Acórdão nº 20752/19.3T8SNT.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 12-05-2022

Data de Julgamento12 Maio 2022
Ano2022
Número Acordão20752/19.3T8SNT.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
Maria Margarida … e Ana Paula …, como herdeiras de João Manuel … propuseram contra ... - Companhia de Seguros, SA e Condomínio do Prédio sito na Rua de ..., n.º 18,..., esta ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo a sua condenação, sendo o segundo a título subsidiário, a entregar-lhes a quantia de € 47.500,00, acrescida de juros de mora desde a data da citação até integral pagamento, com fundamento, em síntese, em que em 01/05/2019, ocorreram infiltrações de águas de esgotos no teto e paredes de uma fração pertencente a João Manuel … pelas quais são responsáveis os RR, sendo a primeira em virtude de um contrato de seguro celebrado com o dono da fração e o segundo por não ter cuidado das canalizações do prédio.
Citados, contestaram os RR declinando a sua responsabilidade, dizendo o R Condomínio, em síntese, que reparou a coluna de esgotos no próprio dia em que a mesma entupiu, necessitando a fração de limpeza e reparações, que são da responsabilidade das AA e dizendo a R Seguradora, em síntese, que o contrato de seguro não dava cobertura a danos por água.
Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a ação improcedente, absolvendo as RR do pedido e condenando as AA como litigantes de má-fé em vinte e cinco UCs de multa.
Inconformadas com essa decisão as AA dela interpusera recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação, a condenação da 1.ª R ou subsidiariamente do 2.º R em indemnização a favor das apelantes, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
A. A sentença recorrida enferma de erros de apreciação da matéria de facto e da prova produzida, pelo que as Recorrentes não se conformam com a decisão proferida.
B. Designadamente, quanto à matéria de facto dada como provada, cujo juízo de valor não deveria e salvo melhor opinião, não poderia ter sido o plasmado pelo Tribunal a quo, com prejuízo das Recorrentes.
C. Resultando no erro de avaliação do ónus da prova e presunções legais associadas, avaliado criticamente a prova produzida de forma isenta e desprovida de juízos pré - concebidos.
D. O nosso ordenamento jurídico postula a livre apreciação de prova, mas de forma objectiva, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos. E. Verifica dualidade de critérios e no que concerne à Recorrente uma certa desconsideração e preconceito, naquilo que lhe fosse favorável.
F. A Recorrente nas suas declarações de parte afirma com clareza os danos, o aspecto que o imóvel tinha, bem como afirmou que aquela era a casa onde desde sempre os seus pais viviam, e que iam a Sertã sim passar uns dias, sem o ocultar.
G. De facto, se a realidade fosse, efetivamente, a de que todas as declarações favoráveis ao próprio declarante não correspondem à verdade, então a prova por declarações de parte não teria qualquer razão de ser, sendo censurável um juízo prévio desta natureza.
H. Este meio de prova não deve ser previamente desprezado nem objeto de um estigma precoce, sob pena de perversão do intuito da lei e do princípio da livre apreciação da prova.
I. De igual forma, os testemunhos de Aurora …, amiga da 1ª Autora e Carla …, moradora no prédio, são valorados de forma diferente, sem motivo aparente.
J. Não se entende a desconsideração da amizade já longa, conjugado com tomarem café quase todos os dias da testemunha Aurora … quanto ao facto de aquela ser a residência permanente da 1.ª Recorrente
K. Não se aceite que o mero abrir e fechar estores fosse indicativo que não morassem lá
L. Tanto que a testemunha Manuel António … afirma que “os estores na frente estavam sempre fechados ”
M. A morada fiscal da 1.ª Recorrente é a do locado em crise.
N. Nesta conformidade não podia ser outra a conclusão que o facto 10 dado como não provado deveria ter sido dado como provado e, consequentemente, ser reapreciada a indemnização por privação de uso do imóvel
O. Essa privação constitui um facto gerador da obrigação de indemnizar, nos termos consentidos pelo artigo 1305º do Código Civil.
P. O que impunha a alteração da matéria de facto designadamente quanto ao ponto L dos factos provados e consequentemente o n.º 10 dos factos não provados
Q. Pelo que se torna imprescindível a reapreciação da matéria de facto, deste ponto e dos demais que infra se identificarão, com a respectiva alteração e, consequente revogação da douta sentença proferida.
R. O nexo causal entre o facto e o dano ficou inexoravelmente provado.
S. O Tribunal a quo não logrou fundamentar o quantum dos danos existentes, por julgar erroneamente improcedente a acção.
T. Inexiste confissão, por parte das Recorrentes quanto ao 2.º Réu Condomínio
U. A confissão em articulado como aqui é configurada pelo Tribunal a quo não operou
V. A confissão sempre seria, por isso, inadmissível, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 354° alínea c) do Código Civil.
W. A confissão judicial, não se confunde com a simples alegação de um facto feita pelo mandatário da parte em articulado processual.
X. Distrate não poderia ser a confissão tida com força probatória plena caso não fosse aceite na sua totalidade e de forma expressa inequívoca, o que não foi.
Y. No limite sempre se trataria de uma suposição, condição, que não se veio a verificar no decurso do julgamento.
Z. 1º. O que revela falhas no dever de cuidado, zelo e vigilância do bem, que conduziria sempre a responsabilidade sobre o facto.
AA. As Recorrentes, por mera cautela, expressamente retiram a confissão alegadamente feita, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 465°.2 do Código de Processo Civil.
BB. Não foi afastada a presunção que alude o art.º 493º do Código Civil.
CC. Constitui dever do Condomínio proceder à vigilância da coisa comum.
DD. Se as águas infiltradas provinham da canalização das águas residuais que constitui parte comum do prédio, nos termos do art. 1421 nº 1 d) CC, incumbia à Administração do Condomínio proceder à sua vigilância e assegurar a sua manutenção.
EE. O Réu Condomínio não agiu de acordo com os cânones pelos quais se deve pautar a conduta de um bonus pater familias.
FF. Por se tratarem amíliastas de esgoto entende-se que há especial dever de vigilância, pela perigosidade dos resíduos.
GG. A omissão do Réu Condomínio concorre para o acontecimento que causou danos,
HH. Pelo que não se pode tout court considerar afastada a presunção de culpa – na forma de negligência.
II. 5º. Atendendo à prova produzida o Réu Condomínio não cumpriu a sua obrigação de vigilância e manutenção.
JJ. A canalização não cumpriu a sua função intrínseca, padecia, de vício ou anomalia, que devia ter sido vigiado pelo Réu Condomínio
KK. A vigilância demanda a atitude, a acção, a atenção, o cuidado.
LL. Pugna-se pela alteração da matéria de facto neste ponto E), dando de igual forma como provada a não elisão da presunção de culpa presente no 493º do Código Civil
MM. Destrate as Recorrentes celebraram um contrato de seguro multirriscos com a 1.ª Ré.
NN. As Recorrentes não tinham conhecimento directo e imediato do contrato de seguro e cláusulas, OO. Não omitiram a junção das cláusulas, por não as possuírem é que solicitam a sua junção pela 1.ª Ré
PP. O que não se adequa com a conduta de omissão imputada.
QQ. O contrato inicial data de 1981, tratado directamente pelo Sr. João ... sem a esposa ou a filha que era uma criança à data.
RR. As cláusulas juntas aos autos não foram comunicadas ao Tomador – João ....
SS. As Recorrentes apenas sabem que existia contrato de seguro e a convicção que marido e pai tinha sobre as coberturas do mesmo.
TT. Foi o falecido que comunicou à 1.ª Ré o sinistro, convicto que o contrato que celebrou em 1981 incluía a indemnização pelos danos causados pelo entupimento da coluna de esgoto do prédio.
UU. Não pode considerar que o pagamento do seguro é igual ao direito/dever de informação que a 1.ª Ré estava adstrita.
VV. A declaração negocial do Falecido tomador do seguro, sempre transmitiu é a de que os danos verificados estavam cobertos pelo contrato de seguro multirriscos.
WW. Facto que não foi valorado pelo Tribunal a quo.
XX. As cláusulas contratuais de um contrato de seguro multirriscos, estão submetidas ao regime do Decreto-Lei n.º 446/85 de 25 de Outubro.
YY. Alega a 1.ª Ré que inexistem cláusulas particulares pelo que será de considerar que toda e qualquer cláusula apresentada é cláusula geral e todas elas contratadas com a adesão ao contrato de seguro.
ZZ. Para interpretar as declarações negociais constantes das cláusulas gerais do contrato há que fazer apelo às regras estabelecidas nos artigos 236º e segs. do Código Civil, nomeadamente, à teoria da impressão do destinatário
AAA. Sendo as cláusulas contratuais ambíguas deve prevalecer, na dúvida, o sentido mais favorável ao aderente.
BBB. A vontade real do declarante considerado como pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração que pretendesse assegurar o risco de um entupimento da canalização, logo contratando um seguro nesse sentido
CCC. Se aderiu às condições gerais, no documento junto pela 1.ª Ré os danos por água estão incluídos nas coberturas base.
DDD. O corpo do texto da própria cláusula, assim, o menciona “…destas Condições Gerais”,
EEE. Interpretando como declaratário normal é considerar que esta incluída nas condições gerais que todo e qualquer segurado assina e adere.
FFF. Não existem dúvidas que o objecto do contrato de seguro é a habitação do Recorrente, e que os danos consequentes do entupimento da coluna de esgoto não estão excluídos das coberturas contratas.
GGG. Assim, impunha a alteração da matéria de facto designadamente quanto ao ponto k).
HHH. Os prejuízos sofridos pelo Recorrente, foram consequência directa do entupimento
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