Acórdão nº 2174/18.5 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 23-03-2023

Data de Julgamento23 Março 2023
Ano2023
Número Acordão2174/18.5 BELSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I- RELATÓRIO
M… - S… e Multimédia, S.A. (Recorrente), vem interpor recurso jurisdicional da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo do Lisboa em 18/05/2020 que, no âmbito da ação de contencioso pré-contratual por si proposta contra, entre ouros, o Ministério da Economia e V…- Comunicações P…- esta a título de contrainteressada-, ambos Recorridos, julgou procedentes as exceções de ilegitimidade ativa e de falta de interesse em agir e, consequentemente, absolveu as Recorridas da instância.
Com efeito, na sua petição inicial, a Recorrente formulou os seguintes pedidos:
“(…) deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência:
(i) Declarar-se como não válida, por ilegal, a proposta apresentada pela V… aqui contrainteressada, por clara violação do disposto no CCP;
(ii) Anulando-se a decisão de adjudicação da proposta à V….”
Em 18/05/2020, e após várias vicissitudes, o mesmo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa proferiu despacho saneador no qual, além do mais, absolveu os ora Recorridos da instância por ter considerado que a Recorrente não detinha interesse em agir e, por isso, não possuía legitimidade ativa para a vertente ação.
Inconformada com o julgamento realizado, a Recorrente vem interpôs o presente recurso, que culmina com as conclusões que, a seguir, se elencam:
Das Conclusões:
A. O Tribunal a quo efectuou erros na aplicação do Direito aos factos;
B. Tendo realizado errada subsunção dos mesmos;
C. Porque considerou o Tribunal a quo que ora Recorrente não parte com legitimidade activa.
D. Nem tem interesse em agir, desconsiderando a argumentação que contradiz tais factos e os quais foram o móbil para a presente acção.
E. Porque a ora Recorrente considerou e considera ter havido violação das regras de Contratação Pública, que subverteu uma adjudicação a seu favor, para uma anulação da mesma e adjudicação em favor de outrem.
Pelo que, nestes termos e nos melhores de Direito, que V. Exas., Venerandos Desembargadores, Doutamente suprirão, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, consequentemente,
(i) Declarar-se nula a Douta Sentença proferida;
(ii) Revogando-se a Sentença recorrida do Tribunal a quo;
(iii) Requerendo-se ao Tribunal ad quem que anule a Adjudicação à Contrainteressada;
Fazendo assim V. Exas. a Costumada Justiça!”

O Recorrido Ministério da Economia apresentou contra-alegações, finalizando com as seguintes conclusões:
A) O Tribunal a quo decidiu, e bem, dar por verificadas as exceções dilatórias, absolvendo as Entidades Demandadas e as Contrainteressadas da instância, nos termos do disposto no art. 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e), do CPTA.
B) Está em causa nos autos a decisão de adjudicação adotada num procedimento concursal em que a proposta da Recorrente ficou ordenada em 3.º (e último) lugar.
C) Ainda que a decisão de adjudicação fosse anulada, o que não se admite, e que proposta da Contrainteressada V… fosse excluída, nem por isso seria adjudicada a proposta da Recorrente, uma vez que, de acordo com o critério de adjudicação, a proposta da contrainteressada N… - Comunicações, S.A., ficou ordenada em 2.º lugar. Só se esta concorrente viesse a desistir da adjudicação é que seria, eventualmente, adjudicada a proposta da Recorrente.
D) O critério de legitimidade ativa é definido em função da lesão ou a ameaça de lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos. Tratando-se de impugnação de ato administrativo, a sua anulação apenas pode ser pedida por quem seja prejudicado pelo ato impugnado.
E) Pretendendo a anulação de um ato administrativo - a decisão de adjudicação -, a Recorrente tinha de invocar, e alegar a lesão ou a ameaça de lesão dos seu direitos ou interesses, o que não aconteceu.
F) No caso dos autos a Recorrente pediu a anulação da decisão de adjudicação com fundamento no alegado dever de exclusão da proposta da V…, sem demonstrar em que medida a decisão de adjudicação lesa os seus direitos ou interesses.
G) Como se lê no acórdão do 10/3/2016, no processo n.º 12853/15, o Tribunal Central Administrativo Sul já considerou que «(…) o interesse (…) em agir só existe quando a parte puder retirar alguma utilidade da tutela jurisdicional requerida. (…)”, ou seja, o “(…) interesse em agir é um pressuposto processual que se destina a assegurar a utilidade da tutela jurisdicional, isto é, que visa evitar que os tribunais sejam chamados a exercer a sua função em situação nas quais não se justifica a concessão de qualquer tutela ou nas quais a eventual concessão dessa tutela não representa qualquer benefício para o seu requerente.».
H) No CPTA, com exceção do que se estabelece no art. 39º, para as ações de simples apreciação e para as ações inibitórias, o interesse em agir não logrou consagração autónoma, encontrando-se integrado na legitimidade.
I) Com efeito, de acordo com o disposto no art. 55º n.º 1, al. a), do CPTA, tem legitimidade ativa, nas ações que envolvam a apreciação da legalidade de atos administrativos, quem alegue ser titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesado pelo ato nos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
J) É pacificamente aceite na jurisprudência que a alegação de um interesse pessoal releva para aferir da legitimidade, enquanto que a alegação de um interesse direto releva para aferir do interesse em agir.
K) O interesse direto contrapõe-se a um interesse meramente longínquo, eventual ou hipotético, que não se dirija a uma utilidade que possa advir diretamente da anulação do ato impugnado, pois que o requisito do carácter “direto” do interesse tem que ver com a questão de saber se o alegado titular do interesse tem efetiva necessidade de tutela judiciária: ou seja, tem que ver com o seu interesse processual ou interesse em agir.
L) Para o que, no caso dos autos, interessa, a Recorrente só poderia impugnar a decisão de adjudicação com fundamento na exclusão da proposta da V…, se, em conformidade com a al. a) do nº 1 do citado art. 55º, fosse titular de um interesse direto e pessoal, designadamente por ter sido lesada pelo ato nos seus direitos e interesses legalmente protegidos, o não resulta minimamente verificado, não retirando a Recorrente, para si própria, uma utilidade concreta na eliminação do ato impugnado.
M) A Recorrente não tem um qualquer interesse legítimo direto na procedência da ação porque a sua proposta ficou graduada em último lugar. Ou seja, ainda que a decisão de adjudicação fosse anulada, a adjudicação recairia na proposta graduada em 2.º lugar.
N) A única vantagem que a Recorrente obteve com a impugnação da decisão de adjudicação consistiu em manter-se como operadora dos serviços de telecomunicações enquanto durou o efeito suspensivo da decisão de adjudicação que decorre automaticamente da impugnação, prestando serviços mais caros e beneficiando de uma contratação por ajuste direto e obtendo com a impugnação do ato de adjudicação aquilo que não logrou obter observando as regras da concorrência.
O) Este seu interesse não merece proteção jurídica porque o princípio da tutela jurisdicional efetiva exige a verificação do preenchimento do critério da lesão atual na esfera jurídica do autor provocada pelo ato administrativo objeto de impugnação.
P) A Recorrente não invocou qualquer lesão de direitos ou interesses na sua esfera jurídica, não observando o critério de legitimidade definido no art. 55.º do CPTA.
Q) Parte legítima é, assim, todo aquele que retire da anulação do ato impugnado um benefício concreto - patrimonial ou moral - não contrário à lei, que direta e imediatamente se reflita na sua esfera jurídica pessoal. O que no caso dos autos não acontece.
R) O recurso aos Tribunais não pode ser utilizado para sustentar interesses, que se aproximam da figura do abuso de posição dominante, que o Direito não tutela.
S) É pois manifesta a falta de legitimidade da Recorrente, e a sua falta de interesse em agir, pelo que bem andou o Tribunal a quo quando decidiu dar por verificadas as exceções dilatórias, absolvendo as Entidades Demandadas e as Contrainteressadas da instância, nos termos do disposto no art. 89.º, n.ºs 2 e 4, alínea e), do CPTA.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que o Tribunal certamente suprirá, conclui-se que não deve ser dado provimento ao presente recurso jurisdicional, por não proceder nenhuma das alegações da Recorrente, devendo a sentença ora impugnada ser mantida na ordem jurídica por não sofrer dos vícios que lhe vêm assacados.”

A Recorrida V… também apresentou as respetivas contra-alegações, nas quais concluiu:
“I. A Recorrente ficou classificada em 3.º lugar no Concurso em causa, pelo que, mesmo se viesse a ser anulada a decisão de adjudicação que impugna, não lhe seria possível obter, nem tal pede, o Contrato em concurso.
II. Assim, nenhum benefício directo e pessoal pode alcançar com a presente acção, o que significa que nenhum interesse tem em agir, não tendo, pois, legitimidade para a proposição da presente acção.
III. Pelo que outro caminho não existia, nos termos da Lei, do que absolver da instância as Entidades Demandadas.
IV. E outra solução não se encontra do que manter a sentença recorrida, por nesta se encontrar a melhor – e única – aplicação da Lei aos factos que cumpre julgar.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Excelências, Senhores Juízes Desembargadores, doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se a validade da decisão tomada em saneador-sentença pelo Tribunal a quo, com as consequências legais.”

O Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal não emitiu parecer de mérito.

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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso...

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