Acórdão nº 2257/21.4JABRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 10-07-2023

Data de Julgamento10 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão2257/21.4JABRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em audiência, os juízes que constituem a Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I- RELATÓRIO

1. No processo comum, com intervenção de tribunal coletivo nº 2257/21...., do Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., em que são arguidos AA e BB e assistentes CC e DD, todos com os demais sinais nos autos, com data de 15.12.2022, foi proferido despacho pelo qual se indeferiu a irregularidade e as nulidades suscitadas pelo arguido AA em 09.12.2022, relativamente à alteração não substancial dos factos descritos na acusação comunicada pelo tribunal na sessão da audiência de julgamento de 06.12.2022.
2. Não se conformando com o aludido despacho, dele interpôs recurso o arguido AA, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição)[1]:
A) O presente recurso tem por objeto o despacho judicial que indeferiu as irregularidades arguidas pelo recorrente logo após comunicação da alteração não substancial dos factos, designadamente as decorrência da falta de indicação dos concretos meios de prova em que se estriba o Tribunal para concluir por uma alteração (ainda que não substancial) de factos, bem como a irregularidade decorrente do uso do disposto no artigo 358º, nº 1 do C.P.P. fora dos condicionalismos legais.

B) Finda a produção da prova apresentada a julgamento, e já após o término das alegações finais, na data designada para a leitura do acórdão, o Tribunal Coletivo procedeu a uma comunicação da alteração não substancial de factos que vinham descritos na acusação aos restantes sujeitos processuais.

C) Limitando-se o despacho judicial a comunicar que tal alteração factual resulta «da prova produzida em julgamento», não indicando quais os meios probatórios que concretamente impõem tal alteração.

D) Assim, o Recorrente, fazendo uso da faculdade concebida no artigo 358º, nº 1, in fine, requereu prazo para defesa, onde, entre outras coisas, argui a irregularidade decorrente da falta de fundamentação do despacho em crise, tudo conforme o disposto nos artigos 97º, nº 5, 123º e 358º, nº 1, todos do C.P.P.

E) A qual foi indeferida pelo Tribunal a quo.

F) Em consideração da estrutura maioritariamente acusatória do processo penal português (cf. artigo 32º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa – doravante “C.R.P.”) e, como sua decorrência axiológica, do princípio da vinculação temática, em princípio há que desconsiderar no processo quaisquer outros factos ou circunstâncias que não constassem do objeto do processo, o qual, por sua vez, é fixado pela acusação.

G) Todavia, um processo penal como o nosso, de estrutura maioritariamente acusatória, mas integrado por um princípio de investigação, admite, porém, que, sendo a descrição dos factos da acusação uma narração sintética, nem todos os factos ou circunstâncias factuais relativas ao crime acusado possam constar dessa peça, podendo surgir durante a discussão de julgamento factos NOVOS que traduzam alteração dos anteriormente descritos, os quais poderão ser tomados em conta pelo Tribunal, para efeitos de condenação, através do mecanismo da alteração não substancial dos factos.

H) No entanto, sendo o mecanismo da alteração (não substancial) dos factos um regime excecional, e de forma a assegurar todas as garantias de defesa do arguido, maxime o exercício do contraditório, o qual tem tutela constitucional (cf. artigo 32º, nº 5, da C.R.P.), o Tribunal terá de comunicar ao arguido tal alteração factual, concedendo-lhe, se tal for requerido, o prazo necessário para a preparação da sua defesa (cf. artigo 358º, nº 1, in fine, do C.P.P.).

I) Importa, assim, salvaguardar que, caso no decurso da audiência seja o arguido colocado perante a possibilidade de o tribunal levar avante uma alteração, in casu não substancial, dos factos descritos na acusação, terão de lhe ser assegurados todos os direitos de defesa também quanto à alteração anunciada.

J) Aliás, o legislador, ao remeter, no artigo 358º, nº 1, in fine, do C.P.P., para momento posterior a oportunidade de defesa, está nada mais nada menos que a fazer tábua rasa do princípio do contraditório, que pressupõe que o juízo sobre a veracidade de um facto seja sempre e necessariamente posterior à oportunidade de defesa e contradição.

K) Ora, tal impõe que a comunicação da alteração não substancial dos factos imposta no artigo 358º, nº 1, do C.P.P. contenha a indicação dos concretos meios de prova em que se alicerça essa alteração factual, pois só a partir desse momento é que o arguido pode verdadeiramente exercero seu direito de defesa, maxime o contraditório.

L) Assim, o despacho em curso teria de indicar concretamente os meios de prova de onde extrai os novos factos, o que não sucedeu.

M) Tal gera a invalidade do despacho em crise, por ausência de fundamentação, tudo nos termos do disposto nos artigos 97º, nº 5 e 123º, do C.P.P.

N) Além disso, o despacho em crise, ao não indicar concretamente os meios de prova em que o Tribunal se estriba para concluir por uma alteração factual (ainda que não substancial) está a violar a oportunidade do exercício do contraditório pelo arguido e, concomitantemente, o disposto no artigo 32º, nº 5, da C.R.P.

O) Repare-se que a própria Acusação Pública terá de conter, sob pena de nulidade, a indicação discriminada de todos os elementos probatórios a produzir em julgamento.

P) E tal sucede precisamente para que o exercício do contraditório possa ser efetivo, quer através da eventual fase instrutória, quer, sobretudo, através da apresentação da contestação e respetivo requerimento probatório a submeter a julgamento que, como se sabe, é a fase processual por excelência no que ao exercício do contraditório diz respeito.

Q) Mais a mais, como tem sido o entendimento maioritário da jurisprudência, de forma a respeitar o princípio do acusatório, a alteração substancial ou não substancial de factos só pode ocorrer depois da produção de prova.

R) O que reforça a necessidade de a comunicação a que alude o artigo 358º, nº 1, do C.P.P. ter de indicar quais os concretos meios de prova que impõem uma alteração da factualidade do despacho de acusação.

S) Não podendo o despacho em crise limitar-se a estipular que tal alteração factual ocorre «face à prova produzida» que é o mesmo que nada dizer!

T) E que faz com que a comunicação da alteração factual nos termos do disposto no artigo 358.º n.º 1 do C.P.P. – que tem como objetivo primordial garantir a efetiva preparação da defesa do arguido – seja reduzido à realização de uma mera formalidade processual, sem qualquer conteúdo material tangível para a defesa.

U) Em sentido próximo ao aqui defendido, veja-se o acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, de 23-10-2019 (Relator: Luís Teixeira), para quem: «I – A comunicação a fazer ao arguido na situação prevista no artigo 358.º, n.º 1, do CPP, da alteração não substancial dos factos, deve abranger não só o facto ou factos objeto da alteração, mas também a indicação ou concretização dos meios de prova de onde resulta a indiciação dos novos factos com relevo para a decisão. II - Só esta concretização permitirá ao arguido identificar o objeto da sua defesa, contraditando os meios de prova já produzidos e oferecendo quiçá outros que, em seu entender, possam abalar os indícios até então existentes e entretanto comunicados».

V) Acresce, ainda, que, verifica-se por parte do Tribunal a quo um uso indevido do mecanismo previsto para a descoberta superveniente de factos.

W) Na verdade, da prova produzida não resulta qualquer alteração factual com relevo para a decisão da causa diferente da anteriormente fixada na acusação.

X) Aquilo que o Tribunal a quo fez foi “reoarganizar” os factos que já estavam na acusação, embora de uma forma não tão detalhada, para permitir uma interpretação da prova de acordo com a tese acusatória.

Y) Ora, salvo melhor opinião, a figura processual da alteração não substancial dos factos não possui o alcance pretendido no despacho em crise, nem deverá ser usada com esse fim, uma vez que tal mecanismo processual foi, apenas e só, concebido para a descoberta superveniente de factos que não eram conhecidos da investigação ao tempo da dedução da acusação.

Z) Os factos em causa eram já do conhecimento da entidade acusatória e, inclusive, constam, na sua grande maioria, do despacho de acusação, embora de forma não tão detalhada e com momento cronológicos e espaciais diferentes.

AA) Portanto, estava já na disponibilidade do Ministério Público, enquanto «dominus» do Inquérito, a possibilidade de alegar tais factos, como, aliás, pressupõe a estrutura acusatória do processo penal, que impõe, ao demais, uma clara separação entre a entidade que investiga e acusa e a entidade que julga.

BB) Não é lícito que, perante acusações genericamente formuladas, o Tribunal possa colmatar tal lacuna recorrendo ao mecanismo da alteração não substancial dos factos, e que este se transforme, em claro prejuízo dos direitos de defesa dos Arguidos, num expediente de consubstanciação de Acusações genericamente formuladas.

CC) Os factos elencados no despacho em crise não chegaram ao processo supervenientemente, como erradamente consta do despacho em recurso.

DD) Aquela factualidade já existia nos autos e pode ser vista como integradora da factualidade típica do crime imputado aos Arguidos, pelo que a sua narração deveria constar na acusação.

EE) O recurso à alteração não substancial dos factos, com esta finalidade, constituí um incentivo à formulação genérica e inconsubstanciada das acusações, pois estas desenham um objeto tão lasso que se torna quase impraticável alargá-lo mais, obliterando as garantias dos Arguidos no que toca ao alargamento da factualidade imputável.

FF) E qualquer dificuldade probatória advinda de tal estratégia, seria facilmente sanada pelo...

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