Acórdão nº 2155/22.4T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-06-07

Ano2023
Número Acordão2155/22.4T8BRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

.I - Relatório

Autora e Apelada: Massa Insolvente de P... – Pré-Fabricação, S.A.
Ré e Apelante: D..., S.A.
Autos de: apelação em ação declarativa de condenação com processo comum

A Autora formulou os seguintes pedidos: que a Ré seja condenada a entregar à Autora a quantia de 216.358,63 €, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento.
Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a Ré contratos de subempreitada e realizou obras para esta. Nesse âmbito, a Ré fez retenções de 10% do valor de cada fatura que pagava á sociedade da qual a Autora é Massa Insolvente, como caução do cumprimento do contrato, para garantia do cumprimento desses contratos de subempreitada referentes às obras realizadas, que deveria devolver após a receção definitiva das obras e que se recusa a entregar á Autora.

A Ré contestou, invocando, em súmula, que foi celebrado um acordo entre a A., a O..., S.A, a O... SGPS, S.A. e a Ré, em 30/04/2019, pelo qual as partes intervenientes compensaram expressamente e mutuamente créditos, extinguindo estes créditos.
Mais pediu a condenação da Ré no pagamento de uma indemnização no valor de 2.500,00 Euros a seu favor, por litigância de ma fé.

A Autora respondeu, invocando, em sinopse, que este “Acordo” foi celebrado quando a P... já se encontrava em situação de insolvência, como muito bem sabia a Ré, por ter sido notificada no dia 18 de junho de 2018 para penhora do crédito referente às retenções feitas à P..., pelo que esse documento foi um veículo utilizado para a Ré não entregar esse montante à massa insolvente, concluindo, por fim, pela invocação da nulidade, por simulação, desse acordo de compensação. Juntou elementos documentais referentes a tal penhora, que não foram impugnados.

Veio a ser proferida sentença, que julgou a ação parcialmente procedente, e condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de 86.200,00€ (oitenta e seis mil e duzentos euros), acrescida de juros moratórios legais, previstos no art.º 102.º, §3 do Código Comercial, contados desde a citação até efetivo e integral pagamento [e absolvendo-a do demais].

É desta decisão que a Ré apela, formulando, para tanto, as seguintes
conclusões:

I. Vem a Recorrente interpor recurso de apelação da sentença proferida no processo n.º 2155/22...., para o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, no qual foi julgada parcialmente procedente a ação e, consequentemente, foi a Recorrente condenada no pagamento da quantia de €86.200,00 (oitenta e seis mil e duzentos euros) à Recorrida.
II. Salvo o devido e merecido respeito, não pode a Recorrente concordar com aquela sentença, pelo que dela decorre com os seguintes fundamentos:
– Nulidade da sentença e/ou nulidade processual que contamina a sentença;
– Erro de julgamento na matéria de facto; – Erro de julgamento de Direito.
III. Primeiramente, a sentença proferida deve considerar-se como nula, uma vez que constitui sentença-surpresa, isto nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, que ora se invoca.
IV. Neste conspecto, determina aquele preceito normativo que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (destacado nosso).
V. De igual modo, estipula o artigo 3.º, n.º 3 do CPC, que não é lícito ao juiz decidir sobre questões de facto ou de direito, mesmo que sejam de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido oportunidade para se pronunciarem sobre aquelas.
VI. Deste modo, resulta da leitura concatenada daqueles dois preceitos normativos, que consubstanciará decisão-surpresa aquela que comporte solução jurídica ou solução fáctica que as partes não tinham obrigação de prever, por não terem tomado posição sobre aquela.
VII. Ora, nos presentes autos, a Recorrida veio a peticionar o pagamento do valor de €215.091,43 (duzentos e quinze mil e noventa e um euros e quarenta e três cêntimos), a título de retenções feitas pela Recorrente ao abrigo de vários contratos de subempreitada celebrados entre aquelas.
VIII. Não obstante, perscrutada a sentença proferida, constata-se que a ora Recorrente não foi condenada no pagamento daquele valor. Antes, foi condenada no pagamento da quantia de €86.200,00, na decorrência de penhora de “créditos” efetuada no âmbito da execução n.º 3668/17.....
IX. Ora, para além de a Recorrente não ser parte processual naqueles autos executivos, desconhecendo, por completo, o conteúdo e estado daqueles – dos quais, inclusive, não se deu conta nestes presentes autos -, é certo que a condenação foi feita com base em factos que não foram alegados na douta petição inicial, tendo sido decretado efeito, com a prolação da sentença, que nunca foi peticionado pela Recorrida.
X. Ao que acresce que, a ora Recorrente não teve oportunidade de percecionar a relevância daqueles nos presentes autos, nem tampouco foi alertada pelo Tribunal ad quo para tal, não lhe tendo sido dada a possibilidade de se pronunciar sobre aqueles, sendo que, o Tribunal ad quo estava obrigado, por força do princípio do contraditório, a dar oportunidade às partes para se pronunciarem, uma vez que estavam em causa factos ou questões de Direito suscetíveis de integrar – como sucedeu – a base da decisão.
XI. Por tudo isto, é entendimento da Recorrente que o Tribunal ad quo violou, de forma ostensiva, o princípio do contraditório, previsto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, garantido constitucionalmente no artigo 20.º, n.º 4, enquanto dimensão do direito a um processo justo e equitativo.
XII. O Tribunal ad quo proferiu decisão-surpresa, com a qual a Recorrente não poderia razoavelmente contar em face do objeto da ação determinado pelo pedido e causa
de pedir formulados pela Recorrida, pelo que a sentença é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, o que ora se invoca com os devidos efeitos legais.
Sem prescindir,
XIII. A sentença proferida é nula, ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, uma vez que o Tribunal ad quo condenou a ora Recorrente “em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”, violando, desse modo, o disposto no n.º1, do artigo 609.º, do CPC, o que se invoca, desde já, para os devidos efeitos legais.
XIV. De facto, ao condenar a ora recorrente no pagamento da quantia de €86.200,00, o Tribunal ad quo alheou-se do objeto da presente ação, definido pela Recorrida no pedido e causa de pedir. XV. Alvitramos que o objeto da presente ação se cinge às retenções levadas a efeito pela Recorrente na sequência da celebração de contratos de subempreitada com a Recorrida.
XVI. Sucede que, o valor de €86.200,00 em que a Recorrente foi condenada prende-se, como dissemos, com o auto de penhora de “crédito” emitido ao abrigo do processo executivo n.º ....
XVII. Assim, sendo certo que o Tribunal ad quo deu como provado que a Recorrente e Recorrida celebraram acordo que levou à extinção da dívida no valor de €215.091,43, que era, precisamente, o objeto da presente ação, devendo, por isso, ter proferido decisão no sentido de total improcedência,
XVIII. Em simultâneo, condenou a Recorrente no pagamento da quantia de €86.200,00, ao abrigo de um processo totalmente alheio a estes autos.
XIX. Em bom rigor, com a prolação da sentença nestes moldes, verifica-se uma dupla penalização da Recorrente, pois se pelas bandas do acordo ficou líquido que as partes extinguiram as dívidas peticionadas pelo Autor no valor de 215.091,43 Euros, por outro, encontra-se plasmado na sentença ora recorrida que haverá lugar ao pagamento de mais 86.200,00 Euros.
XX. Acresce que, por força da celebração do acordo, ao extinguir-se a dívida naqueles moldes, a Recorrente liberou as retenções feitas ao abrigo dos contratos de subempreitada.
XXI. Deste modo, com a sentença proferida, a Recorrente vê-se condenada a pagar uma quantia de que não é devedora, bem como fica sem as retenções levadas a efeito para garantia do bom cumprimento dos contratos de subempreitada.
XXII. Por este motivo, deve a sentença ser declarada nula.
Sem prescindir,
XXIII. Sempre se deverá ter como nula a sentença de que ora se recorre, uma vez que o Tribunal ad quo não especificou os fundamentos de facto que justificam a sentença, estando em causa, portanto, a nulidade prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, que ora se invoca.
XXIV. Como vimos, a Recorrente foi condenada no pagamento da quantia de €86.200,00, ao abrigo de um processo executivo n.º, o qual é totalmente alheio aos presentes autos.
XXV. Acresce que, conforme sobredito, a Recorrente não é parte daqueles autos, não tendo conhecimento do estado dos mesmos.
XXVI. Sucede que, o Tribunal ad quo alicerçou a sentença no auto de penhora de “créditos”, sem tampouco ter facultado o exercício do contraditório às partes no que respeita àquela factualidade, nem tampouco ter carreado, oficiosamente, elementos daqueles autos para que as partes se pudessem pronunciar, ou ter decretado que a Recorrida carreasse para o presente processo elementos daqueles outros autos, relevantes na tomada de decisão.
XXVII. Por isto, é entendimento da Recorrente que o Tribunal ad quo violou o princípio do inquisitório, previsto no artigo 411.º, do CPC, e que estipula que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos que lhe é lícito conhecer”.
XXVIII. O princípio do inquisitório enforma o campo da iniciativa processual do juiz, designadamente, no âmbito da instrução do processo.
XXIX. Assim, a iniciativa do juiz deve pautar-se por uma intervenção dirigida ao andamento regular do processo e a boa resolução da causa.
XXX. Deste modo, os elementos relativos ao processo executivo,...

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