Acórdão nº 2124/19.1T8LRA.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-12-06

Ano2022
Número Acordão2124/19.1T8LRA.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I- Relatório:
A veio propor contra B e marido, C, em 21.6.2019, ação declarativa sob a forma comum, pedindo a condenação dos RR. a pagar-lhe a quantia de €90.100,00 respeitante ao valor de honorários devidos e despesas suportadas na sequência de serviços forenses por si prestados aos RR. que os mesmos não pagaram.
Contestaram os RR., excecionando a incompetência territorial do tribunal e invocando que os serviços em questão foram prestados pelo A. até 4.6.1999, tendo os RR. pago tudo o que lhes foi pedido. Sustentam a prescrição da dívida nos termos do art.º 317, al. c), do C.C., alegando igualmente que ocorreu a prescrição ordinária de 20 anos, e defendem-se por impugnação afirmando que o valor agora peticionado a título de honorários é completamente desproporcionado e exagerado relativamente ao que se discutia na ação judicial a que respeitam. Pedem a procedência das exceções e a improcedência da causa, sendo o A. condenado como litigante de má-fé.
O A. respondeu à matéria de exceção e pediu, por sua vez, a condenação dos RR. como litigantes de má-fé.
Remetidos os autos ao tribunal julgado competente, realizou-se audiência prévia na qual foi proferido despacho saneador que conferiu a validade formal da instância, sendo ainda identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi, em 2.8.2021, proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: “(...) julga-se a acção totalmente improcedente, por não provada, e em consequência, decide o Tribunal:
A. Absolver os RR. do pedido;
B. Absolver A. e RR. dos pedidos de condenação em litigância de má-fé;
C. Condenar o A. e RR. nas custas devidas, na proporção dos respectivos decaimentos e sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem.
(...).”
Inconformado, recorreu o A., culminando as alegações por si apresentadas com as conclusões que a seguir se transcrevem no essencial:

A-"para o cálculo dos honorários de advogado deve prevalecer o trabalho despendido com a questão. E neste deverá atender-se, essencialmente, à complexidade da questão, e à necessidade do seu acompanhamento, ao trabalho intelectual desenvolvido no estudo de preparação e de intervenção ao longo do processo. Os outros pontos enunciados no artigo 100° [leia-se, presentemente, 105º] do Estatuto da Ordem dos Advogados deverão ser apreciados de forma secundária, face ao trabalho e complexidade da causa".
B-O processo conduzido pelo autor no exercício do mandato forense foi complexo;
C-Os RR não apresentaram prova Testemunhal.
D-O Tribunal a quo desvalorizou por completo o depoimento da prova testemunhal apresentada pelo Autor, onde dois colaboradores do Autor, mostram conhecimento de causa, tendo demonstrado a ausência de pagamento dos honorários devidos pelos RR. A prova produzida em audiência de julgamento determinava um sentido diferente de decisão da Sentença, perante as testemunhas M... e O…, conforme consta da prova gravada.
E-Os RR nas suas declarações de parte não especificaram datas de pagamento, e nunca afirmaram, como lhes competia, terem pago o pedido de 90.100,00€.
F-Os RR pediram Laudo, significa isto que se o devedor assumir em tribunal uma posição que seja, em si mesma, contrária à presunção de cumprimento, estará a confessar a existência da dívida.
G-Considera-se que os factos dados como não provados, foram erradamente assim determinados, devendo ter sido outra a solução, e terem sido considerados como provados a matéria que foi dada como não provada, com base na prova gravada em sede de audiência de julgamento, tal como se transcreve:
(segue extensa transcrição de depoimentos)
H-Como salienta Sousa Ribeiro (21), "[c]onstituindo uma mera presunção de pagamento, ela não poderá aproveitara quem tenha uma actuação em juízo que logicamente o exclua. Quando alega a prescrição e, simultaneamente, pratica um acto inconciliável com o seu pressuposto fundante, o devedor está a contradizer-se a si próprio, pois, ao mesmo tempo que pretende ver reconhecida a extinção do vínculo, com base num presumível cumprimento, não deixa de admitir que ele ainda não se efectuou".
I-O Recorrente, impugna todos os factos dados por provados, que estejam em contradição com o que tem defendido nos autos. Não se pode conformar a Recorrente com o teor da sentença, com a apreciação que o Tribunal a quo, faz.
J-Deverá, pois, ser julgado provada a factualidade que surge na Douta Sentença como não provado, aditando-se aos factos assentes como provados.”
Pede a revogação da sentença e a procedência da causa.
Em contra-alegações, os apelados/RR. sustentam o acerto da decisão, enunciando as seguintes conclusões:
“I- O Contrato de Mandato entre A. e R. terminou na data de 04/06/1999;
II- Até à data os R. efectuaram o pagamento dos honorários solicitados Pelo A.
III- A. instaura Acção de Honorários em 21/06/2019
IV- Agiu correctamente o tribunal a quo em julgar verificada a excepção peremptória da prescrição presuntiva e em consequência absolver os R. do pedido, nos termos dos art.º 304°, 312°, 314° e 317° al. a) do Código Civil e art.º 576° n° 1 e 3 e 579° do Código Processual civil;
V- Subsidiariamente estão preenchidos os pressupostos da prescrição ordinária;
VI- SEM PRESCINDIR, era ao A. que competia provar a falta de pagamento dos honorários;
VII- Existe presunção legal do pagamento por parte dos R. não competindo a estes o ónus da prova do pagamento;
VIII- O tribunal a quo fez uma correcta apreciação da prova ao desvalorizar o depoimento das testemunhas do A.”
O recurso foi admitido como apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II- Fundamentos de Facto:
A sentença fixou como provada a seguinte factualidade:

A) O Autor foi advogado, com escritório na Rua..., Lisboa, fazendo de advocacia profissão habitual e lucrativa.
B) Os Réus conferiram ao Autor, em procuração bastante, os precisos termos para contestar uma acção ordinária intentada pelo BANIF - Banco Internacional do Funchal (Proc. 73/95 do Tribunal do Círculo do Pombal).
C) No desempenho do acordo, e em cumprimento de ordens dadas pelos Réus, o Autor realizou:
a) - Conferência com os RR., análise da situação jurídica, e estudo da petição inicial e documentos anexos;
b) - Elaboração da Contestação;
c) - Análise do despacho saneador;
d) - Requerimento probatório;
e) - Preparação e intervenção na audiência do julgamento;
f) - Estudo das alegações do recurso do autor;
g) - Elaboração da contra-alegação, às alegações de recurso do Banco Autor;
h) - Alegação de recurso para o Supremo Tribunal e prévio estudo e análise do douto acórdão da Relação de Coimbra.
D) A decisão proferida no Proc. 73/95 do Tribunal do Circulo de Pombal, objecto da presente acção de honorários, transitou em julgado em 04-06-1999.
E) O A. remeteu a nota de despesas e honorários em 21.06.2019, apesar da carta estar datada de 20/06/2018.
F) O A. intentou a presente acção em 21.06.2019.
Deu-se, por sua vez, como não provado:
1. Nas circunstâncias descritas em C), o A. realizou:
- Seis deslocações ao Tribunal de Pombal… 2.000 Euros;
- Análise da resposta à contestação e da documentação anexa... 2.000 Euros;
- Análise da documentação posterior à prolação do despacho Saneador… 3.000 Euros;
- Serviços prestados e discriminados e muitos outros que se não especificam, êxito de pretensão dos Requeridos que viram o património acautelado que se cifra em cerca de 350.000 Euros, e ainda numerosas conferências com os Exmos. Clientes, tudo tendo em atenção o disposto no art.° 584 do estatuto judiciário… 30.000 Euros.
2. Nas circunstancias descritas em C), a), tal importou uma quantia de €5000,00.
3. Nas circunstancias descritas em C), b), tal importou uma quantia de €15.000,00.
4. Nas circunstâncias descritas em C), c), tal importou uma quantia de €2.000,00.
5. Nas circunstancias descritas em C), d), tal importou uma quantia de €100,00.
6. Nas circunstâncias descritas em C), e), tal importou uma quantia de €8.000,00.
7. Nas circunstâncias descritas em C), f), tal importou uma quantia de €4.000,00.
8. Nas circunstâncias descritas em C), g), tal importou uma quantia de €4.000,00.
9. Nas circunstancias descritas em C), h), tal importou uma quantia de €15.000,00.
10. As despesas feitas e os serviços prestados foram-no em proveito e benefício do casal dos Réus.
11. Os Réus tendo-lhes sido apresentadas, pelo Autor, as suas contas, recusaram-se a pagá-las.
12. O A. sabe que os RR. nada lhe devem.
13. Os RR. alteraram a verdade dos factos.
* *
III- Fundamentos de Direito:

Como é sabido, são as conclusões que delimitam o âmbito do recurso. Por outro lado, não deve o tribunal de recurso conhecer de questões que não tenham sido suscitadas no tribunal recorrido e de que, por isso, este não cuidou nem tinha que cuidar, a não ser que sejam de conhecimento oficioso.
Compulsadas as conclusões da apelação, verificamos que cumpre apreciar:
- da impugnação da matéria de facto;
- da prescrição do crédito.
A) Da impugnação da matéria de facto:
O apelante manifesta desacordo quanto à factualidade fixada na sentença, afirmando, designadamente, que “os factos dados como não provados, foram erradamente assim determinados, devendo ter sido outra a solução, e terem sido considerados como provados a matéria que foi dada como não provada, com base na prova gravada em sede de audiência de julgamento” (conclusão G) do recurso). Alude aos depoimentos prestados pelos RR., pelo A. e pelas testemunhas M… e O..., cujo teor reproduz.
Diz ainda que “impugna todos os factos dados por provados, que estejam em contradição com o que tem defendido nos autos” (conclusão I) do recurso).
Os recorridos defendem, em contra-alegações, o acerto do decidido.
De acordo com o princípio consagrado no nº 5 do art.º 607 do
...

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