Acórdão nº 214/21.0YRCBR de Tribunal da Relação de Coimbra, 13-12-2023
Data de Julgamento | 13 Dezembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 214/21.0YRCBR |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA) |
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra
RELATÓRIO
A... LIMITED intentou processo especial de revisão de sentença arbitral estrangeira contra B..., LDA, pedindo que sejam revistas e confirmadas as decisões que identifica para que em Portugal possam vir a produzir os respetivos efeitos.
Alegou, em síntese: que é uma empresa, afiliada do grupo C... Limited, cuja atividade se centra na produção de aparelhos eletrónicos; que a requerida é uma sociedade cujo objeto se traduz no comércio, importação e exportação de medicamentos, materiais veterinários, hospitalares, cosméticos e respetivos acessórios; que em 17-02-2020, no contexto da pandemia gerada pela propagação da doença de Covid-19, celebrou com a requerida um contrato para fornecimento de máscaras faciais, modelo EN14683; que nos termos do contrato celebrado, a requerida se obrigou a proceder à entrega de 1.000.000 (um milhão) de unidades de máscaras faciais, modelo EN14683, contra o pagamento pela requerente no montante de $411,800 USD, dividido em duas prestações de $205,900USD, tendo ficado estipulada a entrega das máscaras até ao dia 20-02-2020; todavia, apesar da requerente ter efetuado o pagamento acordado, não recebeu a mercadoria em questão nem no prazo contratado, nem posteriormente, situação que se mantém até à data da entrada da presente ação; que, face ao incumprimento da requerida, em 24 de julho de 2020, a requerente deu entrada de uma ação arbitral que correu termos em Tribunal Arbitral, sito em Hong Kong, tendo sido adotadas as regras do Centro Internacional de Arbitragem de Hong Kong; que após as diversas tentativas frustradas de notificação da Requerida, o Tribunal Arbitral considerou a requerida como notificada, nos termos do artigo 3.1 (b) do Regulamento do Centro Internacional de Arbitragem de Hong Kong, tendo na sequência proferido no dia 11-02-2021, sentença arbitral, nos termos da qual, i. Reconheceu o incumprimento do contrato pela não entrega das máscaras; e, ii. Condenou a requerida a pagar à Requerente o valor de $ 411,800USD, acrescido de juros contados desde 16 de março de 2020 até integral e efetivo pagamento, à taxa prime do Hongkong and Shanghai Bank, acrescida de 1%; acresce que no dia 12 de abril de 2021 o Tribunal Arbitral proferiu decisão quanto a custas, tendo condenado a requerida a pagar à requerente o montante total de $248.530,27 HK, acrescido de juros contados desde a data da prolação da sentença até integral e efetivo pagamento; que se verificam todos os requisitos exigidos pela lei portuguesa para que as sentenças cuja revisão e confirmação ora se requer sejam confirmadas, nos termos do artigo 980.º do CPC.
A requerida deduziu oposição, alegando em síntese: que se opõe à autenticidade da decisão, já que da documentação não consta uma certidão emitida pelo Tribunal arbitral da decisão da decisão, tendo-se junto apenas cópia certificada da mesma; acresce que, na decisão no lugar de identificação da requerente, página 2, nem sequer a refere, identificando apenas uma morada; que da documentação junta, não se retira que a decisão em causa tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida; que a competência, no caso, foi efetivamente provocada de forma enganadora, já que o acordado entre as partes, foi a exclusividade da competência para litígios dos tribunais portugueses; que todo o processo correu à sua revelia; que o contrato junto não se encontra assinado pela requerida, estando apenas assinadas folhas avulso; que relativamente ao contrato em questão, e ainda que se admita verdade que foi celebrado um contrato de venda de máscaras entre as partes, não foi o contrato junto que se assinou, mas outro, cujo conteúdo, condições e termos de cumprimento sempre deveria a Requerida ter oportunidade de explicar, para se apurar da efetiva responsabilidade das partes na não conclusão do negócio.
Concluiu, pedindo que a presente ação seja julgada totalmente improcedente por não provada, com as legais consequências.
A requerente respondeu, referindo em síntese que a defesa invocada pela requerida em sede de contestação deve ser julgada improcedente e as referidas decisões serem revistas e confirmadas para que em Portugal possam vir a produzir os respetivos efeitos.
Notificado para alegar, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da inexistência de qualquer obstáculo ao reconhecimento das decisões em causa.
Notificados para o mesmo efeito, a requerente e a requerida alegaram reiterando os argumentos já esgrimidos na fase dos articulados, pugnando a requerente pela revisão e confirmação das sentenças arbitrais, e a requerida pela improcedência total da presente ação por não provada.
Foi proferido Acórdão por este Tribunal com o seguinte dispositivo:
“Com fundamento no atrás exposto, acorda este tribunal em julgar parcialmente procedente a presente ação de revisão de sentença arbitral estrangeira, e, em consequência:
1. Recusar o reconhecimento da decisão arbitral de 11-02-2021.
2. Reconhecer a sentença arbitral de 12-04-2021, com vista a produzir os seus efeitos em Portugal.
Custas pela requerente e requerida em partes iguais.
Valor da ação: €30.000,01.”
Inconformada com este acórdão, a requerente interpôs recurso de revista.
Não houve contra-alegações.
Em 29-09-2023, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu acórdão, cujo dispositivo se transcreve:
“Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em conceder parcialmente a revista, revogar o acórdão na parte em que recusou o reconhecimento da decisão arbitral de 11.2.2021, por falta de identificação da requerida, e determinar a remessa dos autos à Relação para conhecimento das questões prejudicadas e dos demais requisitos para a confirmação de sentença arbitral estrangeira.
Custas do presente recurso a cargo da parte vencida a final.”
Cumpre apreciar e decidir.
QUESTÕES A DECIDIR:
1. Autenticidade da decisão.
2. Trânsito em julgado da decisão em causa.
3. Competência provocada em fraude à lei.
4. Se foram violados os princípios do contraditório e igualdade das partes no processo arbitral que constituem princípios integrantes da ordem pública internacional do Estado Português.
FUNDAMENTOS DE FACTO
Encontram-se provados, face ao acordo e confissão das partes nos articulados e aos documentos (docs. nºs 1, 2, 3 e 4 juntos com a petição inicial) os seguintes factos:
1. A requerente é uma empresa, afiliada do grupo C... Limited, cuja atividade consiste na produção de aparelhos eletrónicos.
2. A requerida é uma sociedade cujo objeto se traduz no comércio, importação e exportação de medicamentos, materiais veterinários, hospitalares, cosméticos e respetivos acessórios.
3. Em 17-02-2020, no contexto da pandemia gerada pela propagação da doença de Covid-19, a requerente e a requerida celebraram um contrato para fornecimento de máscaras faciais, modelo EN14683.
4. Nos termos do contrato celebrado, a requerida obrigou-se a proceder à entrega de 1.000.000 (um milhão) de unidades de máscaras faciais, modelo EN14683, contra o pagamento pela requerente no montante de $ 411,800USD, dividido em duas prestações de $ 205,900USD.
5. Tendo ficado estipulada a entrega das máscaras até ao dia 20-02-2020.
6. Todavia, apesar da requerente ter efetuado o pagamento acordado, não recebeu a mercadoria em questão nem no prazo contratado.
7. Nem posteriormente, situação que se mantém até à data da entrada da presente ação.
8. Em 24 de julho de 2020, a requerente deu entrada de uma ação arbitral que correu termos em Tribunal Arbitral, sito em Hong Kong.
9. O Tribunal Arbitral considerou a requerida como notificada, nos termos do artigo 3.1. b) do Regulamento do Centro Internacional de Arbitragem de Hong Kong.
10. No dia 11-02-2021, o Tribunal Arbitral, sito em Hong Kong proferiu decisão arbitral, nos termos do qual:
i) Reconheceu o incumprimento do contrato pela não entrega das máscaras; e
ii) Condenou a requerida a pagar à requerente o valor de €411,800USD, acrescido de juros contados desde 16 de março de 2020 até integral e efetivo pagamento, à taxa prime do HongKong and Shangai Bank, acrescida de 1%.
11. Esta decisão não foi objeto de qualquer recurso.
12. Resulta de declaração emitida pelo Centro de Arbitragem Internacional de Hong Kong, notarialmente reconhecida:
“Certificamos que a Decisão Final com data de 11 de fevereiro de 2021 (a “Decisão Final”) e a Decisão Final sobre Custas com data de 12 de abril de 2021 (a “Decisão Final sobre Custas”) foram emitidas pelo árbitro único, a Dra. AA, na referida arbitragem.
Nos termos do Art.º 35.2 das Regras de Arbitragem Administrada pelo HKIAC de 2018, a Decisão Final e a Decisão Final sobre Custas “serão definitivas e vinculativas para as partes e qualquer pessoa que reclame por meio de ou por alguma das partes.”
13. Consta da cláusula 6.1. do doc. nº 1 junto com a p.i., cuja tradução se transcreve:
“6.1. Lei Aplicável e Resolução de Litígios. Este Contrato de Compra e Venda será redigido por e interpretado ao abrigo das leis de Hong Kong, RPC, incluindo em todas as questões de interpretação, validade e execução, sem referência aos seus conflitos de princípios legais. Cada parte acorda que qualquer litígio ou desacordo que possa surgir ao abrigo deste Contrato de Compra e Venda será encaminhado e resolvida em definitivo por arbitragem vinculativa administrada pelo Centro de Arbitragem Internacional de Hong Kong, nos termos das Regras de Arbitragem Administrada pelo...
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