Acórdão nº 2105/21.5T8CSC.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-11

Ano2023
Número Acordão2105/21.5T8CSC.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


Relatório


A, intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra B, pedindo que a acção seja julgada procedente e, em consequência:
1. Seja declarada a existência de um contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré, em 1 de Setembro de 2018, válido e eficaz;
2. Seja a Ré condenada ao pagamento das seguintes quantias: € 2 806,80, a título de remunerações e comissões; € 2.352,01, a título de subsídio de alimentação; € 251,51 a título de subsídio de férias de 2018; € 251,51, a título de subsídio de Natal de 2018; € 600,00, a título de subsídio de férias de 2019; € 600,00, a título de subsídio de Natal de 2019; € 600,00, a título de subsídio de Natal de 2020; € 600,00, a título de subsídio de férias de 2020; € 296,72, a título de proporcionais de férias 2020; € 296,72, a título de proporcionais de subsídio de Natal 2020; €296,72, a título de proporcionais de subsídio de férias 2020; e €639,00, a título de indemnização.
3. Seja a Ré condenada no pagamento à Autora da sanção pecuniária compulsória, no valor de € 50,00, por cada dia de atraso no pagamento de qualquer dos valores devidos.
4. Tudo acrescido de juros moratórios.
Para tanto alegou, em resumo, que: trabalhou por conta da Ré sob a sua direcção e fiscalização desde 1 de Setembro de 2018 e até 30 de junho de 2020; exercia as suas funções de esteticista no local de trabalho estipulado pela Ré, usando para o efeito vestuário (t-shirt) fornecida pela Ré; a farda, equipamentos, utensílios e demais materiais utilizados pela Autora, pertenciam à Ré e eram por esta disponibilizados; estava obrigada a cumprir um horário de trabalho de 40 horas semanais da forma que indica; os horários e as folgas eram estabelecidos pela Ré; estava obrigada a justificar as faltas dadas ao serviço ou a informar quando estava doente ou a prestar assistência à família; auferia o valor base de € 600,00 acrescido de comissões pelos resultados e pela venda de pacotes de tratamentos; para além das funções inerentes às da actividade profissional, ainda estava obrigada a assegurar a limpeza do espaço e equipamentos, bem como a preparar e a lavar todo o material quando estava no horário de fecho; diariamente, a Ré estipulava, organizava e supervisionava o trabalho da Autora e das suas colegas; a Ré não lhe pagou as férias e o correspondente subsídio de férias, o subsídio de Natal, o subsídio de refeição, nem a remuneração e comissões que identifica; e em 01.07.2020 a Ré comunicou-lhe que não trabalhava mais para ela.
Realizou-se a audiência de partes não se conseguindo a sua conciliação.
A Ré contestou por excepção e por impugnação. Por excepção, invocou a prescrição dos créditos laborais reclamados pela Autora e o pagamento parcial da obrigação, caso se considere ter existido uma relação laboral. Por impugnação, negou a existência de um contrato de trabalho com a Autora, afirmando ter vigorado entre as partes um contrato de prestação de serviços, que o acordo celebrado consistia na obrigação da Ré no pagamento de uma percentagem sobre todas as intervenções realizadas no espaço desta, cabendo à Autora prestar o serviço e recorrer aos materiais próprios para alcançar tal desiderato, que a Autora nunca quis subordinar-se a um contrato de trabalho, pois que beneficiava largamente do ponto de vista fiscal e de Segurança Social, não serem devidas à Autora as quantias que reclama a título de subsídio de alimentação, de férias, subsídio de férias e de alegadas comissões, não ser aplicável ao caso a sanção pecuniária compulsória e que a Autora litiga com má-fé.
Finalizou pedindo que a acção seja julgada improcedente e que, em consequência, seja a Ré absolvida do pedido por verificação da exceçção peremptória de prescrição; caso assim não se entenda, seja a Ré absolvida totalmente do pedido, por não se verificar a existência de um contrato de trabalho entre a Autora e a Ré; caso assim não se entenda, seja a Ré absolvida parcialmente do pedido, na quantia de €2.854,80; em qualquer caso, seja a Ré absolvida dos pedidos referentes aos valores a título de subsídio de refeição, férias não gozadas e comissões; em qualquer caso, seja a ré absolvida do pedido de aplicação da sanção pecuniária compulsória; e seja a Autora condenada no valor que for prudentemente arbitrado pelo Tribunal, em quantia nunca inferior a €2.500,00, por litigar com má-fé.
A Autora respondeu pugnando pela improcedência da excepção.
Dispensada a convocação da audiência prévia e fixado o valor da causa, foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção da prescrição dos créditos laborais.
Fixou-se o objecto do litígio e dispensou-se a enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se a julgamento e após foi proferida a sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré de todos os pedidos contra si formulados, bem como considerou não estar verificado que as partes litigaram de má-fé.
Não se conformando com a sentença, a Autora recorreu e sintetizou as alegações nas seguintes conclusões:
(…)
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido na espécie, modo de subida e efeito adequados.
Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Não houve resposta ao parecer.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608.º nº 2 do CPC), no presente recurso importa apreciar as seguintes questões:
1.ª- Se a decisão que recaiu sobre a matéria de facto deve ser alterada.
2.ª- Se entre a Autora e a Ré vigorou um contrato de trabalho e, consequentemente são devidas à Autora as quantias que reclama.

Fundamentação de facto
A sentença considerou provados os seguintes factos:
1. A Ré é proprietária do Centro de Estética C, sito no centro comercial D.
2. No dia 01 de Setembro de 2018, mediante acordo verbal, foi a ora Autora admitida para exercer a actividade de esteticista nas instalações da Ré, referidas em 1).
3. Actividade essa que exerceu até 30 de Junho de 2020.
4. Para o efeito, usava farda (t-shirt com o logótipo da loja), equipamentos, utensílios e demais materiais pertencentes à Ré e que a mesma disponibilizava, para o exercício da sua actividade.
5. Por acordo firmado entre a Autora e a Ré a actividade referida em 2) foi prestada da seguinte forma:
a. De setembro de 2018 até meados de setembro de 2019 das 13h00 às 22h00, o turno do fecho;
b. de outubro de 2019 até ao término do contrato era das 09h00 às 18h00.
Com folga semanal às terças-feiras.
6. A Autora informava a Ré quando faltava, mormente se estivesse doente ou em assistência à família.
7. A Autora e as outras funcionárias marcavam numa agenda, diariamente, todos os trabalhos que realizavam e, no final do mês, a Ré calculava o valor que tinham a receber como contrapartida dos serviços prestados.
8. A Autora, para além do exercício da actividade de esteticista, assegurava ainda a limpeza do espaço e equipamentos, bem como, preparava e lavava todo material por si utilizado.
9. A Ré nunca pagou à Autora, as férias e o correspondente subsídio de férias.
10. A Ré nunca pagou à Autora o subsídio de Natal.
11. A Ré nunca pagou à Autora quaisquer importâncias a título de subsídio de refeição no valor diário de € 4,77.
12. No dia 29.06.2020, a Ré disse à Autora que não precisava de voltar depois da folga, isto é, no dia 01.07.2020.
13. Porém, quando a Autora pediu à Ré créditos em falta, a Ré respondeu que aquela não tinha qualquer valor a receber, nos precisos termos constantes 11v e 12, cujo teor se dá integralmente por reproduzido.
14. Ao longo da relação contratual existente entre as partes, a Ré pagou à Autora as seguintes quantias:
- €500,00 em 03-12-2018;
- €615,00 em 24-12-2018
- €640,00 em 05-02-2019;
- €611,00 em 04-03-2019;
- € 839,00 em 30-03-2019;
- €1.068, em 30-04-2019;
- €426,00 em 31-05-2019;
- €600,00 em 31-05-2019;
- €1.000,00em 04-07-2019;
- €1.000,00 em 01-08-2019;
- €1.000,00 em 29-08-2019;
- €1.000,00 em 07-10-2019;
- €900,00 em 30-10-2019;
- €700,00 em 03-12-2019;
- €700,00 em 26-01-2020;
- €300,00 em 05-02-2020;
- €780,00 em 04-03-2020;
- €1.000,00 em 31-03-2020;
- €252,00 em 08-05-2020
- €639,00 em 29-05-2020;
15. No período referido em 2), a Autora emitiu recibos, seguindo o regime específico dos rendimentos do trabalho autónomo ou independente.
16. Os catálogos apresentados aos clientes com produtos de estética e higiene eram propriedade da autora.
17. Os tempos em que a autora prestava serviços eram ditados pelas marcações feitas por esta directamente com as clientes da Ré, mediante a disponibilidade daquela.
18. A ré não se encontrava sempre nas dependências do estabelecimento, pelo que impendia sobre a autora planificar e gerir a sua agenda, segundo o seu próprio critério.
19. No que concerne à limpeza e manutenção do espaço, apenas lhe cabia tal tarefa na estrita medida da decorrência dos serviços que prestava.
20. Não foi exigida pela Ré exclusividade à Autora.
21. O acordo celebrado entre as partes consistia na obrigação da aqui ré de pagamento de uma percentagem sobre as intervenções realizadas no espaço desta, cabendo à aqui autora prestar o serviço.
22. Em data anterior a 29-06-2020 nunca a Autora reclamou junto da Ré subsídio de Natal e de Férias referentes ao ano de 2019.
23. A autora deixou vários serviços por prestar (que deveriam ter sido prestados até à data da cessação da relação contratual), recebendo inclusivamente valores dos clientes finais cuja entrega à ré omitiu.
24. Tendo a ré a necessidade de adjudicar tais serviços a outra pessoa,
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