Acórdão nº 21107/20.2T8LSB.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-03-07

Ano2024
Número Acordão21107/20.2T8LSB.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
Vêm “AA” e mulher “BB” intentar a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum contra “CC” e marido “DD”, “EE” e mulher “FF” e “GG”, pedindo que se:
a) Declare nulo e de nenhum efeito registo de aquisição a favor de “CC” e “EE” e usufruto a favor de “GG” efetuado na Conservatória do Registo Predial de Portimão pela Ap. (…)94 de 2019/12/10;
b) Declare nulo e de nenhum efeito escritura de habilitação de herdeiros lavrada em 10-12-2019 no Cartório Notarial da Notária (…), em Portimão, a fls 68 do Lº25;
c) Ordene o cancelamento dos registos supra referidos e, em consequência, todos e quaisquer outros registos que porventura hajam sido feitos, posteriormente, sobre o mencionado imóvel;
d) Condene os RR a entregar o prédio descrito Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o número (…)7-H da freguesia de (…) e inscrito na matriz (…)39 da freguesia de Campo de Ourique, livre de ónus ou encargos, de pessoas e de bens que não façam parte da herança por óbito de “ZZ”;
e) Reconheça o direito de propriedade do A. no prédio supra indicado;
Mais requerem, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e alíneas a) e d) do n.º 1 do art.º 3.º, todos do Código do Registo Predial, que seja comunicado de imediato à Conservatória do Registo Predial competente, a instauração do presente procedimento, com inscrição no respetivo registo predial.
Alegam, em síntese, que com base num testamento que foi revogado e numa habilitação de herdeiros outorgada com esse fundamento, foi registada a propriedade de uma fração em nome dos RR, sendo que, por ter sido lavrado o registo com base em factos falsos, o registo é nulo.
Citados, os RR. apresentaram contestação, concluindo pela improcedência dos pedidos, referindo que o registo que efetuaram foi com base em títulos válidos e verdadeiros, que o testamento que o A invoca foi efetuado de forma fraudulenta, 13 dias antes da morte de “ZZ”, estando esta num estado de debilidade notória tanto física como mental que não lhe permitia as condições mínimas para avaliar o ato.
Mais formulam os RR. pedido reconvencional para que seja declarado inexistente o testamento que instituiu como herdeiro o A., ou se assim não se entender, nulo ou anulado.
Foi efetuado convite aos RR para aperfeiçoarem a contestação no que respeita ao pedido reconvencional, o que fizeram.
Os AA replicaram concluindo pela improcedência do pedido reconvencional.
Foi proferido despacho que indeferiu o incidente de intervenção provocada de “JJ”, notária que exarou o testamento que beneficiou o A.
Foi designada data para audiência prévia que se realizou tendo sido fixado o valor da causa; admitido o pedido reconvencional; proferido despacho saneador que julgou improcedente a exceção da ineptidão do pedido reconvencional, tendo sido absolvidos da instância, por ilegitimidade, os RR. “DD” e “FF”.
Foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Procedeu-se a julgamento, com observância do legal formalismo.
Foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente por não provada e absolveu os RR do pedido, mais julgou o pedido reconvencional procedente, por provado, anulando o testamento efetuado em 8.11.2019 por “ZZ” que instituía o A como seu único e universal herdeiro, por constituir um negócio usurário.
É com esta sentença que os AA. não se conformam e dela vem interpor recurso, com pedido de apoio judiciário, pedindo a revogação da sentença e substituição por outra “na qual se declare a existência e validade do testamento, declarando-se o teor do mesmo como válido, suficiente e eficaz, com força probatória plena, para os fins tidos por convenientes, declarando-se a existência do direito Recorrente a ser legitimamente considerado herdeiro único e universal do testador”, apresentando para o efeito as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. O Recorrente considera que foram incorretamente julgados como provados alguns factos pelo Tribunal a quo.
2. Os factos que ora se impugnam são os que infra se transcrevem:
ee) “ZZ” há mais de dois meses antes da sua morte estava completamente dependente dos Autores para se alimentar, fazer a higiene, satisfazer as suas necessidades básicas, não se conseguindo alimentar, cheia de dores e acamada, dependendo dos mesmos para tudo, inclusive para tomar a medicação.
ff) Deixou nos meses que antecederam a sua morte, deixou de ter força física para se locomover pelos seus próprios meios.
gg) Passou a não comer e a não beber pelos seus próprios meios, carecendo de ajuda dos Autores e ou de terceiros para comer ou para ingerir bebidas, Deixou de conhecer as pessoas, designadamente as Rés, passou a revelar falhas significativas de memória.
hh) Não conseguia levanta-se da cama pelo seu pé, não conseguia assinar qualquer documento.
mm) Em Novembro de 2019, foi visitada pelo Réu “EE” e a “ZZ” não o Reconheceu, não falou, estava acamada e só olhava para o tecto.
Este como factos provados e como não provados os seguintes factos:
- que a testadora exprimiu cumprida e claramente as suas vontades e necessidades, com facilidade na sua compreensão assim como verbalizou de forma clara e audível.
3. Com o devido respeito, que é muito, fazendo-se a subsunção da matéria de facto considerada provada à prova produzida em sede de audiência final, parece ao Recorrente que a decisão proferida pelo Tribunal a quo não foi a mais justa.
4. Desde logo ao considerar como provado os facto provados ee), ff), gg) e hh)), atendendo que não resulta do depoimento de qualquer das testemunhas que concretizem que há mais de dois meses que não se conseguia alimentar, cheia de dores e acamada, inclusivamente, nenhuma das testemunhas conseguiu precisar qual o dia em que foi visitar a “ZZ” e a ter visto na acamada, sendo qua aqueles que conseguiram concretizar, identificaram que foi dias antes de falecer.
5. Nesta senda, despôs o Réu “EE” (ficheiro áudio 20230110095516_20078496_2871022), dos minutos 00:37:38 a 00:38:43, que identificou, com alguma dificuldade que visitou a sua tia cerca de 10 dias antes do óbito e que estava acamada, não os tendo reconhecido.
6. Assim como a Ré “CC”, refere que a “ZZ” iria ser entubada por não se alimentar (no mesmo ficheiro áudio), nos minutos 00:23:40 a 00:24:31.
7. Tendo sido única e exclusivamente pelo Autor, “AA”, mais discriminadamente os dias em que a testadora “ZZ”, ficou acamada, que ficou
sem capacidade de se alimentar e de reconhecer os Réus, (no mesmo ficheiro áudio), dos minutos 01:08:17 a 01:11:18.
8. Considerando-se assim, salvo o devido respeito, que os factos ee), ff), gg), hh), que devem ser considerados como não provados.
9. E o facto mm) alterado e ser dado como provado que “10 dias antes do óbito, foi visitada pelo Réu “EE” e a “ZZ” não o Reconheceu, não falou, estava acamada e só olhava para o tecto.”, conforme depoimento do Ré “EE” fez identificar e que já supra se referiu.
10. Relativamente ao facto não provado, - que a testadora exprimiu cumprida e claramente as suas vontades e necessidades, com facilidade na sua compreensão
assim como verbalizou de forma clara e audível – que não se consegue compreender como não se dá como provado, quando a notária foi esmiuçada sobre todos os procedimentos que efetuou para atestar que a testadora estava capaz e que tinha compreendido todo o teor e alcance da sua pretensão, não lhe restando duvidas que exprimiu esclarecidamente a sua vontade, tendo verbalizado de forma clara e audível, conforme resulta do testemunho desta constante no ficheiro áudio 20230329102208_20078496_2871022 nos minutos 00:13:32 a 00:18:00 e 00:19:33 a 00:27:13.
11. Assim como as testemunhas do testamento – “GG” e “HH”- o referiram, que ouviram a testadora falar que era o que ela queria e que era o que queria fazer, conforme resulta no ficheiro áudio 20230110141627_20078496_2871022, nos minutos 01:08:47 a 01:09:08 e 01:16:10 a 01:19:31.
12. Conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 16-06-09, em que é relator Abrantes Geraldes, “…sublinhou-se o seguinte a propósito da intervenção do notário: «Notários são profissionais familiarizados tanto com as dificuldades e motivações das pessoas de idade que se apresentam a outorgar testamentos, como com as situações de aproveitamento por parte de terceiros das debilidades físicas ou mentais dos testadores ou dos efeitos que podem projectar-se
a partir de situações de dependência em que se encontrem».”
13. Entende o Recorrente que, no momento da outorga do testamento, perante os depoimentos de todos quantos estavam presentes na leitura do testamento, não se consegue concluir que o testador não tivesse de entendido o sentido da sua declaração ou que não estivesse o livre exercício da sua vontade.
14. Conforme refere o douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29/06/2017, processo n.º 13/15.8T8VCT.G1, “Como salienta Abrantes Geraldes, “A exigência legal impõe que se estabeleça o fio condutor entre a decisão sobre os factos provados e não provados e os meios de prova usados na aquisição da convicção, fazendo a respectiva apreciação crítica nos seus aspectos mais relevantes. Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (…), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos. É na motivação que agora devem ser inequivocamente integradas as presunções judiciais e correspondentes factos instrumentais (…). Se a decisão proferida sobre algum facto essencial não estiver devidamente
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT