Acórdão nº 2250/22.0T8TVD.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 20-12-2023

Data de Julgamento20 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão2250/22.0T8TVD.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. Relatório
AA, patrocinado pelo Ministério Público, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra ..., alegando, em síntese, que em Março de 2020 celebrou com a Ré contrato de trabalho verbal e por tempo indeterminado para exercer as funções de auxiliar de pesca na embarcação ...», auferindo uma retribuição mensal variável em função do volume das vendas de pescado em lota, que em 2021 se traduziu na retribuição mensal média de € 2.885,43. No dia 30 de Dezembro, o Mestre BB, que agia por conta e no interesse da Ré, disse-lhe que era melhor ir-se embora e não trabalhar mais. No dia seguinte – 31-12-2021 -, quando se fizeram as contas para pagar o mês de Dezembro, o Autor pediu para continuar a trabalhar mas o BB disse-lhe que não era possível e que deixava de trabalhar para a Ré e entregou-lhe a cédula profissional. Nesse mesmo dia, a Ré comunicou à Segurança Social a cessação de contrato de trabalho com o Autor, indicando como motivo “caducidade de contrato a termo”, conduta que correspondeu a um despedimento ilegal sem justa causa nem procedimento disciplinar.
Conclui, peticionando que seja declarada a existência de um despedimento ilícito e que a Ré seja condenada a pagar-lhe:
- € 8.656,29 a título de indemnização por cessação ilegal de contrato de trabalho;
- as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, designadamente retribuições mensais e as referentes a férias e subsídios de férias e de Natal, sendo as devidas à data da instauração da acção no valor de € 2.885,43, correspondente à retribuição dos 30 dias anteriores;
- juros moratórios vencidos e vincendos sobre tais quantias, à taxa de 4% ao ano, desde o seu vencimento e até efectivo e integral pagamento.
A Ré apresentou contestação, alegando, em síntese, que no dia 30-12-2021 toda a tripulação da embarcação “...” recebeu ordens para se deslocar até à mesma uma vez que teria de ajudar nos trabalhos de limpeza e arrumação para que a mesma fosse colocada fora de água e encalhada para manutenção durante o mês de Janeiro de 2022, altura em que se encontra interditada a pesca. Nesse dia, o mestre da embarcação disse ao Autor que já não podia continuar a trabalhar naquela embarcação, que era por ele dirigida, dispensando-o da mesma, por diversas vezes o ter desautorizado, não acatando as suas ordens em frente à restante tripulação, não tendo dito que o Autor não podia continuar a trabalhar para a Ré, até porque não tinha poderes para isso. No dia 31-12-2021, quando foi feita a apresentação das contas do mês de Dezembro, o sócio-gerente da Ré propôs ao Autor que fosse transferido para uma das outras duas embarcações da empresa, nas quais tinha falta de mão-de-obra, o que o Autor recusou, declarando que se ia embora da empresa. No dia 07-01-2022, o Autor foi trabalhar para outra empresa. No dia 31-12-2021, a Ré declarou junto da Segurança Social a cessação do contrato de trabalho do Autor com efeitos a 30-12-2021, mas não por o ter despedido nem por este ter dito que se ia embora da empresa, pois que tal comunicação foi feita pelas 09h30m, ainda antes da referida apresentação das contas onde o Autor recusou a proposta de transferência para outra embarcação da Ré. Já no dia anterior a Ré havia comunicado a cessação dos contratos de trabalho de outros membros da tripulação da embarcação, pois é usual as entidades patronais darem baixa das respectivas tripulações no final de cada ano, uma vez que o mês de Janeiro é o mês do defeso do tipo de marisco que a embarcação “...” pesca, sendo habitual os trabalhadores da Ré usufruírem do subsídio de desemprego nesse mesmo mês e voltarem a ser admitidos ao serviço da Ré no mês de Fevereiro.
Após audiência de julgamento, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto julgo a ação procedente, e, em consequência:
1) Declaro que o Autor foi ilicitamente despedido pela Ré com efeitos reportados a 30.12.2021;
2) Condeno a Ré a pagar ao Autor
a) … a quantia de € 8.656,29 (oito mil seiscentos e cinquenta e seis euros e vinte e nove cêntimos) a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde 30.12.2021 e vincendos até integral pagamento;
b) … as retribuições, incluindo subsídios de férias e de natal, no valor mensal (ilíquido) de € 2.885,43 (dois mil oitocentos e oitenta e cinco euros e quarenta e três cêntimos), que o Autor deixou e deixará de auferir, desde 06.11.2022 até ao trânsito em julgado desta decisão, acrescidas de juros de mora à taxa legal, vencidos desde o último dia do mês a que respeitam e dos vincendos até integral pagamento;
3) Condeno a Ré no pagamento das custas do processo.»
A Ré interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«A. A R. não se pode conformar com as conclusões da sentença a quo, e cuja reapreciação se suscita por fundamental e relevante no presente caso, nem aceita o julgamento da matéria de facto, pedindo a reapreciação da mesma, e bem assim os fundamentos dela extraídos para motivação da decisão a quo e justificação da presente condenação, o que, considerando toda a factualidade produzida nos autos, jamais justificaria a decisão condenatória, de que se recorre.
B. Analisada a matéria de facto constante dos autos, conclui-se que apesar de o Tribunal a quo ter dado como provado ( cfr “Factos provados”, pontos 8 e 9, pp. 4 e 7 de 18) que:
8) Na tarde desse mesmo dia 31.12.2021, em encontro para realização das contas para pagar o mês de dezembro o Autor pediu novamente ao BB para continuar a trabalhar ao que este respondeu que não e entregou ao Autor a sua cédula profissional;
9) Nesse mesmo encontro estava presente o sócio-gerente da Ré, CC, na sequência da conversa tida entre Autor e BB, propôs ao Autor que fosse trabalhar para qualquer uma das outras duas embarcações da empresa nas quais tinha falta de mão-de-obra;
C. Ou seja, não obstante ter sido dado por provado que o sócio-gerente da Ré tenha proposto ao A. que fosse para qualquer uma das outras duas embarcações da empresa nas quais tinha falta de mão de obra, já que a situação na embarcação ...” era insustentável,
D. O Tribunal conclui pelo “reconhecimento indireto de que o contrato vigente tinha cessado pois que se assim não fosse (…) era simplesmente transmitir ao Autor que passava a prestar trabalho numa das outras embarcações e não fazer-lhe uma proposta dependente de aceitação”.
E. Assim, o Tribunal não atendeu à possibilidade de transferência de embarcação tal como prevista e admitida no regime jurídico do contrato individual a bordo das embarcações de pesca (artigo 11.º), segundo o qual
F. a actividade profissional para que o marítimo foi contratado será prestada a bordo de qualquer embarcação de pesca do armador, desde que tal não implique a mudança de porto de armamento e não cause prejuízo sério ao trabalhador.
G. Veja-se que o Tribunal reconheceu, e bem, como não provado que o mestre da embarcação tivesse dito ao autor que não era possível continuar a trabalhar para o empregador, e que deixava de trabalhar para a Ré, (cfr B – Discriminação dos factos que se consideram não provados, ponto 2, a pp 5 da sentença).
H. Contudo, já não andou bem o Tribunal recorrido ao não ter reconhecido na matéria dada por provada o facto de o Autor ter logo recusado a proposta de trabalhar noutra das embarcações da R.
I. Razão pela qual se requer a reapreciação da prova gravada, atendendo a que é dito pela testemunha, DD, a min. 12:57-13:40, da gravação 20230316102913_6181783_2871242, nomeadamente:
J. que presenciou a proposta do sócio-gerente da R., confirmando este que “(…) o patrão disse que não o estava a mandar embora da empresa(…)” 12:57;
K. que “(…) tinha mais dois barcos da mesma firma e um terceiro que tinha falta de pessoal, e ele tinha lugar nos outros barcos” 13:12 e
L. que “(…) o EE manteve-se calado e só dava à cabeça que não (…)” 13:19.
M. Assim, o facto 3 discriminado na sentença recorrida como não provado, ou seja, o facto de o Autor ter logo recusado a proposta de transferência para outra embarcação, deve passar a constar como facto provado,
N. Deve assim o facto de o A. ter dado à cabeça que não, ou seja, que não aceitava a transferência, recusando continuar a trabalhar noutra embarcação da Ré, ser dada como provada, nomeadamente na sequência do facto 9) dos factos dados por provados, que deve passar a ter a seguinte redação:
O. Na tarde do dia 31/12/2021, durante o encontro para a realização das contas para pagar o mês de dezembro, estava presente o Sócio gerente da Ré, CC, na sequência da conversa tida entre o mestre da embarcação “...”, que lhe devolveu a cédula por não ser sustentável a respetiva manutenção, propôs ao autor que fosse trabalhar para qualquer uma das outras duas embarcações da empresa nas quais tinha falta de mão-de-obra, e o A. abanou com a cabeça, recusando.
P. A recusa em continuar a laborar para o Armador, sócio-gerente da R., em qualquer uma das restantes embarcações da R., resulta também do facto de o A., durante e após o período de defeso, ter assumido
...

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