Acórdão nº 2162/16.6T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-06-15

Ano2023
Número Acordão2162/16.6T8FAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO.
AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra Hospital Particular do Algarve S.A. e BB, pedindo a condenação solidária dos réus no pagamento de indemnização, na quantia de €133.992,50, sendo €8.992,50 a título de danos patrimoniais, €30.000,00 a título de indemnização por danos não patrimoniais e €95.000,00 a título de danos patrimoniais futuros decorrentes do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que ficou a padecer, acrescida de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento, bem como no pagamento de todos os medicamentos, consultas médicas, tratamentos médicos, ajudas técnicas, intervenções cirúrgicas e despesas relacionadas, tais como deslocações ou transporte alojamento de que a autora venha a necessitar ao longo da sua vida e que sejam consequência do ato médico realizado pelo 2º réu em causa nos autos, e ainda no pagamento da quantia que se vier a liquidar em execução de sentença pelos danos futuros previsíveis, em consequência das sequelas sofridas pela autora, designadamente dores físicas, sofrimento, incapacidade permanente e consequências definitivas.
Para fundamentar a sua pretensão alega ter sofrido danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes de sequelas produzidas pela intervenção cirúrgica realizada pelo segundo réu em estabelecimento hospitalar da primeira ré, na qualidade de médico ortopedista ao serviço desta, onde foi assistida devido a fratura do fémur que sofreu em acidente de mota de água, não lhe tendo sido prestada a assistência adequada.
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A Ré contestou, em suma, impugnando os factos alegados, concluindo pela improcedência da ação.
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O Réu contestou, em suma, excecionando a prescrição do direito da Autora e impugnando os factos alegados, concluindo pela improcedência da ação.
Formulou pedido de intervenção acessória das companhias de seguros Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A. (Seguradoras Unidas, S.A.) e Ageas Portugal - Companhia de Seguros, S.A..
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Admitida a intervenção provocada acessória e citadas as Intervenientes vieram apresentar articulados, nos quais invocam a prescrição do direito da autora e impugnam os factos alegados, concluindo improcedência da ação.
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A Autora respondeu à matéria de exceção, concluindo pela sua improcedência.
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Foi realizada audiência prévia, na qual foi relegado para a decisão final o conhecimento da exceção perentória de prescrição, proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, sem que tenha sido apresentada reclamação.
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Procedeu-se à realização da audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgando a ação improcedente, absolveu os Réus do pedido formulado pela Autora.
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Inconformada com esta decisão, dela apelou a Autora, formulando as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto da sentença proferida nos presentes autos que julgou a ação improcedente, por não provada, e em consequência absolveu os réus do pedido formulado pela autora, aqui recorrente, tendo por objeto a reapreciação da prova gravada, com a consequente alteração de factos incorretamente julgados como provados e não provados, bem como a aplicação do direito.
B. Está em causa a realização, pelo médico 2.º réu no Hospital 1.º réu, da cirurgia de osteossíntese diafisária do fémur com encavilhamento endomedular descrita no facto provado n.º 17, que a autora não tem dúvidas ter sido realizada com quebra da leges artis e dos deveres de cuidado e vigilância e com culpa dos réus, sob a forma de negligência, a qual foi apta a causar danos à autora.
C. Foram os seguintes os factos incorretamente julgados como provados:
29- Foi confirmada a inexistência de rotação detetável entre os topos ósseos e que se encontravam alinhados, sem diástese ou fraturas iatrogénicas, com remoção do fio guia.
31- Após confirmação que o parafuso proximal se encontrava dentro da cavilha foram introduzidos dois parafusos distais, com recurso a sistema sure-shot (método de assistência computorizada).
32- Os parafusos distais e proximal ficaram colocados dentro dos orifícios correspondentes da cavilha.
34- No final da intervenção cirúrgica o réu procedeu a observação clínica do alinhamento da perna e não constatou a existência de rotação.
39- Foi realizado rx de controlo, no qual era visível o alinhamento dos topos ósseos, sem diástase apreciável, encavilhamento estático, com aparente alinhamento correto, sem rotação detetável e sem fraturas iatrogénicas.
45- A lesão na zona perineal no decurso da tração é uma consequência possível e previsível da tração esquelética realizada durante a intervenção cirúrgica de osteossíntese.
D. Os seguintes factos incluídos no elenco dos factos não provados deverão ser alterados, passando a ser entendidos como provados:
C) Após a intervenção cirúrgica era visível a rotação interna do membro inferior esquerdo da autora;
D) existia um parafuso que não estava dentro da haste;
F) essa situação teria tendência a agravar-se, caso não fosse corrigida;
G) após a intervenção cirúrgica realizada pelo réu a autora manteve tratamentos de fisioterapia e massagens no domicílio;
H) para debelar as dores e minorar as dificuldades de locomoção causadas por essa intervenção a autora teve de realizar cirurgia corretiva.
Factos provados n.ºs 29, 31, 32, 34 e 39
E. Do facto provado nº 52 resulta que o TAC realizado em 05 de outubro (de 2011) revelou a existência de uma rotação interna do membro inferior esquerdo de 33 graus, a qual foi resultado da cirurgia em causa nos autos (facto provado 110).
F. As testemunhas que depuseram em audiência não demonstraram ter conhecimento direto da cirurgia realizada na autora, mas apenas fizeram uma descrição detalhada de uma cirurgia de encavilhamento endomedular diafisário do fémur.
G. Por outro lado, apenas a testemunha Dr. CC, e cujo depoimento com a referência 20170503102230_3789699_2870817 foi prestado em duas sessões, uma no dia 24-06-2022, das 11:48:13 às 12:23:01, com continuação no dia 27-06-2022, das 09:40:03 às 11:23:50, teve contacto com a autora no pós operatório e chegada a França, tendo confirmado ter visto o raio-x, que neste era visível um parafuso fora da cavilha, que realizou exames complementares de diagnóstico e confirmou o defeito de rotação de 33 graus, esclarecendo ainda que na cirurgia corretiva o parafuso proximal, o único superior, estava frouxo, e que esse defeito de rotação era consequência de uma falha cometida na cirurgia, fosse porque o parafuso não ficou completamente colocado na cavilha ou corretamente apertado (o que faz aos 14:45 a 26:56 da primeira parte do seu depoimento e 01:34 a 31:55 da segunda parte.
H. O Prof. Dr. DD, nos esclarecimentos gravados no sistema áudio em uso no Tribunal com a referência 20170503102230_3789699_2870817, que subscreve o Relatório de Consulta Técnico-Científica de fls. 1052, prestados no dia 27-06-2022, com início às 15:09:39 e termo às 15:48:03 permite concluir o mesmo pois que esclareceu a função dos parafusos de bloqueio (04:46), não consegue negar totalmente que não seja possível visualizar o parafuso fora da cavilha, referindo aliás algumas vezes ao longo do depoimento que o parafuso estava fora (13:51 e 14:40), admitindo aliás uma rotação na radiografia pós operatória (27:27).
I. Do Relatório de Consulta Técnico-Científica, de fls. 1052 resulta que o desvio é relevante, admitindo que causasse dano funcional e mesmo estético.
J. A Autora queixou-se ao médico réu que o seu pé estava virado para dentro logo após a cirurgia, facto que foi desconsiderado pelo Tribunal a quo e se encontra provado.
K. O namorado de então da Autora, de quem esta se encontra separada há vários anos (como decorre do início do depoimento), e que foi considerado credível pelo Tribunal EE, cujo depoimento se encontra gravado com a referência 20170503102230_3789699_2870817, com início no dia 24-06-2022, das 13:54:31 às 14:40:42, refere que assistiu a essa queixa ocorreu de facto (18:08), o que a Autora também referiu por várias vezes no seu depoimento (05:06), tendo obtido do réu a resposta que se trataria de uma posição de conforto por causa da dor.
L. Os desvios rotacionais devem ser vigiados no pós operatório, desde logo porque são um erro com relativa frequência, apesar de o Perito Prof. DD ter dito que esse desvio é detetado no pós operatório quando olhamos e vemos o pé a apontar para dentro (18:24 do depoimento identificado), facto também corroborado pelo médico testemunha FF, cujo depoimento gravado no mesmo sistema, em 27-06-2022, com início às 13:54:26 e termo às 14:44:55 aos 43:33
M. O tribunal a quo não tinha razões válidas para não conferir credibilidade ao cirurgião francês que realizou a osteotomia desrrotativa na Autora, tanto mais que dá como provado que só após esta cirurgia a Autora começou a sentir melhoras. Além do mais existindo duas versões diversas, sendo uma da parte, com interesse direto na causa, e outra de uma testemunha sem qualquer interesse no desfecho dos autos, é evidente que esta mereceria maior credibilidade.
N. o Tribunal julgou incorretamente os referidos factos, os quais devem ser alterados, nos seguintes termos:
29- Não foi confirmada a inexistência de rotação detetável entre os topos ósseos.
31- Não foi confirmado que o parafuso proximal se encontrava dentro da cavilha, tendo sido depois introduzidos dois parafusos distais, com recurso a sistema sure-shot (método de assistência computorizada).
32- Os parafusos distais ficaram colocados dentro dos orifícios correspondentes da cavilha e o parafuso proximal ou ficou colocado fora da cavilha ou não foi corretamente apertado.
34- No final da intervenção cirúrgica o réu não procedeu a observação clínica do alinhamento da perna e não constatou a existência de defeito de rotação.
O. O facto provado n.º 39
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