pedido de rejeição do recurso feito pelos recorridos nas contra-alegações, por não existir falta absoluta de formulação de conclusões;
b) convidou a recorrente a apresentar alegações que contenham conclusões sintéticas dos fundamentos pelos quais pede a revogação da decisão, sob pena de não se conhecer do recurso na parte afetada.
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Notificada do aludido despacho, a recorrente apresentou as seguintes conclusões aperfeiçoadas:

“1) O Tribunal a quo considerou incorretamente provados os pontos 3, 6, 7, 8, 9, e 11 da matéria de facto provada.
2) E, conforme se refere na decisão proferida, fundamentou tal decisão no depoimento da Testemunha CC.
3) Sucede que, a referida testemunha está desavinda com a ora Recorrente, conforme a mesma admitiu, pelo que tal facto não podia ter sido desvalorizado e o referido depoimento não deveria ter sido considerado.
4) Face ao exposto, existe um erro de apreciação do Ilustre Julgador, o qual põe irremediavelmente em causa a validade da Sentença.
5) Por outro lado, a douta Sentença enferma do vício da contradição insanável da fundamentação.
6) O Tribunal acreditou nas declarações da testemunha CC, a qual afirmou que a Recorrente fechou o caminho de servidão na altura em que construiu a primeira loja.
7) No entanto, tal facto é mentira, pois a primeira loja da Recorrente não foi construída no prédio em apreço nos presentes autos, em 2017, mas no prédio contíguo, adquirido em 1999.
8) Além disso, o prédio em apreço nos presentes autos, apenas foi adquirido pela Recorrente em 2018, ou seja, 20 anos depois do que a testemunha alega.
9) A mesma testemunha refere ainda que a R..., proprietária do prédio ora em apreço até 2018, não aterrou o terreno.
10) No entanto, a versão da testemunha, é contrariada pelo depoimento de DD, o qual referiu que o caminho de servidão existiu ali há muitos anos, mas que agora já não há.
11) A referida testemunha disse que o caminho desapareceu há muitos anos atrás quando a R... terraplanou tudo.
12) Esta versão é corroborada pela testemunha EE e pelas testemunhas da Recorrente (FF e GG), as quais também disseram nunca ter ali visto o caminho de servidão.
13) No entanto, o Tribunal também não valorizou como depoimento destas testemunhas (FF e de GG), as quais são conhecedoras do local há mais de 25 anos.
14) Face ao exposto, não há dúvidas de que o depoimento da testemunha CC não foi credível, e, tendo sido considerado, traduz-se numa incoerência entre a realidade e a matéria de facto provada, pondo irremediavelmente em causa a decisão do Tribunal a quo.
15) Por outro lado, na versão das testemunhas DD, FF e GG, decorreram mais de vinte anos desde o desaparecimento do alegado caminho de servidão.
16) Pelo que, o Tribunal a quo deveria ter dada a servidão predial alegada pelos Autores como extinta.
17) Na verdade, a versão dos Autores (de que o caminho de servidão existiu até 2017) fica prejudicada pelo facto de a testemunha FF ter referido a existência de um muro de blocos que confrontava com a estrada nacional (e que impedia a passagem de pessoas, animais, carros).
18) Facto que foi confirmado pelas testemunhas GG e HH.
19) No entanto, o Ilustre Julgador não valorou o depoimento prestado pelo HH e também não fundamentou tal facto, conforme era a sua obrigação.
20) Ora, esta testemunha efetuou um levantamento um levantamento topográfico do muro confrontante com a estrada nacional, conforme se verifica pela análise do DOC. ... junto com a Contestação.
21) No referido DOC. ..., é evidente que, no local onde os Autores alegam existir um caminho, existia um muro de pedra antigo na confrontação de todo o prédio da Recorrente com a EN ...06.
22) Na verdade, de acordo com as testemunhas FF e GG, o referido muro era aberto apenas na altura das festividades da freguesia (a pedido da comissão de festas) para permitir a montagem do circo e, depois da romaria, era novamente tapado, vedando o acesso ao prédio da Recorrente.
23) Face ao exposto, analisada a douta Sentença recorrida percebemos que, contra as regras da experiência e o entendimento da generalidade das pessoas, o Ilustre Julgador apreciou a prova documental e a prova testemunhal produzida de forma errada.
24) Na verdade, o Julgador a quo errou ao considerar a existência de um muro em blocos aberto numa extensão suficiente para a passagem de todos os tipos de viaturas automóveis pesados até 2017, pois tal facto é falso e encontra-se devidamente fundamentado, quer pela prova documental já referida quer pela prova testemunhal.
25) Além disso, o Tribunal a quo, ao contrário do que refere, não considerou a fotografia do local (DOC. ... da Contestação), de Junho de 2018, onde é bem visível a existência do referido muro, bem como, a inexistência do caminho de servidão.
26) Por outro lado, o Ilustre Julgador também não considerou, (e não fundamentou) a versão apresentada pela Câmara Municipal, a qual considera não existir ali o caminho de servidão alegado – conforme certidão emitida pela Câmara Municipal ... e junta aos autos pela ora Recorrente.
27) Esta certidão foi referida pela testemunha FF.
28) E tal documento não podia ter sido ignorado pelo Tribunal a quo, uma vez que o parecer ali vertido refere expressamente que o caminho de servidão terá sido aterrado pela R..., muitos anos antes da compra e venda entre a R... e a Recorrente.
29) Tal como referido pela testemunha DD.
30) Por outro lado, o Tribunal a quo também desconsiderou a demais prova documental junta aos autos pela Recorrente, sem fundamentar os motivos que terão levado a tal desvalorização.
31) Desde logo, desconsiderou as fotografias juntas aos autos com a Contestação – DOC.... e DOC.... – tiradas em 2009 e 2018, nas quais também não é visível o...

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