Acórdão nº 2157/17.2T8MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 17-01-2022

Data de Julgamento17 Janeiro 2022
Ano2022
Número Acordão2157/17.2T8MTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação 2157/17.2T8MTS.P1

Autora: AA
Ré: BB Seguros, S.A. / BB1 Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, SA - Sucursal em Portugal”

Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
1. AA deu início à fase contenciosa, em ação especial emergente de acidente de trabalho, contra “BB Seguros, SA”, agora denominada “BB1 Seguros, Compañia de Seguros y Reaseguros, SA – Sucursal em Portugal”, peticionando a condenação desta a reconhecer a ocorrência de um acidente de trabalho, bem como as consequências do mesmo resultantes, com a sua condenação a pagar a “indemnização e pensão correspondentes”, as despesas reclamadas e os legais juros de mora.
Alegou para o efeito, em síntese, que, exercendo funções como Chefe de Secção para a sociedade “CC – Contabilidade, Gestão e Informática, Lda.”, mediante um salário líquido de €1.224,77 (€900 de salário base, €75 de subsídio de alimentação e o remanescente de duodécimos de subsídios de férias e de natal), sofreu um acidente de trabalho no dia 03/02/2017 – após ter saído de casa, e antes de ir para o seu local de trabalho, teve de efetuar serviços administrativos externos para a sua entidade empregadora e, ao atravessar a linha do metro, veio a ser vítima de atropelamento por uma composição do mesmo –, sendo que, diz, tal acidente provocou-lhe lesões e períodos de incapacidade temporária, resultando ainda daquelas sequelas suscetíveis de lhe acarretar uma IPP para o trabalho nunca inferior a 60%, bem como ainda despesas que, à data da instauração da ação, ascendem a €9.315,58.
Indicou como valor da ação €5.001,00.

1.1. Regularmente citado veio o Instituto Segurança Social a formular contra a Ré pedido de reembolso, no valor de €19.120,81.
1.2. A Ré contestou, reconhecendo a validade do contrato de seguro que celebrou com a empregadora da Autora, mas refutando qualquer responsabilidade, alegando, mais uma vez em síntese, que, aquando do acidente, aquela não se encontrava a desenvolver qualquer atividade abrangida por tal seguro (não estava no seu horário de trabalho, nem estava a dirigir-se para o seu local de trabalho), não podendo, nessa medida, o evento ser caracterizado como traduzindo um acidente de trabalho.
Conclui pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.

1.3. Foi proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e se procedeu à seleção da matéria de facto assente e controvertida, após o que se ordenou o desdobramento do processo, com a abertura do apenso de fixação de incapacidade.

1.4. Realizou-se a audiência de julgamento, finda a qual veio a ser proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações:
1. Julga-se a presente acção improcedente, por não provada, e, nessa sequência, absolve-se a ré dos pedidos contra a mesma deduzidos pela autora;
2. Julga-se improcedente o pedido de reembolso deduzido pelo ISS, do mesmo sendo a ré absolvida.
Custas da acção pela autora e pelo ISS, na proporção das respectivas responsabilidades.
Valor da acção: o indicado na PI.
Registe e notifique.”

2. Inconformada, interpôs a Autora recurso de apelação, formulando a final as conclusões seguintes (transcrição):
……………….
……………….
……………….
NESTES TERMOS,
E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES, DEVE SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, E, REVOGANDO-SE A DOUTA SENTENÇA RECORRIDA, JULGAR-SE PROCEDENTE POR PROVADO O PRESENTE RECURSO E, CONSEQUENTEMENTE, CONDENAR-SE A RECORRIDA NOS PEDIDOS AB INITIO CONTRA A MESMA FORMULADOS, COM TODAS AS DEVIDAS E LEGAIS CONSEQUÊNCIAS, POR SER DE INTEIRA
JUSTIÇA!”

2.1. Contra-alegou a Ré, apresentando a final as conclusões que seguidamente se transcrevem:
……………….
……………….
……………….
NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE SER JULGADO IMPROCEDENTE O PRESENTE RECURSO, MANTENDO-SE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA, FAZENDO-SE ASSIM INTEIRA E SÃ JUSTIÇA!”

2.2. O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

3. Subidos os autos a esta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso interposto, sobre a impugnação da matéria de facto e depois quanto à aplicação do direito, com a consequente revogação da sentença recorrida.

3.1. Notificadas as partes, pronunciou-se a Recorrente, dizendo que adere ao aludido parecer, e a Recorrida, por sua vez, defendeu que o recurso deve improceder.
*
Respeitadas as formalidades legais, cumpre decidir:

II – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC – aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do CPT –, integrado também pelas questões que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, são as seguintes as questões a decidir: (1) matéria de facto / reapreciação do recurso sobre a matéria de facto; (2) dizendo de direito: saber se o evento deve ser qualificado como acidente de trabalho.
*
III - Fundamentação
Da sentença resulta ter sido considerado provado o seguinte (transcrição):
“1. A autora nasceu no dia 10/04/1971 (cfr. doc. de fls. 12/13).
2. A autora foi admitida ao serviço da sociedade comercial “CC – Contabilidade, Gestão e Informática, Lda.”, pessoa colectiva número … … …, com sede na Avenida …, n.º …, .. …, Matosinhos, para, sob as ordens, direcção, fiscalização e orientação dos seus legais representantes, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de chefe de secção.
3. À data do acidente, a autora auferia uma retribuição anual ilíquida de 14.429,19€.
4. No dia 03/02/2017, às 08h52m, na Av. …, …, …, a autora foi vítima de atropelamento por uma composição do metro - foi embatida/atropelada pela composição de metro que circulava na linha contrária, na direcção Sul-Norte (sentido Póvoa de Varzim).
5. A autora foi socorrida de urgência no “Hospital DD”, no Porto, tendo-lhe sido diagnosticado politraumatismos; traumatismo crânio encefálico grave (TCE); afundamento do crânio na região occipital; fractura da mandíbula; contusão pulmonar bilateral; fractura de costelas; fractura dos ossos do nariz; fractura de ramo isquiático; entre outras lesões – cfr. relatório de urgência de fls. 198v e ss.
6. As lesões referidas no facto anterior foram consequência directa e necessária do evento em causa, sendo que o TCE foi acompanhado de hemorragia subaracnoídea e a autora sofreu, ainda, fractura de D12 e escoriações do joelho direito.
7. Como consequência directa e necessária do acidente aqui em causa, a autora ficou a padecer das sequelas descritas no relatório de fls. 139 e ss, designadamente: a) cicatrizes ao nível do crânio; b) afastamento de 25 mm na abertura da boca; c) cicatriz na face anterior do pescoço (cicatriz cervical anterior pós encerramento de traqueostomia); d) contractura da musculatura para-vertebral dorso-lombar, com rigidez do ráquis dorso-lombar; e) alterações cognitivas (que implicam alteração do posto de trabalho).
8. Bem como de cefaleias (cefalgia) e dor facial, raquidiana e da bacia.
9. A autora refere hipoestesia da hemiface esquerda
10. Ocasionalmente, a autora sente-se desmotivada, sofre de baixa estima e tristeza, assumindo intolerância ao ruído.
11. A autora esteve em situação de ITA entre 04/02/2017 e 16/07/2018 (528 dias).
12. As lesões sofridas pela autora consolidaram-se clinicamente no dia 16/07/2018.
13. Em consequência do acidente dos autos, a autora ficou a padecer de uma IPP para o trabalho de 44,66%.
14. As funções exercidas pela autora compreendiam a realização de “serviços administrativos externos diversos” (que lhe eram confiados pela empregadora), designadamente a deslocação a agências de sociedades bancárias (com as quais a entidade patronal detinha relações comerciais), a fim de ali efectuar diversas operações bancárias, tais como depósitos (de valores ou dinheiro) e entrega de documentação, entre outras.
15. Tais funções incluem, ainda, a deslocação a postos de correio para realização de operações de registo e envio de correspondência, levantamento e compra de selos, entre outras.
16. E, ainda, a realização de compras de material de escritório (economato).
17. Em tais deslocações, a autora utilizava uma viatura automóvel (comercial), propriedade da entidade patronal, da marca Seat, modelo ….
18. A autora iniciava a sua prestação de trabalho às 9h.
19. A autora reside (e residia à data do sinistro), na Av. …., número …., . Esquerdo, …, Matosinhos.
20. Desde Julho do ano de 2016 que o seu local de trabalho se situa na morada constante no facto n.º 2.
21. A residência da autora e o local do acidente distam cerca de 1,5 km.
22. Na Avenida …, n.º …, …, Matosinhos, encontra-se instalada uma agência da “EE”.
23. Na Avenida …, n.ºs .. e .., da mesma freguesia, encontra-se instalada a agência da “FF, S.A.”.
24. Na Rua …, n.º …, ainda da mesma freguesia, está instalada a agência dos “CTT”.
25. A distância (a pé) entre as referidas agências bancárias da FF e da EE e o local do acidente é de cerca de 100 metros.
26. A agência da “FF, S.A.” localiza-se do mesmo lado Este da residência da autora (atento o sentido Sul-Norte da linha de metro aqui em causa).
27. As agências da “EE” e dos “CTT” localizam-se do lado oposto – Oeste (atento o sentido Sul-Norte da mesma linha de metro).
28. A autora estacionou a viatura automóvel nas imediações da referida agência do “EE”, do lado Oeste (atento o sentido Sul-Norte da linha do metro).
29. Nos momentos que precederam o atropelamento, a autora efectuou a travessia pedonal da linha de metro em questão, utilizando a passagem de peões ali existente para o efeito.
30. A passagem de peões supra referida não
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