Acórdão nº 227/21.1T8OVR-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 29-09-2022

Data de Julgamento29 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão227/21.1T8OVR-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Recurso de Apelação
ECLI:PT:TRP:2022:227.21.1T8OVR.A.P1
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Sumário:
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Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:
O Banco 1..., S.A., pessoa colectiva e contribuinte fiscal n.º ..., com sede em Lisboa, instaurou, em 02.02.2021, execução para pagamento de quantia certa contra AA, contribuinte fiscal n.º ..., e BB, contribuinte fiscal n.º ..., ambos residentes em ..., Aveiro, fundada na livrança n.º ..., emitida pela sociedade Banco 2..., S.A., com vencimento em 22.01.2021, subscrita pelos aqui executados, e no contrato de mútuo com hipoteca celebrado no dia 24.07.2000 entre os executados e o Banco 2..., S.A., pretendendo obter o pagamento das seguintes quantias: proveniente da livrança: capital de €11.389,76 e juros de mora a contar de 22.01.2021, calculados à taxa legal de 4% ao ano, sobre aquele capital, até integral pagamento; proveniente do contrato: capital de €41.146,26 e juros de mora a contar de 03.07.2010, calculados às taxas contratualizadas, sobre aquele capital, até integral pagamento.
Os executados deduziram embargos de executado alegando que os créditos exequendos se encontram pagos, que a possibilidade do mutuante de preencher livremente a livrança quanto às datas de emissão e vencimento é abusiva porque lhe confere o poder de dilatar infinitamente no tempo a cobrança do crédito cambiário proporcionando a criação de direitos de crédito imprescritíveis, que a livrança se encontra prescrita porque o contrato foi resolvido já em 15 de Dezembro de 2006, que estão prescritas as dívidas de capital e dos juros ao abrigo do disposto no artigo 310º, alínea e), do Código Civil.
A exequente contestou os embargos, sustentando que os créditos não foram pagos, nem se encontram prescritos.
Oportunamente foi realizado julgamento e proferida sentença onde se decidiu julgar «parcialmente procedentes os embargos do executado, devendo a execução prosseguir apenas para pagamento do capital do contrato de mútuo no montante de € 41.146,26, acrescido de juros de mora, a contar de 03.07.2010, calculados às taxas contratualizadas, sobre aquele capital, até integral pagamento».
Do assim decidido, o exequente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
i - Vem o presente recurso interposto do segmento da douta sentença que julgou procedente a excepção de prescrição do direito cambiário exequendo por considerar que a livrança foi abusivamente preenchida.
ii - A douta sentença recorrida propugna o entendimento de que na falta de determinação expressa no pacto de preenchimento do limite temporal para o preenchimento da livrança, o mesmo terá de ser realizado no prazo de 3 anos, previsto no art.º 70.º da LULL, contado do momento em que a livrança podia ser preenchida por estar vencido o crédito e não já da data do seu vencimento.
iii – O recorrente não se conforma com a douta sentença, em primeira linha, por não ter procurado determinar qual a vontade real das partes ao subscreverem o pacto de preenchimento (n.º 2 do art.º 236.º do código civil, tendo-se precipitado ao proferi-la, violando, assim, a alínea b) do n.º 1 do art.º 595.º do CPC (“a contrario”).
iv – Por outro lado, um declaratário normal (n.º do art.º 236.º do CC), colocado na posição dos recorridos não poderia deixar de entender que o recorrente - como é prática corrente em contextos análogos - poderia preencher a livrança quando assim o entendesse.
v – A própria entrega de livrança em branco ao banco, de per si, consiste num significante, com um significado: o preenchimento daquela fica ao critério e conveniência do banco.
vi – A sentença incorre num manifesto lapso: da falta de referência expressa ao limite temporal para o preenchimento não se pode extrair que esse limite é de três anos; já oposto seria verdadeiro, se o pacto preenchimento estabelecesse um limite temporal para o preenchimento, o que os executados não alegaram nem provaram (os executados não alegaram ter sido convencionado um limite temporal para o preenchimento, como lhes incumbia).
vii - A existir um prazo para o preenchimento da livrança sob pena de prescrição, o mesmo seria o prazo de 20 anos da prescrição ordinária (art.º 309.º do CC) e nunca ao prazo do art.º 70.º da LULL.
viii – No instituto da prescrição confronta-se o valor da justiça (nesse plano a prescrição não tem razão de ser) e os valores da segurança e certeza nas relações jurídicas, na falta de indiscutível determinação legal, dever-se-á aplicar o prazo da prescrição ordinária.
ix – A livrança em branco não é um verdadeiro título cambiário, é um embrião de título, não se lhe devendo, por isso, aplicar o prazo de 3 anos de prescrição do art.º 70.º da LULL, mas o prazo de 20 anos previsto no art.º 309.º do código civil.
x – É entendimento generalizado na jurisprudência e doutrina que a contagem do prazo previsto no art.º 70.º da LULL apenas tem o seu inicio como o preenchimento da livrança (já não a partir do momento em que esse preenchimento é possível).
xi – A seguir-se o entendimento da douta sentença recorrida, à mesma livrança seria aplicável, em dois momentos distintos, o mesmo prazo prescricional do art.º 70.º da LULL: i) na fase do preenchimento (contado a partir do momento em que podia ser preenchida) e ii) na fase da livrança já preenchida (contado da data aposta no título).
xii – As ideias de literalidade e certeza estruturante no direito cambiário, não podem conviver com interpretações potencializadores de discussões sobre se um título prescreveu ou não.
xiii - Se houve uma menor celeridade do que seria expectável por parte do exequente no preenchimento e accionamento da livrança, isso resultou, por um lado, de se ter aguardado o desfecho do processo de execução fiscal, relativo ao mútuo com hipoteca, e por outro lado, de se ter procurado averiguar da viabilidade do pagamento, pela via extrajudicial.
xiv - Inexistindo, portanto, um qualquer preenchimento abusivo.
xv - Com efeito, a tutela concedida na norma do art.º 10.º da LULL não encontra beneficiário no caso em apreço, dado que a acção decorre no plano das relações imediatas e quem preencheu a livrança e reclama o seu pagamento é ainda o primeiro adquirente da livrança, rectius: quem lhe sucedeu.
xvi - Se a situação dos autos fosse alegada e comprovadamente de preenchimento abusivo, os embargantes poderiam opor ao embargado, portador imediato da livrança, a falta de inobservância do pacto de preenchimento.
xvii - Acontece que, o preenchimento abusivo decorre da violação do convencionado entre as partes, máxime do pacto de preenchimento.
xviii - Ora o preenchimento abusivo devia ser alegado e demonstrado pelos embargantes uma vez que eles são os obrigados cambiários, portanto os sujeitos a quem a excepção de preenchimento abusivo aproveitaria (cfr. art.º 342.º, n.º 2 do CC).
xix - A verdade é que isto não foi feito, os embargantes insurgiram-se contra o preenchimento da livrança, mas não lograram, desde logo, demonstrar qual a vontade (real ou hipotética) dos intervenientes era no sentido da fixação da data de vencimento da obrigação cartular em função, designadamente da data de incumprimento da obrigação subjacente.
xxi - Da inexistência de cláusula escrita não pode retirar-se que as partes tenham pretendido restringir a liberdade de fixação da data de vencimento da obrigação cartular.
xxii - Não há, portanto, indícios de que a vontade, ainda que hipotética das partes, era / seria no sentido daquela restrição, nem razões para que aquela restrição era imposta pela boa fé.
xxiii - A lei não estabelece um prazo-limite para a data a inscrever na livrança em branco como data de vencimento da obrigação cartular.
xxiv - A jurisprudência consolidada do supremo tribunal de justiça milita no sentido de que, não se apurando que a vontade dos intervenientes tenha ou tivesse sido a de estabelecer condicionamentos à data de vencimento e, não sendo estes impostos pela boa-fé, o portador da livrança em branco é livre de a preencher com a data que considerar conveniente.
xxv – Consequentemente a livrança não se encontra prescrita nos termos do art.º 70.º da LULL pois que se venceu em 21/01/2021 (i.e. a contagem do prazo de prescrição previsto no art.º 70.º da LULL faz-se da data aposta na data de vencimento e não, tese do tribunal “a quo”, da última data de vencimento de obrigações emergentes do contrato (15/12/2006), data a partir da qual podia ter sido preenchida para se obviar ao preenchimento abusivo).
xxvi - A douta sentença recorrida violou, designadamente, o disposto nos artºs 590º, n.º 2 e ss, 595º, n.º 1, al. b) a contrario ambos do CPC, o art.º 236.º do CC, o 70º da LULL, ex vi art.º 77 do mesmo diploma, o art.º 334.º do CC, o art.º 306.º do CC e o art.º 342.º do Código Civil.
Nestes termos, deve ser o presente recurso considerado procedente e, em consequência ser revogado o excerto da douta sentença recorrida e substituído por outro que decrete a inexistência de preenchimento abusivo da livrança e consequentemente de prescrição do direito cambiário e, nessa medida, condene os embargantes no pagamento da livrança exequenda no valor facial de € 11.389,76, acrescido dos juros vencidos desde 22/01/2021 e vincendos, até integral pagamento, à taxa de 4%.
Os recorridos não responderam a estas alegações
Dentro do prazo, os recorridos apresentaram igualmente recurso de apelação da parte da sentença que lhe é desfavorável, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
A) Em 24.07.2000, o Banco 2..., S.A. celebrou com os executados AA e BB um contrato de mútuo com hipoteca, no montante de 35.000.000$00 (€ 174.579,26), no qual ficou estabelecido que o capital mutuado venceria juros à taxa anual efectiva de 6,93%, acrescida de sobretaxa de 4% no caso de mora, conforme instrumento de contrato que se encontra junto por cópia
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