Acórdão nº 2082/16.4T8VLG.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-03-09

Ano2023
Número Acordão2082/16.4T8VLG.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 2082/16.4T8VLG.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha histórica do processo
1. Condomínio do Edifício ..., ... a ... instaurou ação contra AA, e mulher, BB, Herdeiros de CC e DD, pedindo a sua condenação a:
a) desocupar as partes comuns que ilegalmente e sem qualquer título ocupam, restituindo a posse ao A.;
b) à restituição da posse de tais espaços, livres e desocupados;
c) a indemnizar o A., nos eventuais prejuízos patrimoniais necessários à restituição da posse de tais espaços conforme se encontravam originalmente, cujo montante deverá ser liquidado em execução de sentença;
d) no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor a fixar pelo tribunal por cada dia de atraso no cumprimento da decisão.
Fundamentaram os pedidos alegando que os Réus ocupam, sem qualquer título que os legitime, partes comuns pertencentes ao condomínio, nomeadamente os vãos de telhado sobre as respetivas frações; tais espaços não estão afetos ao uso exclusivo dos Réus e sempre foram acessíveis, através da escadaria de acesso às frações, por uma porta ali existente, para pequenas reparações no telhados e outros, que os Réus vedaram. Os Réus efetuaram obras nesses espaços e não têm permitido o acesso, designadamente aos empreiteiros contratados para as obras de reparação de infiltrações de chuva e humidade no telhado.
Em contestação, deduzida em articulados próprios, todos os Réus impugnaram a factualidade alegada, excecionaram com a ilegitimidade ativa e passiva, com o abuso de direito; pediram ainda a litigância de má fé do Autor. Em reconvenção, pediram se declare que o sótão situado por cima da respetiva fração seja considerado afeto e constituindo parte integrante da fração. [1]
O Autor respondeu às exceções e replicou.
Em despacho saneador: (i) foram admitidas as reconvenções; (ii) foram julgadas improcedentes as exceções de ilegitimidade ativa e passiva; (iii) foram definidos o objeto do litígio e os temas de prova.
Realizada audiência de discussão e julgamento da causa, foi proferida sentença que decidiu «julgar a ação parcialmente procedente e as reconvenções improcedentes e, em consequência:
I – Condenar os réus a desocupar e restituir ao autor os espaços identificados no ponto 11 dos factos provados;
II – Absolver os réus dos demais pedidos formulados pelo autor;
II – Absolver o autor reconvindo de todos os pedidos reconvencionais contra si formulados.»

2. Inconformados com tal decisão, dela apelaram os Réus.
O Autor respondeu, sustentando a improcedência dos recursos.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO
3. OS FACTOS
Foram os seguintes os factos considerados na douta sentença:
Factos provados:
«1. O Condomínio do Edifício ... foi constituído em regime de propriedade horizontal em 23/10/1985, conforme certidão da escritura de constituição da propriedade horizontal de fls. 437 e seguintes, constando da mesma, entre o mais:
2. “Fração “L” uma habitação ao nível do segundo andar esquerdo, com entrada pelo número cem constituída por três quartos, sala comum, cozinha, despensa, hall, quarto de banho, quarto de banho de serviço e varandas com área de cento e dois metros quadrados, uma garagem nas traseiras do prédio com acesso pelos números setenta e dois e cento e dez m2, digo área coberta de dezasseis vírgula cinquenta metros quadrados.”
3. “Fração “M” uma habitação no segundo andar direito, com entrada pelo número cem, constituída por três quartos, sala comum, cozinha, despensa, hall, quarto de banho, quarto de banho de serviço e varandas com área coberta de noventa e um metros quadrados, uma garagem nas traseiras do prédio, com entrada pelos números setenta e dois e cento e dez, com a área coberta de dezasseis vírgula cinquenta metros quadrados”.
4. “Áreas comuns às frações “I” “J” “L” “M” – entrada para as habitações pelo número cem, bem como hall de entrada com cerca de seis metros quadrado e caixa de escada com cerca de doze metros quadrados e ainda um pequeno anexo para arrumos com cerca de um metro quadrado”.
5. “São comuns a todas as frações as partes do prédio indicadas no artigo mil quatrocentos e vinte e um do Código Civil, incluindo um logradouro com cerca de mil vírgula cinquenta metros quadrados”.
6. A aquisição da fração L encontra-se registada por compra a favor do réu AA, no estado de casado com a ré BB, no regime de comunhão de adquiridos.
7. A aquisição da fração M encontra-se registada por compra a favor de CC, no estado de solteira.
8. CC faleceu em 21 de janeiro de 2014 no estado de solteira.
9. Por testamento de onze de fevereiro de 1999, CC instituiu a ré DD sua única herdeira.
10. A ré DD habita na fração M desde a sua aquisição em 1987, na proporção de metade, com CC, tendo alienado à mesma a sua quota em 1993 e continuado a habitar a fração por empréstimo de CC.
11. O autor teve conhecimento, através dos seus administradores, que pelo menos desde 2007, os réus ocupam os vãos de telhado sobre as respetivas frações.
12. Impedindo quer os administradores do condomínio, quer os condóminos, de acederem, como acediam anteriormente, a tais espaços.
13. Tais espaços ocupados eram acessíveis, através da escadaria de acesso às frações, por um alçapão e uma porta ali existente, para reparações no telhados e outros.
14. Porta que se encontra encerrada e vedada pelo interior da mesma, mercê da intervenção dos condóminos que habitam nas frações imediatamente por baixo desses vãos, impedindo o acesso pela dita escadaria comum e alçapão.
15. Os réus levaram a cabo obras nas referidas áreas ocupadas.
16. Sucedeu os réus permitirem o acesso, quer a administradores, quer a empreiteiros, aos vãos de telhado que ocupam, para mais facilmente aferirem do estado interior do telhado.
17. Tendo as referidas reparações sido efetuadas pelo lado exterior do vão do telhado.
18. Os réus ocupam e usam as referidas partes comuns como querem, impedindo o acesso às mesmas.
19. Desconhecendo o autor acerca do estado em que se encontram tais espaços e obras levadas a cabo.
20. O acesso pelo interior da fração L ao sótão só é possível aos réus ou a quem estes autorizem.
21. O acesso ao restante vão do telhado faz-se, como sempre se fez, pela escada de ferro junto às escadas e à claraboia.
22. Sucedeu os primeiros réus permitirem o acesso pelo interior da habitação para vistoriar o telhado.
23. Existe um alçapão em madeira no átrio dos segundos e últimos andares, que permite o acesso à claraboia e vãos do telhado.
24. Os primeiros réus não procederam à divisão do sótão com paredes, estas já existiam à data da compra, bem como a porta.
25. Os primeiros réus fizeram obras de arranjo, como pinturas, e colocação de móveis.
26. A 18 de outubro de 1999, os primeiros réus adquiriram as frações L e O, referentes à habitação e garagem, respetivamente.
27. Os réus habitam de forma permanente na fração L.
28. Desde a data da sua aquisição, os primeiros réus utilizam o sótão ininterruptamente, na convicção de que se tratava de arrumos da fração.
29. Os primeiros réus usam tal espaço como arrecadação para guardar objetos, malas, livros e para engomar a roupa.
30. Na convicção que são donos do espaço.
31. O sótão apresenta a mesma configuração desde a construção, com paredes que o individualizam e sendo acessível, entre o mais, pela abertura na despensa da fração L e por uma escada.
32. O acesso ao exterior do telhado é suscetível de ser feito por uma abertura e escadaria existente junto à claraboia.
33. Em assembleia de condóminos realizada em 29 de janeiro de 2008, a utilização dos sótãos foi objeto de discussão, constando da ata que “a administração informou que o sótão na propriedade horizontal do edifício se encontra omisso. Ainda neste ponto foi discutido o uso do sótão como parte habitacional e se o mesmo se encontra incluído no seguro do prédio, pelo que a administração irá averiguar e informar os condóminos”.
34. Existem no telhado, desde a construção, duas aberturas em vidro que iluminam o sótão e a claraboia do quarto de banho, bem como uma abertura que o liga à despensa da habitação.
35. Todos os sótãos situados por cima das habitações dos últimos andares têm a mesma configuração, todos tendo claraboias no quarto de banho e telhas de vidro por cima das claraboias.
36. O telhado do edifício é constituído por paredes executadas em triângulo sobre a placa de cobertura do edifício, coincidentes com a divisão do apartamento e pilares espaçados cerca de 4 metros uns dos outros sobre os quais estão assentes vigotas de cimento pré-esforçado, paralelas entre si e espaçadas cerca de 2 metros onde estão fixadas telhas de fibrocimento com grampos de arame. 37. A construção original da fração M tem uma abertura no teto da despensa para acesso ao sótão no vão do telhado, com área igual à do apartamento, encontrando-se tal espaço dividido com paredes em forma de triângulo até às telhas.
38. O sótão por cima da fração tem uma pequena porta em madeira, para saída do mesmo para a zona da claraboia e descida por uma escada.
39. Na entrada do número 100, no teto do último patamar da escadaria existe uma claraboia e ao lado desta existe uma porta de abrir para cima, do tipo alçapão, que permite o acesso direto ao exterior do telhado.
40. Os pilares do sótão não podem ser removidos.
41. Um WC da fração M tem uma claraboia, sendo a telha do telhado sobre a mesma transparente para permitir a entrada de luz natural para o wc e para o sótão.
42. No sótão por cima da fração M não existem obras ou alterações estruturais que afetem a estrutura ou o telhado do edifício.
43. A ré DD ocupa a fração M à vista de todos e sem oposição de ninguém, sendo convocada e participa ou faz-se representar nas reuniões de condomínio.
44. A ré DD executou pequenos arranjos de conservação e limpeza no identificado vão do telhado.
45. Utiliza o sótão de forma
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