Acórdão nº 2149/21.7T8ENT-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 30-03-2023

Data de Julgamento30 Março 2023
Ano2023
Número Acordão2149/21.7T8ENT-B.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Apelação n.º 2149/21.7T8ENT-B.E1
(2.ª Secção)

Relatora: Cristina Dá Mesquita

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora:

I. RELATÓRIO
I.1.
(…), embargada nos presentes autos que foram movidos por (…), Unipessoal, Lda. por apenso à ação executiva instaurada pela primeira contra (…) e (…), interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo de Execução do Entroncamento, Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, o qual julgou o incidente de embargos de terceiro totalmente procedente e, consequentemente, «reconheceu a existência do contrato de arrendamento invocado pela embargante no qual esta última figura como arrendatária, bem como a sua manutenção na ordem jurídica, impedindo a entrega do locado livre de pessoas e bens».

Na presente ação, deduzida por apenso à ação executiva onde foi penhorado o imóvel em causa nos presentes autos, a embargante alegou que é uma sociedade comercial que se dedica ao fabrico, comércio, revenda, distribuição, montagem, importação e exportação de carpintaria e mobiliário, projetos de arquitetura, design de interiores, entre outros, e que no âmbito daquela sua atividade comercial e porque precisava de espaço para o exercício da mesma, tomou de arrendamento o prédio urbano sito em (…), Estrada do (…), em (…), no dia 1 de outubro de 2019, contrato que foi celebrado pelo prazo de 25 anos e que teve início no dia 1 de outubro de 2019. Mais alegou que a renda foi fixada em € 350,00 mensais e que realizou investimentos avultados no imóvel para ali poder exercer a sua atividade, o que explica as condições estabelecidas no contrato de arrendamento, e, ainda, que só teve conhecimento da penhora do imóvel arrendado no dia 11 de outubro de 2019.
Os embargos foram recebidos e foi determinada a suspensão da instância executiva quanto ao imóvel penhorado naqueles autos.
Notificados a exequente e os executados, apenas a primeira contestou, impugnando a existência e validade do contrato de arrendamento invocado pela embargante.
Foi proferido despacho saneador e realizada a audiência de julgamento, após o que foi proferida a sentença objeto do presente recurso.

I.2.
A recorrente formula alegações que culminam com as seguintes conclusões:
«A) A recorrente vem interpor recurso da mui douta sentença proferida pelo Juiz 3 do Juiz de Execução do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, no âmbito do Processo n.º 2149/21.7T8ENT-B, que julgou os embargos de Terceiro procedentes nos seguintes termos: decide-se julgar totalmente procedente, por provado, o incidente de embargos de terceiro deduzido e, em consequência, decide-se reconhecer a existência do contrato de arrendamento invocado, no qual figura como arrendatária a embargante, e a manutenção do contrato de arrendamento na ordem jurídica, impedindo a entrega do locado livre de pessoas e bens.
B) Porquanto, veio o douto Tribunal a quo dar como provado que o imóvel penhorado nos presentes autos está arrendado desde 1 de outubro de 2019 à recorrida e estando, no caso, reconhecida a existência do contrato de arrendamento invocado pela embargante, mesmo no caso de venda executiva, o pedido formulado deve sempre ser atendido.
C) Ora, não pode a recorrente conformar-se com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, porquanto nem há prova do arrendamento efetivo, válido e eficaz do imóvel penhorado nos autos à recorrida nem tão pouco a recorrida alegou ou fez qualquer prova dos pressupostos previstos no artigo do artigo 342.º do Código de Processo Civil, posse, uso do imóvel ou de qualquer direito incompatível com a penhora, pelo que não bastará invocar um contrato de arrendamento para que o pedido da recorrida seja atendido.
D) O recurso tem por objeto a matéria de facto e de direito, salvo o devido respeito, a decisão recorrida padece de erro de julgamento, não fez a melhor interpretação dos factos nem da interpretação e aplicação das normas de Direito que se impunham, não houve uma correta subsunção dos factos ao direito em virtude da prova produzida e constante dos autos, não houve uma correta valoração da prova documental e testemunhal, os fundamentos da decisão assentam em factos/matéria nova, revelando-se uma decisão surpresa em violação dos princípios constantes do artigo 3.º, 5.º e 6.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, nula, nos termos da alínea c) e d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, e dos artigos 411.º, 590.º, n.º 3 e 4, do CPC, com consequente nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1, segunda parte, do Código de Processo Civil, pelo que carece de ser revogada e alterada nos termos abaixo expostos.
E) Nos termos do requerimento executivo, em 05.12.2013, no exercício da sua atividade creditícia, a Caixa (…), por escritura pública outorgada, de fls. 89 a fls. 92, do Livro de notas (…)-A, do Cartório Notarial de Santarém, celebrou com a (…), Lda., devidamente representada por (…) e (…), que intervieram na qualidade de sócios-gerentes e também na qualidade de fiadores, e com (…), (…), (…) e (…), na qualidade de fiadores, um Contrato de Empréstimo com Hipoteca e Fiança, no valor de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros), destinado à liquidação de responsabilidades de crédito na Caixa (…).
F) Para garantia do integral cumprimento das obrigações pecuniárias assumidas os Executados (…) e (…) constituíram a favor da Caixa (…), agora da Exequente, hipoteca voluntária sob:
- Prédio misto, composto de pinhal e barracão de rés do chão e primeiro andar para habitação e logradouro, outro barracão e logradouro, sito em (…) – Estrada do (…), dita freguesia de (…), descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o número (…)/(…) e inscrita na matriz predial urbana respetiva sob os artigos (…), (…) e (…).
G) A Hipoteca foi registada na referida Conservatória do Registo Predial através das Ap. (…), de 2013/12/05 (a cessão a favor da Exequente registada como Averb. – Ap. (…), de 2020/04/07).
H) Sucede que os Executados faltaram ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao mutuante, em 17.01.2019.
I) Veio a recorrida, alegar que no dia 1 de outubro de 2019 que arrendou o supra referido prédio urbano, com a renda mensal de € 350,00, pelo prazo de 25 anos, liquidou o imposto do selo, realizou investimentos avultados para ali exercer a sua atividade profissional de fabrico, comércio, revenda, distribuição, montagem, importação e exportação de carpintaria e mobiliário, projetos de arquitetura, design de interiores, entre outros., juntando, para o efeito, apenas cópia do alegado contrato de arrendamento para fins não habitacionais e de liquidação de imposto de selo.
J) A ora recorrente, embargada nos autos, veio contestar e demonstrou não inexistir qualquer contrato de arrendamento efetivo, válido e eficaz, por não existir qualquer pagamento de renda, o imóvel em apreço não permite o exercício daquela atividade por não dispor de licença de utilização e necessita de obras profundas e estruturantes, e a recorrida não alegou nem demonstrou que faça uso, tenha a fruição do imóvel penhorado ou um qualquer direito incompatível com a diligência de penhora do imóvel, e juntou o auto de constatação do imóvel e afixação de edital elaborado a 19.01.2022 pela Senhora Agente de Execução delegada Dra. (…), do qual constam as fotografias do imóvel nessa data degradado, devoluto e fechado.
A. DO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO
K) Entende a recorrente que a matéria constante no ponto 4.1.7 da sentença recorrida deveria ter sido julgada como não provada (4.1.7. O prédio indicado no objeto do litígio está arrendado desde 1 de outubro de 2019 à embargante).
A sentença recorrida fundamenta a sua decisão quanto a esta matéria de facto sic: A prova produzida foi analisada critica e livremente no seu conjunto tenha ou não emanado da parte que devia produzi-la (artigo 413.º do Código de Processo Civil) tendo como critério fundamental o previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, no qual se consagra o princípio da liberdade de julgamento ou o princípio da livre apreciação da prova, de onde emerge que compete ao tribunal «apreciar livremente as provas segundo a sua livre convicção acerca de cada facto».
Os seis primeiros pontos factuais apurados foram considerados assentes no saneador, o qual não mereceu oposição.
O sétimo ponto factual assentou na conjugação da cópia do contrato de arrendamento junta aos autos com os comprovativos relativos ao imposto de selo, igualmente juntos aos autos. Ademais, o arrendamento foi confirmado por (…), que, ainda que parte interessada no desfecho da causa, por ser executada, referiu este aspeto de forma que se afigurou isenta, por perentória e clara. Os documentos juntos pela exequente, designadamente edital e fotografias do imóvel, não contrariam esta conclusão, já que, como (…) referiu, o locado destinava-se ao armazenamento de materiais, não tendo de estar lá alguém para o efeito.
Mesmo (…), Agente de Execução, autora do edital e das fotografias, admitiu como possível a atividade de armazenamento no imóvel.
L) Salvo o devido respeito por opinião diversa, o Douto Tribunal a quo não valorou de forma correta nem a prova documental junta aos autos nem a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento.
Desde já,
M) A douta sentença do Tribunal a quo veio a dar como provado a existência do alegado contrato de arrendamento que afinal seria para o locado destinava-se ao armazenamento de materiais, não tendo de estar lá alguém para o efeito, contrariando assim aquilo que consta quer do alegado contrato quer da petição inicial da embargante, revelando-se assim uma decisão surpresa em violação dos princípios constantes dos artigos 3.º, 5.º e 6.º do Código de Processo Civil e, consequentemente, nula, nos termos das alíneas c) e d) do artigo 615.º do Código de Processo Civil, e dos artigos 411.º, 590.º, n.º 3 e 4, do CPC, com consequente nulidade nos
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