Acórdão nº 2087/22.6T8CTB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-12-13
Data de Julgamento | 13 Dezembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 2087/22.6T8CTB.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DA COVILHÃ DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO) |
Acordam (por maioria) os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I-Relatório
O Condomínio do prédio sito na Quinta ..., ..., contribuinte fiscal n.º ...10
intentou a presente ação declarativa, com processo comum, contra
A..., S.A., NIPC ...98, com sede na ..., lote ...7, ..., Letra ..., ..., ...,
e
B..., LDA., pessoa coletiva n.º ...92,
pedindo
“a) Serem a Primeira e Segundas Rés condenadas a reconhecer que o logradouro, adjacente à fração identificada pela letra B, destinada a comércio e serviços do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Quinta ..., com acesso pela Alameda ..., correspondente ao r/ch, loja ...2, urbano inscrito na matriz ...16 da União de Freguesias ... e ..., e descrito na ...34 é parte comum do mesmo, nos termos e para os efeitos do art.º 1421º do CC;
b) Ser a segunda Ré condenada a desocupar o logradouro comum, retirando a esplanada composta por mesas, cadeiras e guarda-sóis, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da sentença.
c) Ser a segunda Ré condenada, solidariamente, numa sanção pecuniária compulsória no valor de 25.00€, por cada dia de incumprimento”.
Para o efeito alegou, em síntese, que a Ré B..., Lda., com autorização da Ré A..., Lda. (dona da fração onde a primeira tem instalado um estabelecimento comercial), ocupa de forma abusiva um espaço comum da A., impedindo o seu gozo pelos restantes condóminos.
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Ambas as RR. contestaram, ao demais negando que o espaço em causa, ocupado pela B..., Lda. integre as partes comuns ou das frações do prédio (Quinta ...).
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Por despacho de 14.05.2023 (ref. 35835318) a Sra. Juíza, considerando que “Os pedidos formulados pelo Autor prendem-se com o reconhecimento de que o logradouro que identifica é parte comum do prédio que refere, bem como que seja a Ré condenada a desocupar o mesmo, limitando-se, contudo, a invocar que o referido “logradouro” é parte comum, sem que sejam alegados factos dos quais resulte a propriedade da parcela de terreno em dissídio”, convidou as partes para, “querendo, exercerem o contraditório relativamente à eventual verificação de nulidade do processado por ineptidão da petição inicial”.
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O A. e a Ré A... S.A. responderam ao convite sustentando, com os fundamentos que então avançaram, a primeira que a petição inicial não era inepta (ref. 3268139), e a segunda defendendo que a alegação constante da p.i. se apresenta como insuficiente para a demonstração que o espaço em causa seja parte integrante do prédio (ref. 3271693).
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No seguimento, a Sra. Juíza, a 16.06.2023 (ref. 35992716), proferiu despacho contendo o seguinte dispositivo “julga-se procedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial e, em consequência, absolve-se as Rés da instância”.
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O A. interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:”
I - O presente recurso tem por objeto o despacho saneador/sentença que julgou procedente a exceção dilatória de nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial e, em consequência, absolveu as Rés da instância.
II - Fundamenta a Exma. Sra. Juiz a quo a sua decisão no facto de o Autor limitar-se a invocar que o referido “logradouro” é parte comum, sem que sejam alegados factos dos quais resulte a propriedade da parcela de terreno em dissídio.
III - A causa de pedir que serve de fundamento à ação é a propriedade horizontal onde se insere a fração pertencente à 1ª Ré, dada de arrendamento à 2ª Ré.
IV - O pedido formulado pela A. enquanto administradora do condomínio do edifício constituído em propriedade horizontal é que as Rés reconheçam que o espaço ocupado pela esplanada é uma parte comum do prédio e, sendo comum, a colocação da esplanada estaria dependente da autorização do condomínio.
V - O facto de aquele espaço ser parte comum fundamenta-se na constituição da propriedade horizontal e na presunção legal da alínea a) do n.º 2 do art.º 1421º, pelo que os factos essenciais se encontram alegados, cabendo às Rés ilidir a referida presunção.
VI - Ainda que se entendesse padecer a petição inicial de ineptidão, sempre se aplicaria o n.º 3 do art.º 193 CPC.
VII – Na contestação, as rés não alegam a falta ou ininteligibilidade da causa de pedir, apresentando uma defesa direta, impugnando a factualidade descrita pela autora e relatando a sua própria versão dos mesmos factos – de um modo que revela inequivocamente ter compreendido o que contra elas era dito.
VIII - Não existe ineptidão da petição inicial, que a ter existido ela teria sido sanada nos termos do n.º 3 do art. 193º do CPC.
IX- E que a subsistir deficiência ou obscuridade na concretização factual da causa de pedir deveria o tribunal fazer uso da faculdade instituída no n.º 3 do art. 508º do CPC, dirigindo à aqui Recorrente convite ao aperfeiçoamento”.
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Não foi oferecida resposta.
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Dispensados os vistos, veio a constatar-se na conferência ser minoritária a posição do Exmo. Juiz Desembargador a quem o processo havia sido distribuído nesta instância (Dr. José Avelino Gonçalves), tendo, na sequência, transitado para o ora 1.º subscritor para efeitos de relato (art. 663.º, n.º 3 do CPC).
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II-Objeto do recurso
Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).
No caso, face às conclusões avançadas, as questões a apreciar e decidir são as de saber:
a) se a petição inicial é inepta
e se, ainda que o seja,
b) tal nulidade deve ser considerada suprida nos termos previstos no art. 186.º, n.º 3 do CPC.
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III-Fundamentação
De acordo com o disposto no art. 186.º, n.º 2, alínea a), do CPC, no que ao caso dos autos interessa, a petição é inepta, “Quando falte ou seja ininteligível a indicação (…) da causa de pedir”.
Conforme decorre do art. 552.º, n.º 1, a), do CPC, na petição inicial deve o A. expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir.
A narração deve conter os factos sobre que assenta o pedido, o ato ou facto jurídico de que procede a pretensão do autor - a causa de pedir.
Como refere Alberto dos Reis "a causa de pedir em qualquer acção não é o facto jurídico abstracto, mas o facto jurídico concreto de que emerge o direito de que o autor se propõe declarar (...) o que tem valor e eficácia jurídica, o que tem vida, é o facto individual e concreto " (Comentário ao C.P.C., vol. II, pág. 375) ou, na expressão de Ulpiano "a causa de pedir é o princípio gerador do direito, a sua causa eficiente, a origo petionis".
Nas palavras de Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, V. II, Almedina, 1982, pág. 219-220) “com a figura processual da ineptidão da petição inicial visa-se, em primeiro lugar, evitar que o juiz seja colocado na impossibilidade de julgar correctamente a causa, decidindo sobre o mérito, em face da inexistência de pedido ou de causa de pedir, ou de pedido ou causa de pedir que se não encontrem deduzidos em termos inteligíveis (…). Propõe-se ainda impedir se faça um julgamento sem que o réu esteja em condições de se defender capazmente, para o que carece de conhecer o pedido contra ele formulado e o respectivo fundamento”.
No caso dos autos a causa de pedir, legitimadora da procedência das pretensões da A. (reconhecimento desse direito e obtenção da desocupação), assenta na invocação de a área ocupada (logradouro) ser parte comum do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Quinta ..., melhor identificado nos autos.
Analisando a petição inicial constata-se que o A., deixando confessado que o mesmo não emerge especificadamente do título constitutivo da propriedade horizontal (arts. 6º e 7.º da p.i.), fundamenta exclusivamente o direito invocado na “informação obtida na Câmara Municipal ...” (art. 4.º da p.i.[2]).
Como bem se refere na decisão recorrida, “para aquilatar se o logradouro em dissídio é parte comum e determinar a sua desocupação, terá primacialmente de se aferir se esse logradouro é propriedade do prédio em questão, para depois se analisar se será parte comum ou adstrita exclusivamente a uma das frações”.
Em qualquer ação de reivindicação (e esta é, seguramente, uma ação de reivindicação, embora com a especificidade lógica de não se pretender a restituição do terreno ocupado, mas a sua desocupação para fruição pelo conjunto dos condóminos), apresentam-se como factos estruturantes da causa de pedir a aquisição originária do direito real invocado ou, alternativamente, a presunção de posse ou do registo da aquisição, mesmo que derivada, da coisa, incidindo sobre o autor o ónus de alegar os factos constitutivos do direito de propriedade sobre a coisa de que se arroga titular.
Ora, mostrando-se uma informação prestada pela Câmara Municipal inidónea para conferir o direito em causa, e não tendo o A. alegado quaisquer factos que permitam ao tribunal consubstanciá-lo em qualquer das formas a que a lei atribui virtualidade aquisitiva, estamos inequivocamente perante uma petição inicial inepta por falta de causa de pedir (falta de objeto do processo)[3].
Acresce que, como a doutrina e a jurisprudência tem vindo a assumir em total...
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