Acórdão nº 2108/20.7T8OER.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-02-24

Ano2022
Número Acordão2108/20.7T8OER.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
Vem a JMV – J…, S.A. intentar a presente ação declarativa de condenação com a forma de processo comum contra L… e A…, pedindo que seja declarada a resolução do contrato celebrado com os RR. e que os mesmos sejam condenados no pagamento dos bens que foram vendidos no valor de €4.643,75 abatida a bonificação a que tiveram direito, bem como no pagamento da indemnização de €6.776,00 e da fatura em atraso no valor de € 180,32, tudo acrescido dos juros comerciais desde a data dos respetivos vencimentos até efetivo e integral pagamento.
Alega, síntese, para fundamentar o seu pedido, que celebrou um contrato com os RR. ao abrigo do qual estes se comprometeram a adquirir um total de 2000 kg de café em quantidade mínima de 30 kg mensais; na mesma data vendeu aos RR. os bens que identifica, cujo pagamento seria cumprido por via da compensação à medida que o café ia sendo adquirido e liquidado, tendo sido convencionada uma indemnização para o caso do contrato não ser cumprido. Como os RR. não cumpriram tal obrigação de aquisição, a A. enviou-lhes cartas interpelando-os para o cumprimento do contrato e em 10/04/2015 notificou-os de que resolvia o contrato, peticionando as sobreditas quantias contratualmente previstas, a que acresce o valor de uma fatura vencidas e não paga relativa a fornecimento realizado na vigência do contrato.
Os RR. foram regularmente citados.
O R. L… veio contestar pugnando pela improcedência da ação e pela sua absolvição dos pedidos, pedindo que se reconheça que o contrato em questão foi resolvido em 21/09/2000 por alteração anormal das circunstâncias.
Alega, em síntese, que quando da celebração do contrato era dono de um estabelecimento comercial que se viu obrigado a encerrar em meados de abril de 2005 pela falta de clientes e acumulação de prejuízos, tendo comunicado à A. o seu fecho e tendo-se prontificado a devolver os bens que lhe foram entregues com a celebração do contrato, o que a A. concordou, pelo ficou à espera que os funcionários da A. viessem buscá-los, tendo-os na sua posse para os entregar, conclui que tem direito à resolução do contrato por alteração anormal das circunstâncias o que quer ver reconhecido.
A A. veio responder concluindo pela improcedência da exceção suscitada. Refere que o contrato não ficou condicionado à circunstância do estabelecimento ter ou não retorno financeiro, estando em causa um risco da atividade do R., sendo que os RR. sem qualquer explicação ou aviso, deixaram de comprar café pelo menos desde dezembro de 2008.
Foi dispensada a realização de audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da lide; fixou-se o objeto do litígio e elencaram-se os temas da prova, logo se designando data para a realização do julgamento.
Realizou-se audiência de julgamento com cumprimento do formalismo legal e foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os RR. do pedido.
É com esta sentença que a A. não se conforma e dela vem interpor recurso, pedindo a sua revogação e substituição por outra condene os RR. no pedido, apresentando para o efeito as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. Deverá ser aditado aos factos provados o seguinte: “O estabelecimento comercial estava localizado num Bairro Social problemático a nível social”.
2. O Réu confessa que o estabelecimento comercial, de que era proprietário estava localizado num Bairro Social problemático, acrescentado ainda, a existência constante de vários desacatos devido ao comportamento agressivo de vários habitantes.
3. O Réu era conhecedor desta realidade, uma vez que morava na referida localização e, de livre vontade, abriu o estabelecimento comercial tendo contactado a Recorrente para celebrar o contrato de comércio em crise nos autos (ponto de facto 1).
4. O Réu tendo conhecimento do ambiente social onde abriu o estabelecimento (e onde morava), conseguiu cumpriu o contrato durante 4 anos e só apos esse período encerrou o estabelecimento.
5. Deverá ser aditado aos factos provados o seguinte: “Após o encerramento em IV- 05, a Autora começou a fornecer café a outras pessoas que não os Réus, imputando as vendas a este contrato”
6. Resulta provado que a Autora vendeu até dezembro de 2008, 460 Kg de café (ponto de facto 5) e que o estabelecimento do Réu encerrou em abril de 2005 (ponto de facto 3).
7. O consumo foi efetuado para além da data de encerramento do estabelecimento comercial do Réu.
8. Os consumos efetuados por terceiros foram imputados ao contrato do Réu.
9. O Recorrido pediu à sua irmã, I…que continuasse a comprar café à Recorrente para imputar ao seu contrato.
10. Quando o Bar da Escola (onde a irmão do Recorrente exerce funções) deixou de adquirir café à Recorrente, alertou o seu irmão, aqui Recorrido, dessa situação porque sabia que o mesmo significaria que entraria em incumprimento.
11. Os fornecedores da Recorrente informaram o Recorrido que teria que arranjar outro local de venda para cumprir com o contrato.
12. Deverá ser aditado aos factos provados o seguinte: “O contrato de comércio junto a fls 7 está em vigor nos exatos termos em que foi celebrado”
13. O Recorrido, face aos alegados constrangimentos que sofreu, não resolveu o contrato celebrado com a Recorrente, optando pelo encerramento do espaço que sabia que não o desvinculava das obrigações assumidas perante a Recorrente.
14. Encerrando o estabelecimento, solicitou a Terceiros que continuassem a consumir o café para que as referidas compras fossem imputadas ao seu contrato, ciente das responsabilidades que assumiu perante a Recorrente.
15. Não existe qualquer alteração/modificação contratual pois os consumos efetuados por Terceiros foram imputados ao contrato do Recorrido, nos exatos termos contratados.
16. As compras de café (não impugnadas pelo Réu) e que resultam do extrato de consumos junto com a Petição Inicial como Documento 4 (e não impugnado pelo Réu) tiveram em consideração as compras efetuadas após encerramento do estabelecimento comercial do Recorrido.
17. Do documento 04 junto com a Petição Inicial, não impugnado e valorado pelo Tribunal a quo, resulta que o n.º do contrato considerado para todos os anos em que existiram consumos é o mesmo e resulta, ainda, que os Kg a consumir, bem como o Lote e código do artigo se mantiveram inalterados.
18. Entende a Apelante que o Tribunal a quo não julgou corretamente o ponto de facto 3 na medida em que a matéria enunciada se mostra incorreta, devendo resultar como provado da instrução da causa que “13 – Cerca de IV-05 o 1º R. encerrou o estabelecimento, tendo comunicado o facto ao vendedor da A.”
19. O Réu confessa que o estabelecimento comercial, de que era proprietário estava localizado num Bairro Social problemático, acrescentado ainda, a existência constante de vários desacatos devido ao comportamento agressivo de vários habitantes.
20. Sendo uma situação normal e recorrente antes da outorga do contrato do Recorrido com a Recorrente, não poderá servir de base à alegada “alteração anormal das circunstancias” porque, efetivamente, não existe qualquer alteração.
21. O Réu era conhecedor da realidade na medida em que habitava na referida localidade e, de livre vontade, abriu o estabelecimento comercial tendo contactado a Recorrente para celebrar o contrato de comércio em crise nos autos (ponto de facto 1).
22. O Réu tinha conhecimento do ambiente social onde abriu o estabelecimento (e onde morava).
23. O Tribunal deverá dar como provado que “10 - Em 31-III-03 a A. emitiu, em nome dos RR., uma factura no valor total de 180,32€.
24. A fatura foi junta como Documento 05, estando disponível por consulta via Citius.
25. A fatura permanece por liquidar.
26. O Tribunal a quo entende que o contrato foi “modificado, deduz-se que por “alteração anormal” (ponto 3),” concluindo que “(…) o contrato não pode ser resolvido, nem os RR. serem condenados no seu cumprimento, uma vez que tal contrato (ponto 1) já não está em vigor nos exatos termos em que foi celebrado”
27. A recorrente não concorda com a decisão do Tribunal a quo que vai formando a sua convicção em análise a factos cuja conclusão de direito se apresenta inadequada, assumindo um circunstancialismo cuja valoração não poderia levar à decisão proferida.
28. O Recorrido celebrou um contrato de comércio com a Recorrente para o estabelecimento comercial sob a designação Churrasqueira…, sito na …Loja 2 –…– Oeiras, de que era proprietário.
29. O estabelecimento comercial estava localizado num Bairro Social problemático a nível social, ocorrendo, frequentemente, desacatos entre os habitantes, facto que era do conhecimento do Recorrido.
30. O Réu tinha inteiro conhecimento da localização do seu estabelecimento comercial (que já era Bairro Social problemático como ele próprio confessa aquando da celebração do contrato) e dos termos em que contratou com a Autora, uma vez que o contrato em apareço foi cuidadosamente discutido com o mesmo, e demais outorgantes, e apenas foi elaborado após a negociação dos seus termos.
31. A Autora não condicionou a sua decisão de contratar ao facto do negócio do Réu vir ou não a ter o retorno por ele esperado, sendo que o risco da atividade do Réu é um risco próprio do seu negócio que não pode de forma alguma ser pura e simplesmente transferido para a Autora.
32. Não estando provado que o incumprimento do contrato se tenha ficado a dever aos problemas causados pelos clientes, uma vez que a situação já era conhecida do Recorrido (antes de celebrar o contrato).
33. As circunstancias não alteraram, não estando configurada a previsão do nº1 do art.437º do CC.
34. Terá de improceder por falta dos requisitos ínsitos no art. 437º nº1 do CC a alegada “modificação por alteração anormal” do contrato.
35. Ao contrário do entendimento do Tribunal ad quo, o contrato não foi
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