Acórdão nº 2170/23.0BELSB-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 2024-03-19

Data de Julgamento19 Março 2024
Ano2024
Número Acordão2170/23.0BELSB-S1
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Município de Oeiras (doravante Recorrente, Requerente ou R.) veio recorrer do despacho e da sentença proferidos a 1.9.2023, pelo Juízo de Contratos Públicos do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, pelos quais foi, respetivamente, indeferido o requerimento inquirição de testemunhas e indeferido o incidente de levantamento do efeito suspensivo do ato de adjudicação dos lotes 3, 4 e 7 do “Concurso Público com publicidade internacional, por divisão em lotes, para aquisição da prestação de serviços de manutenção dos espaços verdes do concelho de Oeiras”.
Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

A) O presente recurso jurisdicional incide sobre o despacho que indeferiu a produção de prova testemunhal arrolada pela Recorrente, bem como sobre a sentença, pela qual foi indeferido o pedido de levantamento do efeito suspensivo deduzido pela ora Recorrente.
B) O despacho que dispensou a inquirição de testemunhas é nulo, em virtude de não ter sido precedido de audição das partes e, em qualquer caso, é ilegal, por não se encontrar adequadamente fundamentado.
C) O despacho em alusão não indica nenhum fundamento concreto que demonstre porque é que a realização de julgamento se revelou desnecessária à boa decisão da causa.
D) O despacho é ainda ilegal, na medida em que, por um lado dispensou a abertura da fase instrutória e, por outro, concluiu, a final, que não foi feita prova adequada dos prejuízos para o interesse público.
E) Em suma, o entendimento veiculado no despacho recorrido violou, no plano ordinário, o artigo 103.°-A, n.° 3 do CPTA no segmento em que determina que devem ser ordenadas as diligências instrutórias absolutamente indispensáveis e, a nível constitucional, o direito à tutela jurisdicional efetiva ínsito no artigo 20.° da CRP, na medida em que impediu arbitrariamente a Recorrente de demonstrar os prejuízos por si alegados.
F) A sentença recorrida enferma de um erro ostensivo de julgamento ao concluir pela falta de alegação e demonstração de prejuízos para o interesse público.
G) Desde logo, contrariamente ao afirmado na sentença recorrida, decorre do artigo 110.° do requerimento de levantamento do efeito suspensivo automático uma estimativa da perda de investimento correspondente a “um coeficiente de 2,5 a aplicar sobre o orçamento calculado para restabelecimento de cada metro quadrado de espaço verde perdido (...)”.
H) Ora, tendo em conta que o valor orçamentado para cada lote corresponde ao respetivo preço base previsto na Cláusula 17a do Caderno de Encargos, bastaria efetuar um simples cálculo para apurar a estimativa de perda de investimento para cada lote.
I) Mais concretamente, para o Lote 3, tendo em conta o orçamento para os 36 meses de manutenção é de € 2.210.677,20, a estimativa de perda total ascende a € 5.526.693,00, para o Lote 4, considerando que o orçamento para os 36 meses de manutenção é de € 3.310.777,44, a estimativa de perda total ascende a € 8.276.943,60 e, para o Lote 7, tendo presente que o orçamento para os 36 meses de manutenção é de € 4.039.477,20, a estimativa dos danos ascende a € 10.098.693.
J) Não obstante o que antecede, sendo necessária uma clarificação da estimativa apresentada, deveria ter sido determinada a produção de prova testemunhal arrolada pela Recorrente.
K) Em qualquer caso, importa notar que a extensão dos danos da falta de manutenção dos espaços verdes depende ainda de outros fatores exógenos, tais como as condições climatéricas.
L) Significa isto que nunca seria possível apurar, com certeza absoluta, a gravidade ou extensão dos danos, o que, de resto, nem sequer se compadece com a natureza urgente do regime e com a inerente exigência de produção de prova sumária.
M) Não sendo possível antever quais as condições de clima que se verificarão nos próximos 8 meses, teria sido sempre possível ao Tribunal considerar vários cenários: um cenário pessimista, em que as condições climatéricas seriam extremas e a perda poderia ser total, um cenário normal, em que as condições climatéricas seriam normais, e a perda seria de cerca de 50% do estimado e até um cenário otimista, em que as condições climatéricas seriam muito favoráveis e a perda seria de cerca de 10%.
N) Independentemente do antecede, o Tribunal a quo reconheceu, como certo, que a ausência de manutenção dos espaços verdes determinará uma perda de investimento, sendo, assim, incompreensível, que, a final, conclua pela inexistência de demonstração de prejuízos para o interesse público e pela consequente impossibilidade de realização do juízo ponderativo previsto no artigo 103.°-A, n.° 4 do CPTA.
O) Ao entender que os riscos invocados pela Recorrente (riscos de acidentes, morte de pessoas, a insalubridade dos espaços, pragas, risco de danos em pessoas e bens e risco de ruturas nas condutas) não são atendíveis para a ponderação de interesses, na medida em que se exige a produção efetiva e existente dos danos para poder efetuar a ponderação de interesses determinada no n.° 4 do artigo 103.°-A do CPTA, o Tribunal Recorrido incorreu noutro erro de julgamento.
P) Tendo em conta que com o incidente de levantamento do efeito suspensivo automático se visa justamente evitar a ocorrência de danos, todos os danos invocados correspondem, por natureza, a riscos, que devem ser analisados com recurso a um juízo de probabilidade.
Q) Veja-se, por exemplo, o caso paradigmático do risco de incêndio (também aqui invocado), que já foi considerado pelo STA como um risco atendível na ponderação dos interesses envolvidos.
R) De notar, aliás, que no aresto invocado nas presentes alegações de recurso, o STA considerou, inclusivamente, que, em função da sua gravidade, o risco de incêndio poderá nem sequer depender de um juízo de probabilidade da sua ocorrência.
S) Se assim não fosse, ou seja, se os prejuízos tivessem de ser efetivos ou existentes, o incidente nem sequer teria qualquer utilidade.
T) O Tribunal Recorrido desconsiderou um conjunto de elementos apresentados pela Recorrente (as reclamações, relatórios fotográficos e a audição das testemunhas) que se, ao invés, tivessem sido apreciados de forma integrada e em articulação com a ausência de impugnação da Autora (aqui Recorrida) relativamente aos factos que atestam, teriam imposto uma decisão do presente incidente radicalmente distinta; rectius, oposta.
U) Sem prejuízo do exposto, também aqui o Tribunal a quo reconheceu que alguns dos invocados danos (ou seja, dos riscos identificados pela Recorrente) se irão verificar, sendo, assim, novamente incompreensível, que, a final, conclua pela inexistência de demonstração de prejuízos para o interesse público e pela consequente impossibilidade de realização do juízo ponderativo previsto no artigo 103.°-A, n.° 4 do CPTA.
V) Ou seja, na verdade, quer, em relação à reconhecida perda de investimento municipal por parte do Tribunal a quo, quer, em relação à reconhecida verificação de certos danos por parte do mesmo órgão jurisdicional, a sentença recorrida padece, na verdade, de uma insanável contradição entre a fundamentação e a decisão, na medida em que se admite expressamente a existência de prejuízos e ao mesmo tempo se considera não ser possível proceder à ponderação de interesses prevista no artigo 103.°-A, n.° 4 do CPTA.
W) É sabido que todas as decisões jurisdicionais devem ser concretamente fundamentadas de forma que seja possível compreender como foi adquirida certa convicção; o que, porém, não sucedeu no caso vertente.
X) Do que antecede flui que a sentença recorrida é nula ao abrigo do artigo 615.°, n.° 1, alínea c) do CPC, aplicável ex vi artigo 1.° do CPTA.
Y) Não obstante a Recorrente tenha indicado e demonstrado detalhadamente no seu requerimento de levantamento do efeito suspensivo que os trabalhadores da DGEV se encontram alocados a funções que não podem ser abandonadas, que não dispõe de nenhum canalizador certificado, nem de equipamentos e máquinas necessários para a execução dos serviços abrangidos pelos Lotes 3, 4 e 7, e, bem assim, que este tipo de trabalhos não se compadece com a execução de serviços mínimos, o Tribunal Recorrido concluiu, sem, no entanto fundamentar, e novamente sem permitir a produção de prova testemunhal, que não é impossível os trabalhadores em causa prestarem os tais serviços mínimos.
Z) Quanto a este ponto, a sentença recorrida padece de nulidade por falta de fundamentação de acordo com o artigo 615.°, n.° 1, alínea b) do CPC, aplicável por via do disposto no artigo 1.° do CPTA, na medida em que não e minimamente explicitada a razão pela qual o Tribunal a quo entende que é possível a realização de serviços mínimos, nem tão-pouco o que é que este órgão jurisdicional entende por tais serviços.
AA) E, de todo o modo, também aqui a sentença recorrida se encontra ferida de erro de julgamento, na medida em que tudo o que foi alegado pela Recorrente em sede de requerimento de levantamento do efeito suspensivo e reiterado nas presentes alegações, aponta no sentido da insuficiência de meios para assegurar os serviços abrangidos pelos Lotes 3, 4 e 7 e não, portanto, no sentido decidido pelo Tribunal.
BB) De resto, o Tribunal a quo também não poderia ter concluído pela ausência de demonstração da insuficiência de meios e simultaneamente indeferir a produção de prova testemunhal.
CC) Ainda quanto a este conspecto, o Tribunal Recorrido deveria ter tido em conta que no domínio da prova de factos negativos, como é o caso, impõe-se uma menor exigência probatória por parte do julgador da causa.
DD) Finalmente, a sentença recorrida incorre em dois erros de julgamento no que tange à ponderação dos interesses prevista no artigo 103.°-A, n.° 4 do CPTA.
EE) Com efeito, de acordo com a redação atual aludida norma...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT