Acórdão nº 2105/16.7T8CTB-B.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 02-05-2023

Data de Julgamento02 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão2105/16.7T8CTB-B.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO)

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I - AA, interpôs execução contra o Município ..., destinando-se a mesma à entrega de coisa certa e ao pagamento de quantia certa, referindo, no que aquela finalidade respeita, que o executado foi condenado a restituir-lhe determinadas obras de arte, conforme sentença que deu à execução, e que o não fez, requerendo, por isso, que se proceda à diligência para entrega das mesmas e que essa entrega seja realizada com a presença de perito, que identificou.

A Executada não procedeu voluntariamente à entrega.

A diligência teve lugar no dia 3/3/2022, com a entrega das obras em causa, e com a presença do indicado perito – o qual se fez acompanhar por fotógrafo - e de técnica de conservação e restauro por parte do Município executado, tendo sido acordado no final da diligência que, no prazo de 10 dias, «enviariam um relatório pericial escrito e fotográfico, o qual passaria a fazer parte da diligência».

Apenas foi entregue relatório pelo perito indicado pela exequente, relatório esse que foi notificado às partes, dele constando, entre o mais, e como conclusão final, que «o que foi entregue à A. não eram, nesse dia, obras de arte mas sim um conjunto de materiais que outrora fizeram parte de uma obra de arte».

A executada, que não deduziu embargos à execução, por requerimento dirigido ao Exmo Agente de Execução, nos termos da al b) do nº 5 do art 139º CPC, entendeu ilegal o relatório elaborado, alegando que não foi informada da realização da perícia, nem teve oportunidade de designar um perito, que tal perícia não foi fundamentada nem enquadrada processualmente, e que no referido relatório os factos relatados pelo perito são manifestamente parciais e não correspondem à verdade, pugnando pela ilegalidade da perícia e do seu desentranhamento dos autos.

O Exmo AE, destacando que a executada teve conhecimento de que a exequente requerera a presença de um perito e que teve oportunidade de ser acompanhada igualmente por perito, veio a decidir a 27/5/2022, que, «face ao exposto, nos termos do art 719º/1, 766º/1 e 861º/1 CPC e em complemento ao auto de diligência de entrega de bens móveis datado de 3/3/2022, os bens entregues à exequente, conforme melhor resulta do mencionado relatório junto aos autos pelo perito, não correspondem ao estado dos bens determinados no processo declarativo, pelo que se decide que estes não têm qualquer valor comercial».

Veio, então, a exequente requerer que a presente execução para entrega de coisa certa fosse convertida em execução para pagamento da quantia de € 333.142,00, por ser este o valor das obras de arte que lhe deveriam ter sido ser entregues, a que acrescem juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data do trânsito em julgado da sentença dada à execução até integral pagamento.

Alegou que o que lhe foi entregue em execução da sentença não foram as obras de arte nela identificadas, mas apenas «restos daquilo que em tempo seriam obras de arte» e que constituem «um conjunto de materiais mutilados e degradados que no passado integraram obras de arte, que estão completamente desvirtuadas, irremediavelmente irrecuperáveis e sem qualquer valor comercial»..

Notificado o Município, solicitou o mesmo o indeferimento da pretensão, referindo que antes de ter sido citado nestes autos enviou à exequente um oficio solicitando-lhe a recolha urgente dos objectos indicados na sentença, ou a sua permissão ou disponibilização para o Município os recolher e transportar, não tendo a exequente diligenciado para que os bens lhe pudessem ser restituídos pelo executado, lembrando ainda que foi a exequente quem acomodou e consentiu o acondicionamento daqueles nas instalações municipais, e não ter resultado provado na acção declarativa a realização de contrato de depósito entre as partes, como nessa sentença foi assinalado, entendendo que, em qualquer caso, e consoante jurisprudência «quase unânime», só seria possível a conversão da execução se os bens não tivessem sido encontrados, ou tivessem desaparecido ou sido destruídos, requerendo a condenação da exequente como litigante de má fé.

Foi então proferida decisão que indeferiu a conversão da presente ação executiva em execução com vista ao pagamento coercivo da indemnização que a exequente lhe considera devida, tendo ainda julgado improcedente o pedido da sua condenação como litigante de má fé.

II – É desta decisão que a exequente recorre, tendo concluído as respectivas alagações, nos seguintes termos:

1 – A Sentença em execução visava a restituição de obras de arte à sua Autora, Exequente e ora Recorrente.

2 – As obras a restituir eram: “A Moura Vestida I”, com o valor de 35.000€; “A Moura Vestida II”, com o valor de 35.000€; “A Moura Vestida III”, com o valor de 35.000€; “A Manta - Versão Mude”, com o valor de 88.142€; “A Manta – Versão Idanha”, com o valor de 100.000€; “A Manta – Versão Egerton”, com o valor de 25.000€; a “Guardian Angels”, com o valor de 15.000€.

Todos os valores foram e estão determinados na Sentença a Executar.

3 – Todas estas obras pertencem à categoria de Artes Plásticas, eram originais, como tal eram peças únicas.

4 – As obras, protegidas pelos direitos de Autor, conferem ao seu Autor o Direito de assegurar a sua genuinidade e integridade, opondo-se a qualquer destruição, mutilação, deformação, ou outra modificação. (Artº 56 do CDADC).

5 – Os direitos conferidos por lei e enumerados no nº anterior têm eficácia erga omnes e são inalienáveis, irrenunciáveis e imprescritíveis.

6 – O Direito ao respeito pela integridade das obras protegidas pelo Direito de Autor é um direito absoluto.

7 – O Direito ao respeito pela integridade da obra de arte e a proibição de realização de actos de modificação, alteração, deformação, mutilação ou destruição projectam-se sobre a obra em si mesma considerada – o seu “Corpus Mysticum.

8 – Nas obras de arte e nomeadamente as obras plásticas (Artº 2 do CDADC - obras de desenho, tapeçaria, pintura, cerâmica, azulejo…) como as da Autora ora recorrente, são expressão da sua personalidade; as obras são a exteriorização da criação intelectual.

9 – Nas obras de arte, como as dos autos, onde só existe um exemplar único de cada obra, a identificação entre “Corpus Mysticum” e o “Corpus Mechanicun”, que por isso são incindiveis, fazem com que o tratamento seja distinto de outras obras (como por exemplo um livro com edição de 5.000 exemplares) pois que os danos causados directamente no exemplar único pressupõe uma lesão do direito de respeito à integridade da obra.

10 - Tratando-se de originais de obras, únicos, se essas obras sofrerem deformações e mutilações traduzidas em falta de elementos constituintes das obras está-se diante de atentados contra aquelas que são prejuízos para os direitos e interesses do Autor das obras.

11 – Se os danos verificados nas obras de Arte, caso dos autos em que existe identificação entre o Corpus Mysticum e o Corpus Mechanicun, se revelam como deformações, mutilações e outros e de tal modo que já nem sequer é possível o restauro das obras então é definitivo que se perdeu o Corpus Mysticum e até o Mechanicun e com isso as obras de arte “qua tale” deixaram de existir pois o que existe e foi entregue não foram as obras de arte, a restituir conforme à sentença em execução, mas antes restos de materiais que algum dia integraram o Corpus Mechanicun dessas obras e mesmo aí constata-se que faltam muitos dos materiais que compunham esse Corpus Mechanicun e ainda muitos deles completamente degradados conforme o relatado na Perícia.

12 - Considerando o que são obras de arte em seus originais, como bens irrepetíveis, únicos, em que existe absoluta identificação e incindibilidade entre o Corpus Mysticum e o Corpus Mechanicun (caso das obras em causa nestes autos), as obras de arte que, conforme à sentença, deveriam ser entregues à Autora não o foram pelo facto de que já não existiam dado que o que existia já não era de forma alguma a projecção/criação conforme à personalidade da Autora; mas mais, o que foi entregue são restos de materiais que em tempos integraram os suportes, os “Corpus Mechanicun” das obras (que também enquanto projecções das criações também já não existiam), porque o “Corpus Mysticum” já não existia, ou seja, a identificação entre o “Corpus Mysticum” e o “Corpus Mechanicun”, típico das obras de arte, ao momento da entrega, já não existia e por isso as obras de arte “qua tale” já não existiam.

13 – Para além das obras já não existirem, o que foi entregue, que não foram obras de arte, não tem qualquer valor comercial, ou seja, já não...

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