Acórdão nº 209/21.3T8ESP.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-10-10

Ano2023
Número Acordão209/21.3T8ESP.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 209/21.3T8ESP.P1



Acordam no Tribunal da Relação do Porto


I. Relatório
Comissão de Distribuição de Gratificações da sala de jogos tradicionais do Casino de ..., com sede na Rua ..., ... ..., intentou a presente acção comum contra AA, com domicílio na Avenida ..., ... ....
Alegou, em síntese, que embora o réu tenha a categoria profissional de fiscal-chefe e tenha exercido funções na sala de jogos tradicionais do Casino de ... (doravante SJTC...) em 2018, desde então não presta trabalho/serviço nessa sala, não exercendo funções de fiscal-chefe na mesma, pelo não tem direito à perceção de gratificações dessa sala. Mais alegou que, no mês de Agosto de 2020, ao proceder ao cálculo e distribuição das gratificações relativas ao mês de Julho, por manifesto lapso, incluiu-o na distribuição destas e transferiu-lhe a quantia de 248,53€, tendo posteriormente solicitado a devolução dessa quantia, o que o réu se recusou a fazer.
Concluiu pedindo a condenação do réu a devolver-lhe a quantia de 248,53€.
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O réu contestou alegando, em síntese, o seguinte: em Janeiro de 2018 passou a exercer funções exclusivamente na SJTC..., com a categoria e funções de fiscal-chefe, pelo que, a partir desse momento, foram também por ele distribuídas as gratificações provenientes daquela sala; a partir de Setembro de 2018, por determinação da entidade empregadora, réu passou a ser responsável e a dedicar maior parte do seu tempo à organização, chefia e controlo do jogo de “poker não bancado” e “poker não bancado em modo torneio”; neste cenário, a autora entendeu que o réu não era mais beneficiário de gratificações provenientes da SJTC..., tendo deixado de lhas pagar; o poker não bancado apenas pode ser explorado nas salas de jogos tradicionais dos casinos, sendo os beneficiários das gratificações da SJTC... que operam diariamente esse jogo e recolhem diariamente as gratificações nele recebidas; conclui-se, assim, que o réu labora de forma exclusiva na SJTC..., pelo que nada tem a devolver à autora.
Para além de contestar, o réu deduziu reconvenção, reiterando que é beneficiário das gratificações provenientes da SJTC..., por exercer as funções de fiscal-chefe exclusivamente nessa sala, não as recebendo desde Setembro de 2018, pelo que a autora lhe deve o valor das gratificações que deveria ter recebido desde aquela data, descontado o valor já pago de 248,53€, num total de 20.668,03€, acrescido de juros de mora, ascendendo os já vencidos a 1.480,47€.
Concluiu pugnando pela improcedência da acção e pedindo a condenação da autora a pagar-lhe a quantia de 22.148,50€, correspondente às gratificações referentes aos meses de setembro a dezembro de 2018, janeiro a dezembro de 2019 e demais meses em que sejam apuradas, bem como aos juros de mora vencidos desde os respetivos meses a que disserem respeito até efetivo e integral pagamento.
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A autora replicou, alegando que o réu não tem direito às gratificações, visto que o poker não bancado não integra a categoria dos jogos tradicionais. Mais alegou que embora haja, de facto, outros profissionais da sala de jogos tradicionais a prestarem trabalho nos torneios de poker, recebendo gratificações da sala de jogos tradicionais, os mesmos são profissionais que, trabalhando em exclusivo na sala de jogos tradicionais, cumprem escala nos torneios de poker, alternadamente entre si, ao passo que o réu não trabalha em tal sala e, por vezes, nem no Casino de ..., exercendo toda a sua actividade, única e exclusivamente, nos torneios de poker, por vezes em torneios no Casino de .... Alegou, ainda, que o réu e outros profissionais que se encontram na mesma situação, pelo facto de não terem direito às gratificações, são compensados pela concessionária, auferindo remunerações superiores às dos profissionais da sala de jogos tradicionais.
Concluiu pugnando pela total improcedência da reconvenção.
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BB, residente na Travessa ..., ..., ... ..., ..., veio requerer a sua intervenção como assistente, ao abrigo do disposto nos artigos 326.º e seguintes do CPC, alegando que é funcionário no Casino de ..., com a categoria profissional de Adjunto de chefe de sala de jogos tradicionais, presta as mesmas funções que o réu desde Agosto de 2020, estando responsável pela gestão e organização do jogo de “poker não bancado” e “poker não bancado em modo torneio”, e também não aufere gratificações.
Depois de ouvida a autora, o requerente foi admitido a intervir como assistente enquanto auxiliar do réu.
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Admitida a reconvenção e saneado o processo, foi fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, veio a realizar-se audiência de julgamento, na sequência da qual foi proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decide o Tribunal:
1. Julgar a presente ação totalmente improcedente, absolvendo o R do pedido formulado.
2. Julgar o pedido reconvencional totalmente procedente, condenando a A no pedido formulado.
Custas da ação e reconvenção pela A.
Registe e notifique.»
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Inconformada, a autora apelou da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«I. Em sucintas palavras, e, de algum modo, antevendo a conclusão última a que, inelutavelmente, seremos forçados a chegar, deverá ser revogada a decisão judicial ora posta em crise, devendo ser substituída por uma outra que julgue o pedido na acção de processo comum, totalmente, procedente, por provado, e, em consequência, julgue, outrossim, a reconvenção improcedente por não provada.
II. Mal andou o tribunal a quo ao: - Julgar a presente acção improcedente, absolvendo o R. do pedido formulado; e - Julgar o pedido reconvencional totalmente procedente, condenando na A. no pedido formulado, com manifesto erro na apreciação da prova, incluindo a gravada, recorrendo a uma construção jurídica “(…) que não tem na letra da lei um mínimo de correspondência verbal (…)!
III. A lei (Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na sua versão actual e, ao deante, por economia, Lei do Jogo) estabelece o que são jogos de fortuna ou azar, e insere os jogos não bancados, não nos jogos carteados, mas sim na alínea do jogo de Bingo – cf. o artigo 4º, n.º 1, alínea e)
IV. A Portaria n.º 217/2007, de 26/2, apenas e tão-somente, “Aprova as regras de execução dos jogos de fortuna ou azar” e prevê, no seu preambulo, que “O n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, atribui competência ao membro do Governo da tutela para autorizar a exploração e novos tipos de jogos de fortuna ou azar, a requerimento das concessionárias e mediante parecer da Inspecção-Geral de Jogos.” - Veja-se “[o artigo] 1.º Autorizar a exploração nos casinos do jogo de fortuna ou azar póquer não bancado, nas variantes «omaha» e «hold'em».” –
V. Isto é, não introduz qualquer novo jogo no catálogo dos jogos a explorar nas salas de jogos tradicionais, mas sim autoriza e estabelece regras para que as concessionárias a passem a explorar os jogos não bancados (vide o preâmbulo da Portaria n.º 401/2015, de 9/11).
VI. Os jogos não bancados não foram adicionados à lei do jogo no mesmo Título pré-existente para os jogos carteados. Os jogos não bancados em questão foram adicionados à lei do jogo criando-se para o efeito novo um título, o Título II, com epígrafe “Jogos não bancados”, com Capítulo Único, mantendo estes jogos fora do Título I, Jogos Bancados, Capítulo III, Jogos Carteados.
VII. Presume-se que o legislador legislou bem e exprimiu adequadamente a sua intenção.
VIII. E esta opção do legislador tem razão de ser, na medida em que o poker não bancado não é um jogo de fortuna ou azar, equiparável aos ditos jogos tradicionais, pelos seguintes motivos: O poker não bancado é jogado entre jogadores e não contra a concessionária; O prémio para o vencedor, de entre os jogadores inscritos, é previamente estabelecido; e A concessionária não corre qualquer risco de perda no jogo, uma vez que os jogadores apostam entre si e não contra a concessionária como nos jogos ditos tradicionais de casino, nos quais a concessionária é, também, apostadora.
IX. Também por estas razões o poker não bancado está classificado mundialmente como um jogo de destreza intelectual (jogo da mente) e não como um jogo de fortuna ou azar. Tendo o jogo sido já incluído nos jogos “World Mind Sports Games in London in 2012” – vide em https://www.cardplayer.com/poker-news/8988-poker-recognised-as-mind-sport.
X. Ao contrário dos jogos de fortuna ou azar ditos tradicionais, em que os apostadores ganham de vez em quando, quando ganham, porque estão sempre verdadeiramente dependentes da sorte.
XI. No jogo de poker não bancado, em ambas as modalidades, alguns dos jogadores são tidos como “masters”, pois ganham a grande maioria das vezes, existindo até classificações dos jogadores, que são verdadeiros rankings internacionais, pois, sendo jogo que não depende exclusivamente da sorte, jogadores há mais habilidosos que outros e que ganham frequentemente aos demais em jogos ou torneios, o que nunca acontece nos jogos bancados e ditos tradicionais de casino.
XII. Mal andou o tribunal a quo ao partir do princípio de que o poker não bancado (em ambas as modalidades) é um jogo que integra os jogos tradicionais de casino, considerando assim que o réu/reconvinte/recorrido presta trabalho na sala de jogos tradicionais do casino de ..., de modo efectivo.
XIII. Decisão que deve ser revogada e substituída por uma outra que declare que o jogo de poker não bancado (em ambas as modalidades) não é um jogo de fortuna ou azar que integre o catálogo dos ditos jogos tradicionais de casino.
XIV. O tribunal a quo não pode fundamentar a sua livre apreciação da prova, princípio que não se discute, valorando o Parecer do SRIJ, e não dando acolhimento à invocação dos réus, quando alegaram “o teor do art.º 3º da Portaria n.º 1159/90, de 27.11 (…)”.
XV. Se os tribunais estão adstritos à lei têm, forçosamente, de atender ao referido preceituado do
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