Acórdão nº 2125/19.0T8LRS.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 07-11-2023

Data de Julgamento07 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão2125/19.0T8LRS.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I- RELATÓRIO
A e L vieram propor a presente ação de despejo, em processo declarativo comum, contra M, pedindo que: seja decretada a resolução do contrato de arrendamento existente entre as partes e, em consequência, ordenada a entrega imediata do imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens; seja a R. condenada no pagamento das rendas que se vencerem na pendência da ação até à data em que venha a ser declarada a resolução do contrato de arrendamento, acrescidas dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data de vencimento de cada uma delas e até efetivo e integral pagamento; e ainda que seja a R. condenada a título de indemnização pelo atraso na restituição da coisa, no pagamento do valor correspondente ao dobro da renda mensal devida desde a data em que venha a ser declarada a resolução do contrato de arrendamento, até efetiva entrega do locado aos autores livre de pessoas e bens e em bom estado de conservação, acrescido dos juros de mora à taxa legal, contados desde a data de vencimento de cada uma delas e até efetivo e integral pagamento.
Alegam para o efeito que a R. deixou de residir no locado em 2015, não fazendo uso do mesmo desde então, assistindo-lhes o direito, enquanto senhorios, à resolução do contrato, nos termos dos Art.ºs 1072.º, n.º 1, 1083.º n.º 1 e n.º 2 al. d) e 1084.º, n.º 1, todos do C.C..
Citada a R. contestou, impugnando os factos alegados, sustentando que, muito embora tenha se ausentado do locado por um período de tempo, por força de doença, nunca deixou de residir no locado, onde tem o seu centro de vida familiar, concluindo assim pela improcedência da ação e peticionando ainda a condenação dos A.A. como litigantes de má-fé.
A R. juntou ainda requerimento de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o que lhe veio a ser deferido pela Segurança Social (cfr. fls. 39).
Após o cumprimento do contraditório relativo à prova documental e requerimento de condenação dos A.A. como litigantes de má-fé, veio a ser proferido despacho saneador, no qual se fixou o valor da causa, o objeto do litígio e os temas de prova, tendo-se julgado ainda que a R. não arrolou testemunhas no lugar e momento próprio.
Desta última mencionada decisão, a R. interpôs recurso, mas o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido no apenso “A”, com data de 22/2/2022, julgou essa apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Designada audiência final, onde apenas foi produzida a prova testemunhal requerida pelos A.A., que oportunamente foi admitida, após a discussão da causa veio a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, declarou a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes; determinou a restituição aos A.A. do imóvel locado, livre de pessoas e bens, e no estado em que este se encontrava no momento em que foi cedido, ressalvadas as deteriorações decorrentes de uma prudente utilização; fixou o prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença para a restituição do imóvel; e, em caso de mora na restituição do locado, condenou a R. no pagamento de indemnização mensal no valor de €96,74, pelo tempo que permaneça no local após o referido prazo; absolvendo a R. demais peticionado e os A.A. do pedido de condenação como litigantes de má-fé.
É dessa sentença que a R. vem agora interpor recurso de apelação, apresentando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
A. Contra a Ré foi instaurada uma ação de despejo do imóvel dado de arrendamento aos seus pais em 1960, no qual vive desde que nasceu, há precisamente 63 anos!
B. Com o único fundameno no não uso do locado para habitação há mais de um ano.
C. Sucede que como a Ré teve oportunidade de alegar e provar em sede de defesa, teve o infortúnio de sofrer um grave AVC que a levou a ausentar-se do imóvel para tratamento e cuidados continuados.
D. Sucede que conforme prova carreada para os autos e única testemunha ali ouvida, a Ré não deixou de residir em permanência no locado, tendo-se sempre ausentado única e exclusivamente por motivos de doença e tendo retornado ao mesmo após recuperação.
E. Assim após recuperação, voltou sempre para aquela que é a sua casa desde que nasceu, e onde tem o centro da sua vida familiar, na qual se encontra aos dias de hoje, conforme comprovam os consumos de água e eletricidade juntos pelas respetivas entidades aos autos e a única testemunha ouvida, vizinha do prédio onde habita.
F. Pelo que deveria o douto tribunal a quo ter julgado provados os factos necessários ao impedimento da eficácia resolutiva do não uso do locado por mais de um ano, previsto na al. a) do n.º 2 do art.º 1072.º do C.Civil.
G. Salvo o devido respeito, a decisão da matéria de facto apresenta-se manifestamente incorreta por ter havido erros de apreciação ou de julgamento de meios de prova constantes do processo, nomeadamente da prova documental e gravada.
H. Andou por sua vez mal quando julgou como provados os seguintes factos:
«7. Desde Março de 2015 e, pelo menos, até Agosto de 2019 que a ré não residiu em permanência no locado, pois não mais aí manteve o centro da sua vida familiar, tendo deixado de, com regularidade, aí pernoitar, confecionar ou tomar as suas refeições. – art.º 9.º da p.i.
«8. Desde essa data que deixou de receber amigos ou visitas no locado, deixando de aí passar os seus momentos de lazer e repouso. – art.º 11.º da p.i.»
I. Quanto ao período de ausência o Tribunal formou a sua convicção na única testemunha ouvida, a qual não tinha uma memória precisa acerca dos períodos em que deixou de ver a ré no prédio.
J. Assim, a testemunha afirmou que era usual encontrar-se com a ré nas escadas do prédio e que, a partir de certa altura, deixou de a ver, muito embora não conseguisse precisar quando é que isso aconteceu e por quanto tempo.
K. Ou seja não foi identificado no tempo quando é que ocorreram as ausências da ré e por quanto tempo, face a exposto não poderia o douto Tribunal a quo ter julgado como provados os factos identificados em 7. e 8.
L. Mais evidenciou a testemunha que sabia que a ausência da Ré se deveu por motivos de doença e que a Ré regressou ou imóvel, manifestando certeza nesse facto, quando diversas vezes questionada. Conforme prova gravada Gravação 20221104101510_5893698_2871230
M. Ou seja, ficou evidenciado que a Ré nunca se afastou de forma permanente.
N. De facto da prova documental junta aos autos a Ré demonstrou que teve um Acidente Vascular Cerebral (AVC), que ficou em cuidados continuados e que necessitou inclusivamente de fisioterapia permanente conforme relatório da alta (vide docs. 3, 4 e 5, bem como a documentação superveniente agora junta com a presente peça processual).
O. Tal facto era do conhecimento dos vizinhos! (vide Gravação 20221104101510_5893698_2871230)
P. Ou seja consegue-se aferir pelos meios de prova constantes do processo que apenas por motivos de saúde teve a Ré necessidade de se ausentar do imóvel, para internamentos e tratamentos conforme alegou e demonstrou.
Q. Em relação aos pombos na varanda da Ré, a referida testemunha atestou que também existiam pombos noutras varandas, apesar de em menor quantidade,
R. Conforme (facto 1.) estamos perante um terceiro andar (o último do prédio), sendo a varanda aberta e trata-se de uma zona/localidade com uma enorme e descontrolada população de pombos, evidenciais que foram desconsideradas pelo douto Tribunal a quo.
S. Assim, “à luz das regras da experiência comum”, e face às evidencias carreadas para os autos, apenas se pode indiciar que a Ré pessoa doente (que passa a maior parte do tempo deitada) não se deslocava à varanda da habitação, não se vislumbrando como se pode retirar a conclusão que a casa se encontra desabitada,
T. Assim conforme concluiu o Tribunal os animais têm tendência a ocupar locais onde não se encontram pessoas, daí a concluir por si só que dentro do imóvel não existia ninguém, salvo o devido respeito vai uma grande distância.
U. Quanto à Janela partida, considerou o douto Tribunal que “seria pouco provável que, se a ré ali residisse com carácter de permanência, deixasse uma janela partida durante um largo período de tempo considerando as consequências que daí advêm.”, uma vez mais retirou conclusão sem qualquer fundamento,
V. De facto não existe uma “janela” partida, e sim um dos vidros pequenos da porta de acesso à varanda, que quebrou e que por indisponibilidade da Ré não foi prontamente substituído.
W. Assim considerando o depoimento da única testemunha dos autos, o Tribunal assentou ainda a sua convicção nos elementos fornecidos pelos SIMAR e a EDP, e nos baixos consumos existentes associados ao imóvel, desconsiderando uma vez mais o estado de doença da Ré, que leva a que esteja longos períodos na cama, não consumindo energia nem água durante longos períodos do dia.
X. Ora o Tribunal não podia dar como verificado que desde Março de 2015 e, pelo menos, até Agosto de 2019 a ré não habitou o locado com carácter de permanência com base nos elementos fornecidos pela SIMAR – Serviços Intermunicipalizados de Águas e Resíduos de Loures e Odivelas, não resultando dos consumos juntos aos autos que a Ré esteve ausente ininterruptamente mais de um ano.
Y. Em relação aos consumos energéticos, os mesmos encontram-se igualmente evidenciados no extrato remetido peça EDP, evidenciando uma vez mais a existência de consumos em 2019 e 2020 (único período facultado pela entidade) - Doc. Ofício EDP junto sob refª 11995107 em 22/02/2022.
Z. Em alguns meses esses consumos foram efetivamente baixos, pois conforme a Ré alegou em tribunal por motivos de doença (comprovada!) teve necessidade de efetuar tratamentos que a obrigaram a ausentar-se para junto das filhas, facto que aliás como referiu a testemunha era do
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT