Acórdão nº 2128/22.7T8CLD-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 20-02-2024

Data de Julgamento20 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão2128/22.7T8CLD-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DAS CALDAS DA RAINHA)
Apelação em processo comum e especial (2013)

*

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] *

1 - RELATÓRIO

No âmbito de autos de Processo de Promoção e Proteção instaurados a favor do menor AA, nascido em ../../2015, filho de BB e de CC, estes últimos com a posição processual de Requeridos, foi determinado em 21/03/2023 a seguinte MEDIDA PROVISÓRIA:

«1. Atento o teor da informação social que antecede (cfr. de 20-03-2023), julgo indiciada a factualidade indicada pelo Ministério Público, no ponto 1 da promoção que antecede, e que aqui se dá por integralmente reproduzida, por razões de economia de tempo e de texto.

2. Atento o seu teor, importa acautelar que, face aos comportamentos agressivos do progenitor, e a fragilidade da progenitora, a criança esteja sujeita ao ambiente de agressividade e conflitualidade, geradora de instabilidade e intranquilidade emocionais, perigos que se mostram sinalizados.

3. Ou seja, importa assegurar que a criança não retorna para o agregado familiar do progenitor, por o mesmo se revelar desestabilizador para a criança e de grave comprometimento da sua estabilidade psíquica da mesma.

4. Justifica-se, por isso, a urgente substituição, por ora, de forma cautelar, da medida aplicada ao AA pela de apoio junto da progenitora, mas apenas enquanto ela se mantiver acolhida na casa de abrigo, por se revelar a única, necessária, proporcional e adequada a neutralizar os perigos pendentes sobre a criança. Face ao exposto, atentos os pareceres da TGP e do MP, nos termos dos arts. 5.º al. c), 34.º als. a) e b), 35.º, n.º 1 al. a), 37.º e 92.º., n.º 11 da LPCJP, determino:

5.1.a substituição, a título cautelar, da medida aplicada ao AA pela de apoio apenas junto da mãe, pelo período de três meses, e só enquanto esta de mostrar acolhida na casa de abrigo em que se encontra atualmente; e,

5.2.Caso a progenitora do AA pretenda abandonar a casa de abrigo, determino, desde já, e também a título cautelar, que a criança aí fique acolhida, até decisão deste Tribunal em contrário, devendo o tribunal ser, de imediato, informado da conduta da progenitora da criança;

(…)»

*

De referir que nessa dita antecedente promoção do Ministério Público, tinha sido, entre o mais, elencado o seguinte:

«(…)

Do relatório social ora junto resulta que o progenitor do AA incumpriu manifestamente aquilo a que se comprometera quanto ao afastamento da sua mãe e apertou o pescoço à mãe da criança, causando-lhe dores que a obrigaram a ter de recorrer a atendimento médico. Está, por isso, pendente, no DIAP ..., o inquérito 152/23...., pela prática, pelo progenitor do AA, de crime de violência doméstica. A progenitora do AA foi protegida em casa de abrigo, cuja localização se desconhece.

A TGP sugere, face ao exposto, a substituição da medida aplicada pela de apoio junto dos pais, mas apenas na pessoa da mãe. No entanto, face às fragilidade da progenitora (dependência emocional face ao progenitor e aparente défice cognitivo, que foi evidenciado nomeadamente aquando das audições, em tribunal, dos progenitores da criança), deve, a mesma, ser apoiada pelos técnicos da casa de abrigo e não ser permitido o regresso da criança para junto do progenitor, caso a progenitora resolva abandonar a casa de abrigo. Sucedendo tal, sugere a TGP que a criança deve ser sujeita a acolhimento residencial, para sua proteção.

Do relatório social que antecedeu a aplicação da medida vigente já resultava que o progenitor do AA é conflituoso, havendo receios em relação ao seu comportamento por parte da progenitora da criança, dos familiares paternos, com exceção da avó paterna, e até do AA.

O progenitor também terá sido agressivo com a anterior professora do AA e auxiliares da escola, como resulta do primeiro relatório social do ISS. Foi tentado, no entanto, que o progenitor alterasse a sua atitude, de modo a evitar o afastamento do AA.

É óbvio que tal não sucedeu, com prejuízo para a estabilidade, nomeadamente emocional, da criança.

A progenitora é afetiva com o filho e receia “perdê-lo”, como já sucedeu em relação a outro filho, que terá sido adotado. Porém, revela-se frágil, não sabe gerir o dinheiro e carece de apoio, nomeadamente no âmbito parental.

Assim, e como sugerido pela TGP, justifica-se a substituição, por ora de forma cautelar, da medida aplicada ao AA pela de apoio junto da progenitora, mas apenas enquanto ela se mantiver acolhida na casa de abrigo.

Justifica-se, também, que a localização da casa de abrigo seja mantida reservada, já que a atitude intimidatória do progenitor da criança, quer em relação à progenitora quer em relação à TGP (como resulta do relatório social), faz crer que ele possa pretender reaver o filho à revelia do tribunal e causar, mesmo, mal físico nomeadamente à progenitora da criança, como já sucedeu.

(…)»

*

Em 11/7/2023 foi prorrogada, por seis meses, com revisão trimestral, a medida cautelar aplicada ao AA, que se encontra acolhido em casa de abrigo, com a progenitora.

Sendo que relativamente à aplicação inicial da medida, em 21/3/2023, o tribunal esclareceu que «caso a progenitora do AA pretenda abandonar a casa de abrigo, determino, desde já, e também a título cautelar, que a criança aí fique acolhida, até decisão deste Tribunal em contrário, devendo o tribunal ser, de imediato, informado da conduta da progenitora da criança».

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A revisão da medida, operada em 06/11/2023, foi, para o que ora diretamente releva, do seguinte teor:

«(…)

Foi dado cumprimento ao disposto nos artigos 84.º e 85.º da L.P.C.J.P, sendo que o progenitor juntou aos autos requerimento, em 24-10-2023, opondo-se à manutenção da medida, a menos que sejam assegurados os convívios com o mesmo. Também em 24-10-2023, a Ilustre Patrona do menor juntou aos autos requerimento, concordando com a manutenção da medida aplicada. Em 30-10-2023, a progenitora juntou requerimento aos autos, no sentido de manutenção da medida vigente.

O Ministério Público pronunciou-se em 31-10-2023, pela prorrogação da medida cautelar, pugnando, ainda, pela realização de perícia psiquiátrica e psicológica ao menor.

Cumpre apreciar e decidir.

*

De acordo com o disposto no artigo 3.º da L.P.C.J.P., “a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou o quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo”.

Uma vez verificada, em concreto, uma destas situações de perigo para a criança ou para o jovem, impõe-se a aplicação de medidas de promoção e proteção, que visam afastar o perigo em que a criança ou o jovem se encontra, proporcionar-lhe as condições que permitam promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, bem como garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (artigo 34.º da L.P.C.J.P.).

Assim, e tendo em vista alcançar o equilíbrio entre a promoção e proteção dos direitos das crianças e dos jovens e a intervenção na vida familiar, que se deve cingir ao estritamente necessário ao afastamento do perigo, a intervenção deve ser orientada por um princípio de proporcionalidade e atualidade.

À luz das diretrizes deste princípio, a intervenção deve ser necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada (artigo 4.º, alínea e) da L.P.C.J.P.).

Por outro lado, e não obstante todos estes princípios que a lei prescreve que devem reger a intervenção estadual, é o superior interesse da criança que define o sentido orientador de toda a intervenção, porquanto esta deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança (artigo 4.º, alínea a) da L.P.C.J.P.).

Ora, atentando nos elementos constantes dos autos, constata-se que os pressupostos que estiveram na base da aplicação da medida cautelar de promoção e proteção se mantêm, dado que não foi afastado o perigo que esteve na sua génese.

Do relatório enviado pela equipa técnica da casa de abrigo anexado ao relatório social resulta que a criança apresenta dificuldades de aprendizagem. De igual modo, resulta deste relatório que a progenitora do AA, atualmente desempregada, terá relação afetiva com o filho, mas mostrando défice de competências parentais, algumas reticências no cumprimento de orientações que lhe são dadas e imaturidade que comprometem a sua capacidade para, por si só, cuidar do filho.

Por outra via, do relatório de perícia psiquiátrica realizado à progenitora resulta que a mesma é possuidora do diagnóstico de Atraso Mental Leve, codificado como F70 no International Classification of Diseases and Related Health Problems, Tenth Revision (ICD-10), resultando, ademais, que “Relativamente à capacidade para o exercício da parentalidade, e apesar da progenitora conseguir desempenhar a maioria das atividades de vida diárias de forma independente, a mesma carece do auxílio de terceiros para a gestão da sua vida pessoal e apresenta uma diminuição considerável da capacidade do cuidado de filhos menores.”.

Nota-se, ainda, que o progenitor foi acusado da prática de um crime de violência doméstica na pessoa da progenitora, estando pendente o processo comum 152/23.... no juízo criminal ....

Neste sentido, concordando-se, na íntegra, com a douta promoção do Ministério Público, importará, aquilatar, com cuidado, o projeto de vida do AA, sendo certo que, momentaneamente, revelar-se-á, adequado, manter a medida cautelar em vigor.

Na verdade, conforme decorre do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 13- 09-2022, processo n.º 1276/21.5T8CLD-C.C1, disponível em www.dgsi.pt: “A LPCJP tem por objeto a promoção dos...

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