Acórdão nº 2227/05.0 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-02-02

Ano2023
Número Acordão2227/05.0 BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA interpôs recurso da sentença do Tribunal Tributário (TT) de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade I………- …………………., LIMITADA da decisão que indeferiu a reclamação graciosa que havia apresentado contra os actos de liquidação de Imposto do Selo, efectuados, em 21/09/04, pelo Notário do ……..º Cartório Notarial de Lisboa, ao abrigo do artigo 10.3 da Tabela Geral do Imposto de Selo, em consequência dos atos de constituição de duas hipotecas, constituídas a favor do Banco …………….., S.A., sobre os lotes de terreno para construção números 99/026 e 99/027, sitos na freguesia de …………….., respectivamente, no valor de €11.610,50 e de €11.243,35.

A sentença anulou os atos sindicados e condenou a Administração Tributária a restituir à Impugnante as quantias pagas.

A Recorrente, Fazenda Pública, formulou, para tanto, as seguintes conclusões:

«I- Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada pela Recorrida e, anulou os actos impugnados, condenando a Fazenda Pública à restituição das quantias pagas e, com a qual não concordamos.

II- O thema decidendum nestes autos resume-se a saber se é legal e, portanto, válido, o Imposto de Selo liquidado pela Recorrida, em consequência de duas garantias prestadas, através de duas escrituras públicas de hipoteca.

III- Sobre o decidido cumpre referir, que a ora Recorrida foi a licitante vencedora da hasta pública n.°5/HP/2003 realizada pela Câmara Municipal de Lisboa em 22.DEZ.2003, relativamente a dois lotes de terreno para construção, nomeadamente lote de terreno n.°99/027 e n.° 99/026, sitos na Rua ……………. em Lisboa, inscritos na matriz predial urbana da freguesia de …………….., provisoriamente sob os artigos ……… e ………, com os valores patrimoniais de €1.295.873,94 e de €1.371.447,35, respectivamente.

IV- Em 16.ABR.2004 a Recorrida celebrou escritura pública compra e venda com a Câmara Municipal de Lisboa, relativamente ao lote de terreno para construção n.°99/027, tendo neste acto pago a importância remanescente do preço, no montante de € 2.094.552,86, que aquele diz ter recebido nesse acto e do qual lhe deu integral quitação.

V- Em 21.SET.2004 celebrou escritura pública compra e venda com a Câmara Municipal de Lisboa, relativamente ao lote de terreno para construção n.°99/026, tendo neste acto pago a importância remanescente do preço, no montante de € 2.296.351,80, que aquele diz ter recebido nesse acto e do qual lhe deu integral quitação.

VI- Relativamente ao lote de terreno supra descrito em 12., celebrou em 21.SET.2004, novo acto, nomeadamente escritura pública de hipoteca, ou seja, cinco meses depois.

VII- No que concerne ao lote de terreno supra referido em 13 celebrou, também, autonomamente, novo acto- escritura pública de hipoteca.

VIII- Atento o supra exposto, podemos concluir que relativamente à aquisição dos dois lotes de terreno, em crise, a Recorrida celebrou quatro actos autónomos, e, tal como resulta dos registos existentes na Conservatória do Registo Predial, as escrituras de hipoteca produziram os seus efeitos.

IX- Em suma, está provado que, no caso em apreço, a hipoteca foi voluntária e constituída em 21.SET.2004, verificando-se a previsão normativa para efeitos de liquidação de Imposto de Selo, nos montantes de €11.610,50 e de €11.234,35.

X- Por último a Recorrida apresentou escritura de distrate celebrada em 22.0UT.2004, relativamente aos dois lotes de terreno, contudo, quer com a p.i quer durante a audiência de inquirição de testemunhas, nunca exibiu o registo do distrate averbado na Conservatória do Registo Predial, provando que a celebração da escritura de hipoteca não constitui facto tributário.

XI- Mais, analisando a referida escritura de distrate, junta com a pi, constata-se que aquela refere “(...) que o referido prédio foi adquirido na mesma data, por escritura de compra e venda celebrada entre a Câmara Municipal de Lisboa e a sociedade representada pelos primeiros outorgantes, outorgada pela Notária Privativa do Município de Lisboa, lavrada a fls. Cinquenta e uma e seguintes, do respectivo livro número sessenta e sete M e sobre o prédio urbano designado por lote noventa e nove barra zero vinte e sete, sito ………………….., freguesia de ……………… (...)".

XII- Ora, como supra se referiu em 12 a escritura pública compra e venda, realizou-se em 16.ABR.2004, e não em 21.SET.2004, como a mesma refere.

XIII- Atento o supra exposto, podemos concluir que relativamente à aquisição dos dois lotes de terreno, ocorreram quatro actos autónomos, não sendo as escrituras de hipoteca materialmente acessórias das escrituras de compra e venda, nem foram constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, aliás, posição, também, perfilhado pelo DMMP.

XIV- O Imposto de Selo incide sobre as garantias das obrigações, qualquer que seja a sua natureza ou forma, designadamente a garantia bancária autónoma e a hipoteca, salvo quando materialmente acessórias de contractos especialmente tributados pela TGIS e constituídas simultaneamente com a obrigação garantida, ainda que em instrumento ou título diferente (TGIS n.°10), que não é o caso, as liquidações de Imposto de Selo nos montantes de €11.610,50 e de €11.234,35, elaboradas em 21.SET.2004, pelo …° Cartório Notarial de Lisboa, aquando da celebração de duas escrituras públicas de constituição de hipoteca em crise são legais, razão pela qual, discordamos com o decidido pelo tribunal “a quo".

Nestes termos, em face da motivação e das conclusões atrás enunciadas, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando- se, em consequência a douta sentença ora recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo por Vossas Excelências a costumada JUSTIÇA.»


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Não há registo de contra-alegações.

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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

É a seguinte a matéria de facto constante da sentença recorrida:

«1. A Impugnante, I…….. - Empreendimentos ………….., L.da, que se dedica à construção de edifícios para venda, nomeadamente com fins habitacionais, bem como à compra e venda imóveis, no âmbito da sua atividade conseguiu ser a licitante vencedora da hasta pública de terrenos do Município de Lisboa, levada a efeito pela respetiva Câmara Municipal no dia 22 de dezembro de 2003, isto no que concerne a dois lotes de terreno situados na ………………, em Lisboa, na então denominada freguesia de …………………., um identificado pelo n°99/027, descrito na respetiva Conservatória sob a ficha 3.382, já então provisoriamente inscrito sob o art………° na matriz predial urbana daquela freguesia e, o outro, igualmente situado na citada Rua, identificado pelo n°99/026, descrito na mesma Conservatória sob a ficha 3.381, já então provisoriamente inscrito sob o art………..° na matriz predial urbana da referida freguesia: por aquele ofereceu €2.327.280,96 e, por este último, €2.551.502.

2. Aquando da licitação a Impugnante apenas havia prestado uma décima parte dos preços oferecidos e, enquanto seguiam seu curso as formalidades administrativas no âmbito municipal, subsequentes à hasta pública, ela foi entabulando negociações com o B……… - Banco ………….., S. A., com vista a obter o empréstimo de parte do dinheiro de que necessitava para integralmente pagar os valores oferecidos, a que se vinculara.

3. No termo das negociações, a Impugnante e o Banco chegaram a um acordo segundo o qual, em suma, este lhe emprestava €2.795.000, oferecendo ela como garantia de bom cumprimento do mútuo, hipoteca sobre os referidos terrenos.

4. Paralelamente, viriam a ser celebradas as escrituras públicas de adjudicação ou transmissão, ditas de compra e venda dos dois lotes: a referente ao primeiro lote em 16 de abril de 2004, altura em que a Impugnante entregou à Câmara Municipal o remanescente do valor por ele oferecido; e a referente ao segundo em 21 de setembro de 2004, altura em que a Impugnante igualmente lhe entregou o remanescente do respetivo valor oferecido por ele.

5. Nesta última data a Impugnante celebrou ainda, com a referida instituição bancária, e no mesmo Cartório Notarial onde celebrara aquelas duas escrituras públicas (mas não perante as mesmas Notárias/Ajudantes!), uma escritura pública pela qual constituiu a favor do banco uma hipoteca sobre o lote descrito pela ficha 3.381, inscrito na matriz sob o art…….° [o lote n°99/026], para garantia do bom cumprimento da restituição de uma quantia até €1.420.000, bem como dos juros remuneratórios e, bem assim, do demais acrescido eventual até certo montante; e mais celebrou com ele, ainda, uma outra escritura pública pela qual constituiu igualmente a favor daquele uma hipoteca sobre o lote descrito pela ficha 3.382, inscrito na matriz sob o art………..° [o lote n°99/027], para garantia do bom cumprimento da restituição de uma quantia até €1.375.000, bem como dos juros remuneratórios e, bem assim, do demais acrescido eventual até certo montante.

6. Em ambas as escrituras de hipoteca surge que as garantias são prestadas pela Impugnante para «quaisquer operações bancárias, designadamente, aberturas de crédito, mútuos, desconto ou negociação de quaisquer letras ou livranças e suas eventuais reformas quer como sacadora, aceitante, endossante, subscritora ou avalista, bem como extratos de fatura, ou como saldos de contas correntes ou outras, ou ainda de quaisquer responsabilidades emergentes de garantias bancárias prestadas pelo banco».

7. Todavia, apesar de ser aquele o teor das escrituras quanto à função das hipotecas, a Impugnante e o Banco apenas...

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