Acórdão nº 2107/23.7T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-12-07

Ano2023
Número Acordão2107/23.7T8VNF.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

Nos autos de ação especial de insolvência em que AA, residente na Rua ..., ..., ... ..., se apresentou à insolvência, aquele requereu que lhe fosse concedido o benefício de exoneração do passivo restante.
Para tanto alegou, em suma, exercer a atividade de jurista e auferir o vencimento mensal de 2.000,00 euros, não ter tido culpa na criação ou agravamento do estado de insolvência, propor-se observar as condições que a concessão desse benefício implicarem e ter mensalmente as seguintes despesas: 500,00 euros de renda de casa; 250,00 euros com vestuário e formação profissional; 125,15 euros com eletricidade e gás; 45,31 euros com consumo de água; 37,90 euros com comunicações; 450,00 euros com alimentação; e 224,00 euros, a título de prestação alimentar que satisfaz ao seu filho menor.
Por sentença proferida em 05/04/2023, transitada em julgado, declarou-se o devedor insolvente.
No relatório a que alude o art. 155º do CIRE, junto aos autos em 23/05/2023, o administrador da insolvência informou “não ter conhecimento de factos que por si só condicionem o indeferimento do requerimento de exoneração do passivo restante”.
Notificados desse relatório, os credores não se pronunciaram.
Por sentença proferida em 15/06/2023, transitada em julgado, declarou-se encerrado o processo de insolvência e que esta tem caráter fortuito.
Por despacho de 18/09/2023, admitiu-se liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante e fixou-se ao devedor, a título de rendimento indisponível, a quantia mensal correspondente a um salário mínimo nacional e meio.

Inconformado com o decidido, o devedor interpôs recurso quanto ao segmento daquela decisão em que lhe foi fixado o rendimento indisponível, formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem ipsis verbis):

1- Vem este recurso interposto de parte do douto despacho de fls., que admitiu o pedido de exoneração do passivo restante, tão somente, no que tange ao montante fixado pela M. Juiz, a quo, para o sustento digno do Insolvente e que é do seguinte teor:
“Assim sendo, tudo ponderado, fixo em um salário mínimo nacional e meio, o montante necessário ao sustento digno do insolvente.”
2- Com relevo para a matéria em apreciação, alegou o seguinte, nomeadamente, quanto às suas condições pessoais, sociais e económicas:
“2.- O Requerente, exerce a profissão de Jurista e Gestor de Recursos Humanos, em duas entidades patronais (EMP01..., Artigos de Viagem, SA e EMP02..., Lda.) e aufere o vencimento, base, mensal, global, de € 2.000,00, sobre o qual, incide uma penhora (Doc. ... e ...).
3.- Vive, em ..., num apartamento arrendado, com uma renda mensal de € 500,00 (Doc. ... e ...).
20.- Consequentemente, dispõe-se a observar as condições que a concessão da exoneração do passivo restante implicar.
21.- A este propósito, atentas as circunstâncias, o Requerentes informa o Tribunal que suporta, as seguintes despesas, essenciais, mensalmente (cfr. docs. ..., ...0, ...1, ...2):
- € 500,00, a título de renda, referente à casa de morada de família; - € 250,00 que o requerente tem de obviar às suas despesas de vestuário e formação profissional;
- € 125,15, referente a eletricidade e gás;
- € 45,31, referente ao consumo de água;
- € 37,90, referente a comunicações (internet), indispensável, para o exercício da profissão.
- € 450,00, relativamente à alimentação;
- 224,00, a título de pensão de alimentos, ao filho menor, BB.
22.- Neste contexto, o Requerente, solicita e deixa à apreciação do Tribunal, a possibilidade de lhe ser concedido o rendimento equivalente a dois salários e meio, mínimos, mensais, que lhe permita, ter uma vida com um mínimo de dignidade.”
3 - O Tribunal, a quo, atentas as circunstâncias, não fez uma correta apreciação da prova produzida e que teve, como consequência, o errado ajuizar, da matéria de facto, com interesse e em crise, nos presentes autos, ou seja, no que respeita ao montante fixado ao insolvente, necessário para fazer face ao seu digno sustento.
4 - De toda a prova produzida, nomeadamente, documental, resulta provada a questão de se aferir quanto à possibilidade de lhe ser concedido o rendimento equivalente a dois salários e meio, mínimos, mensais, que lhe permita, ter uma vida com um mínimo de dignidade.
5 - Atentas as circunstâncias, houve erro na apreciação das provas (art. 662º, do CPC) e existe desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão (cfr. Ac. STJ, de 20/05/95, in www.dgsi.pt).
6 - A fundamentação jurídica do despacho, na matéria, ora em crise, é riquíssima, mas, salvo o devido respeito, não deu a devida atenção à necessidade de motivação que, em nosso entender carece, deixando o insolvente, impossibilitado de viver com o mínimo de dignidade.
7 - O Tribunal, a quo, alheou-se de factualidade relevante, alegada e devidamente comprovada com documentos no âmbito do requerimento de apresentação à insolvência, por parte do requerente.
8- O Tribunal a quo, arredou da sua fundamentação, despesas essenciais do insolvente, para que este possa viver com um mínimo de dignidade, como as seguintes que este alegou e comprovou com documentos que não foram postos em causa:
- € 500,00, a título de renda, referente à casa de morada de família;
- € 250,00 que o requerente tem de obviar às suas despesas de vestuário e formação profissional;
- € 125,15, referente a eletricidade e gás;
- € 45,31, referente ao consumo de água;
- € 37,90, referente a comunicações (internet), indispensável, para o exercício da profissão.
- € 450,00, relativamente à alimentação;
- 224,00, a título de pensão de alimentos, ao filho menor, BB.
9 - As suprarreferidas despesas e os montantes a que ascendem, não são supérfluas, desde logo com a alimentação, habitação e inerentes consumos de água, gás e eletricidade.
10 - O mesmo se diga, quanto às despesas com vestuário e formação profissional do recorrente, assim como as relacionadas com comunicações (internet), essenciais ao exercício da atividade profissional do recorrente.
11- A decisão em apreciação, estriba-se em Acórdãos do TRP, de 10/05/2001 e de 15/09/2011, assim como do Tribunal Constitucional, de 2002, ou seja, dois, com mais de vinte anos e, um com mais de uma década, o que equivale por dizer, desajustados à realidade atual.
12– É consabido, as dificuldades económicas que vêm sido infligidas à generalidade da população portuguesa, de resto por toda a Europa, desde o período pós-pandemia e no meio do cenário de Guerra na Ucrânia, com a inflação a aumentar de forma galopante e com reflexos no preço dos bens essenciais.
13- Neste cenário e com o montante fixado, ao insolvente, pelo Tribunal, a quo, no montante de um salário mínimo e meio, para prover ao seu sustento digno, este nem sequer poderá exercer a sua profissão, com o mínimo de dignidade, pois não terá possibilidade de fazer face, à maioria das despesas essenciais que vem suportando.
14- O valor que lhe foi fixado, nem sequer chega para suportar as despesas que o recorrente tem com a habitação (€500,00, mensais), alimentação (€ 450,00), assim como pela pensão (€ 224,00) que paga ao filho menor, a que acrescem, como é consabido, despesas escolares e médico medicamentosas).
15- O Tribunal a quo, não fez uma correta subsunção dos factos relevantes constantes dos autos (alegados na petição inicial e estribados em documentos, Relatório do Sr. Administrador de Insolvência), nem elaborou uma correta interpretação do artº 239º, nº 3, al. b), i), ii, iii, do CIRE.
16- Ao contrário daquilo que refere no douto despacho, com fundamentação, desarreigada dos tempos hodiernos, realidade económica e social, atual, assim como das condições pessoais do recorrente, infligindo ao recorrente, a atribuição de um salário mínimo e meio, para o seu digno sustento, o certo é que, a manter-se, transformará, a sua vida num calvário, muito longe do espírito do supracitado normativo (artº 239º, nº 3 do CIRE).
17– A procedência do pedido formulado pelo insolvente, no sentido de lhe ser concedido o rendimento equivalente a dois salários mínimos e meio, mensais, que lhe permitam, ter uma vida com um mínimo de dignidade, é ajustado.
Nestes termos e nos melhores de direito, com o suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser admitido e o mesmo ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, devendo ser substituída por douto acórdão em conformidade com as conclusões aduzidas, assim se fazendo, JUSTIÇA.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A 1ª Instância qualificou o recurso interposto como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios e com efeito meramente devolutivo, o que não foi alvo de modificação no tribunal ad quem.
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Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
Acresce que, o tribunal ad quem também não pode conhecer de questão nova, isto é, que não tenha sido objeto da decisão sob sindicância, salvo se se tratar de questão que seja do conhecimento oficioso, dado que, sendo os recursos os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante o reexame de questões que tenham sido nelas apreciadas, visando obter a anulação de tais decisões quando padeçam de vício determinativo da sua nulidade, ou a sua revogação ou alteração quando padeçam de erro de julgamento, seja na vertente de erro de julgamento da matéria de facto e/ou na vertente de erro de julgamento da matéria de direito, nos recursos, salvo a já enunciada exceção, não podem ser versadas questões de natureza adjetivo-processual e/ou substantivo...

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