Acórdão nº 2150/22.3T8TVD.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 05-12-2023

Data de Julgamento05 Dezembro 2023
Ano2023
Número Acordão2150/22.3T8TVD.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Decide-se, na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

Relatório
P… e C… intentaram a presente acção contra X…, pedindo que se declare a indignidade sucessória o Réu, face ao seu pai, J…, nos termos do disposto no artigo 2034.º do Código Civil ou, subsidiariamente, ao abrigo do instituto do abuso de direito.
Em síntese, alegam os Autores que:
- são irmãos de J..., falecido em 14 de Novembro de 2020, que foi vítima de homicídio, em que foi simultaneamente vitimada a sua filha (sobrinha dos Autores), S..., homicídio esse que foi perpetrado pelo ora Réu X... (filho de J... e irmão de S...);
- o homicídio em questão deu origem ao processo com o NUIPC 410/20.7GDTVD, que correu termos na 3.ª Secção do Departamento de Investigação e Ação Penal de ----- e que, na sua sequência, o ora Réu X... foi detido no dia 16 de Novembro de 2020, tendo sido sujeito ao primeiro interrogatório judicial de arguido detido a 17, tendo confessado a sua autoria e ficado sujeito à medida de coacção de prisão preventiva, vindo no Acórdão do Juízo Central Criminal de Loures – Juiz …, a 18 de Maio de 2022, a ser considerado que:
- X... vitimou fatalmente o seu pai, J... e a sua irmã, S... (que se encontrava grávida, o que também era do seu conhecimento);
- X... actuou com o propósito concretizado de causar a morte do seu pai e da sua irmã, e de representar que esse seria o resultado da conduta por si adoptada;
- X... foi considerado como inimputável quanto à prática dos crimes de homicídio e aborto;
- o referido Acórdão foi objecto de recurso por parte do arguido, circunscrito à decisão quanto ao pedido de indemnização cível deduzido pelos Autores, recurso esse que foi julgado totalmente improcedente pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que manteve inalterada a factualidade dada como assente;
- a decisão de condenação de X... transitou em julgado a 17 de Outubro de 2022;
- o falecido não deixou outros descendentes para além de X..., nem tão-pouco ascendentes, não sendo casado à data do óbito, nem nunca tendo sido casado com a mãe deste (M...), deixando-o como único descendente;
- o facto de X... ser autor confesso e condenado pelo homicídio, implica a sua indignidade e incapacidade sucessória, a ser decretada ao abrigo do disposto nos artigos 2034.º, alínea a) e 2036.º do Código Civil;
- perante a indignidade sucessória e a ausência de outros descendentes, ascendentes ou cônjuge sobrevivo de J..., são os Autores os presumíveis herdeiros sucessíveis do mesmo, ao abrigo do disposto no artigo 2133.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil.
Citado, o Réu apresentou Contestação, alegando, em síntese, que os factos praticados por si, e dos quais resultou a morte do seu pai e irmã, foram objecto de ampla análise, discussão e julgamento por Tribunal Coletivo e no âmbito do Processo Crime n.º 410/20.7GDTVD, Juiz …, do Juízo Central Criminal de Loures da Comarca de Lisboa Norte, tendo sido proferido Acórdão, transitado em julgado, onde foi absolvido da prática dos crimes de Homicídio Qualificado na pessoa de seu pai:
- declarando-se que o Réu:
- praticou factos qualificados pela Lei Penal como crime de Homicídio na pessoa de seu pai;
- é inimputável em razão de doença psiquiátrica irreversível - Esquizofrenia associada ao consumo de canabinóides - que o impede de avaliar a ilicitude dos seus actos do prisma da realidade;
- decidindo-se não lhe aplicar qualquer pena, declarando-se que existe perigo de prática de novos ilícitos criminais por sua parte, e aplicando-se-lhe uma medida de segurança de duração não inferior a três anos e não superior a vinte e cinco anos, cuja execução não foi suspensa.
Mais entende o Réu, que não há lugar à declaração de indignidade, pois foi absolvido do crime de homicídio doloso contra o autor da sucessão, faltando esse pressuposto legal de aplicação do instituto da indignidade sucessória (a sentença criminal condenatória), o que implica a improcedência da acção.

O Tribunal a quo proferiu Saneador-Sentença, culminando-o com a seguinte Decisão:
“Pelo exposto, decide-se:
a) Declarar a incapacidade sucessória do R. X... na herança aberta por óbito de J....
b) Custas a cargo do R., sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Notifique e registe”.
*
É desta Decisão que o Réu veio apresentar Recurso, juntando Alegações, que culminou com as seguintes Conclusões:
“I - Na presente acção vieram os AA pedir ao Tribunal que se declare a indignidade sucessória do R., face ao seu pai, J..., nos termos do disposto no artigo 2034º do Código Civil ou, subsidiariamente, ao abrigo do instituto do abuso de direito.
II - o Tribunal a quo considerou como provados que:
1. J... faleceu no dia 14 de novembro de 2020, no estado de solteiro e sem ascendentes vivos.
2. Os AA., P… e C…., são irmãos de J....
3. O R. X... é filho de J....
4. Por Acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de Loures, Juiz …, no processo comum (Tribunal Coletivo) nº 410/20.7GDTVD, transitado em julgado em 17/10/2022, foi decidido:
“-Absolver o arguido, X..., da prática dos crimes de Ofensa à Integridade Física Qualificada na forma tentada, p. p. pelos artigos 22º, 23º 143º e 145º nº 1 alínea a) e nº 2, por referência ao artigo 132º, nº 2, alíneas a), e) e j), do Código Penal, praticado contra M...;
- Absolver o arguido, X..., da prática dos crimes de Homicídio Qualificado p. p. respetivamente, pelos artigos 14º nº 1, 26º, 131º e 132º nºs 1 e 2, alínea a), do Código Penal, e 131º, 132º, nºs 1 e 2, al.s c), e) e j), do mesmo diploma, de que vinha acusado;
- Absolver o arguido, X..., pela prática de dois crimes de Ameaça Agravada, p. p. no artigo 153º e 155º nº 1, alínea a) do Código Penal, contra M... e J…, de que vinha acusado;
- Declarar que o arguido, X..., praticou factos qualificados pela Lei Penal como crime de Homicídio p. p. pelo art.º 131º, do Cód. Penal, na pessoa de J...;
- Declarar que o arguido, X..., praticou factos qualificados pela Lei Penal como crime de Homicídio p. p. pelo art.º 131º do Código Penal, na pessoa de S...;
- Declarar que o arguido, X..., praticou factos qualificados pela Lei Penal como crime de Aborto, p. p. no artigo 140º, nº 1, do Código Penal, de que vinha acusado;
- Declarar o arguido, X..., inimputável em razão de doença psiquiátrica irreversível – Esquizofrenia associada ao consumo de canabinóides - que o impede de avaliar a ilicitude dos seus atos do prisma da realidade e, consequentemente, não lhe aplicar qualquer pena;
- Declarar que existe perigo de prática de novos ilícitos criminais por banda do arguido, X..., e, consequentemente, aplicar-lhe medida de segurança de duração não inferior a três (3) anos e não superior a vinte e cinco (25) anos, cuja execução será avaliada nos termos previstos nos artigos 92º a 96º do Código Penal.
- Não suspender a execução da medida de segurança de internamento e tratamento em estabelecimento adequado imposta ao arguido
III –E ainda que:
“- O arguido sabia que, ao desferir facadas na cabeça, costas e tronco de J... e na cabeça e zona torácica de S... provocaria a sua morte, como veio a acontecer.
- E também sabia que com a sua atuação iria causar a morte do feto que sabia que a irmã, S..., trazia em gestação, como veio a acontecer.
- Em suma, a atuação do arguido foi a causa direta e necessária, da morte de J... e de S..., ocorrida no local e verificada pelas 23h30m do dia 13 de Novembro de 2020.
- O arguido agiu com o propósito concretizado de tirar a vida a J... e a S..., fazendo-a abortar, sabedor que tal conduta lhe era vedada por lei.”
IV- A convicção do Tribunal a quo resultou da sua admissão pelo R. e análise da documentação junta aos autos, nomeadamente, assentos de nascimento e de óbito, decisão proferida no processo nº 410/20.7GDTVD e certidão judicial, indicada pelo Réu na sua contestação como doc.4 e pedida para juntar nos autos de recurso para apreciação de V.Exas.
V- O Tribunal a quo, porque a questão a decidir nos autos é de Direito, dispensou a realização de audiência prévia nos termos do disposto no artigo 593º, nº 1 do Código de Processo Civil e nos termos do disposto no artigo 595º n.º 1 alínea b) do Código de Processo Civil emitiu despacho saneador no qual conheceu imediatamente do mérito da causa tomando decisão no sentido:
“com fundamento no abuso de direito (por se encontrarem verificados os pressupostos legais), declarar a incapacidade sucessória de X..., na herança aberta por óbito de J...”.
VI - vem o R. apresentar a sua discordância à sentença proferida, e as quais são as questões a decidir no presente recurso judicial, e designadamente:
I – erro na apreciação da prova e na fixação dos factos materiais da causa visando a alteração da matéria de facto dada como provada que fundamenta a decisão de mérito proferida com consequências na alteração da decisão de mérito e de Direito.
II – Quanto à improcedência do pedido dos AA de declaração de incapacidade sucessória do R. X... face ao seu pai, J..., por indignidade nos termos do disposto no artigo 2034º do Código Civil – argumentos de concordância e impossibilidade legal de aplicação aos declarados inimputáveis do regime de incapacidade sucessória por indignidade.
III - Quanto à declaração de incapacidade sucessória do R. X... face ao seu pai, J..., POR ABUSO DE DIREITO – impossibilidade legal de aplicação aos declarados inimputáveis do regime de incapacidade sucessória por abuso de direito.
IV – A lei e o Código Civil Português prevê regime e normas especiais aplicáveis ao inimputável no que respeita a sanções civis por actos e factos que pratiquem pelo que não é possível aplicar aos inimputáveis uma figura residual e conceito indeterminado de abuso de direito na base dos princípios gerais de direito e boa fé.
V- Não sendo legalmente possível aplicar aos declarados inimputáveis o regime da declaração de incapacidade sucessória por indignidade igualmente não é
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