Acórdão nº 2075/20.7T8VFR-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-06-26

Ano2023
Número Acordão2075/20.7T8VFR-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 2075/20.7T8VFR-A.P1
Processo da 5ª secção do Tribunal da Relação do Porto (3ª Secção cível)
Tribunal de origem do recurso: Juízo de Família e Menores de Santa Maria da Feira - Juiz 2

Relatora: Des. Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Des. Teresa Maria Sena Fonseca
2º Adjunto: Des. Maria de Fátima Almeida Andrade




Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto


Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO

Recorrente: AA
Recorrida: BB

BB instaurou a presente ação declarativa de condenação, com forma de processo comum, contra o seu ex-cônjuge, AA, pedindo a condenação deste a pagar-lhe, a título de alimentos, a importância mensal de €360,00 (trezentos e sessenta euros), alegando, para tanto e em síntese, que ela e o réu contraíram casamento aos 21.02.1971 e se divorciaram em 27.09.2021, sendo que em solteira trabalhava como operária fabril mas depois de casar deixou de trabalhar e não mais exerceu qualquer atividade remunerada, passando a ocupar-se da vida doméstica, do cuidado dos três filhos e do cultivo da horta do casal, dedicando-se o Réu à sua carreira profissional. No decurso do casamento, o réu emigrou para a Alemanha, onde esteve durante dezasseis anos, regressando depois a Portugal, para a casa de morada de família, sita em ..., ..., continuando a caber à autora cozinhar para todos, limpar, tratar da roupa, ir buscar lenha e cultivar a horta, até que, aos 05.02.2020, o demandado saiu do domicílio conjugal, não mais regressando, tendo, a partir daí, o mesmo cessado qualquer contribuição para as despesas da casa e o sustento da autora, que nasceu em .../.../1951 e tem de escolaridade a quarta classe, encontrando-se reformada há mais de três décadas (primeiro por invalidez e depois por velhice) e não consegue arranjar uma atividade profissional que lhe permita auferir rendimentos, nem se afigura razoável que tal venha a suceder no futuro, sendo que, desde 05.02.2020, tem sobrevivido da sua reforma, no valor mensal de €287,00, e da ajuda e caridade de terceiros, pois que para a satisfação das necessidades básicas, que densifica, com gastos de €643,64, a sua reforma é insuficiente e não tem outras fontes de rendimento, tendo o réu possibilidade de lhe prestar alimentos, já que aufere, todos os meses, o montante global de €1.123,89.
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O Réu contestou pugnando pela improcedência da ação, pois que nem a autora necessita de alimentos nem ele tem condições de os prestar.
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Fixou-se o valor da causa e foi proferido despacho destinado a identificar o objeto do processo e a enunciar os temas da prova.
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Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença com a seguinte parte dispositiva:
“Julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, em consequência do que:
1. Condeno o réu a pagar à autora a quantia mensal de €280,00 (duzentos e oitenta euros), a título de alimentos definitivos, importância essa que lhe deverá entregar, através de qualquer meio idóneo de pagamento, até ao dia 8 (oito) de cada mês.
2. Declaro que a prestação referida em 1) é devida a partir da data da instauração da presente acção e decido que a mesma será anualmente actualizada, em Janeiro, em função da taxa oficial da inflação, condenando o réu a proceder em conformidade.
3. Condeno a autora e o réu no pagamento das custas, na proporção do decaimento de cada um deles, que fixo em 23% para a autora e em 77% para o réu”.
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Apresentou o Réu recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a decisão e substituída por outra que, reapreciando a prova gravada, julgue improcedente a ação e absolva o Recorrido do pedido com base nas seguintes
CONCLUSÕES:
“1. A sentença proferida em primeira instância nos presentes autos, no dia 01 de Dezembro de 2022, que julgou a ação parcialmente procedente deve ser revogada, substituindo-se por outra que julgue a ação totalmente improcedente, por não provada.
2. Da prova produzida, entende a Recorrente que o Tribunal deveria ter dado como provados o ponto 18, com a seguinte redação: Dispõe do prédio que constituiu a casa de morada de família, onde reside, que recebeu em herança dos seus pais, tendo a quota-parte que cabia ao seu irmão no referido prédio sido comprada pela autora e pelo réu na constância do casamento, prédio esse susceptível de ser arrendado no todo ou em parte por um valor mensal entre €400-€500.
3. O ponto 19 da matéria de facto deveria ter sido dado como provado com a seguinte redação: A autora cria animais, nomeadamente galinhas, e cultiva vegetais, para consumo próprio e para venda a terceiros com lucro, com os gastos inerentes, cujo montante mensal se cifra em cerca de € 14,90 para os animais.
4. Resulta do depoimento da testemunha CC que a recorrida cuidava do campo e sempre teve galinhas coelhos e daí retirou proveitos e algum lucro, pelo que deveria ter sido dado como provado o ponto f) da matéria de facto.
5. Assim, os factos provados que constam dos pontos 18) e 19) deveriam ter a redação que consta das conclusões 2 e 3 e por outro lado, os pontos f) da matéria de facto não provada, deveriam ser dados como provados em face dos depoimentos das testemunhas DD e CC.
6. Impõe-se, perante tudo o que fica dito, uma reapreciação da prova gravada em sede de audiência final, decidindo-se sobre a matéria de facto considerada provada em conformidade com tal reapreciação e à luz dos apontamentos ora avançados, os quais demonstram, sem margem para dúvidas, que houve factos que foram considerados provados sem que a prova produzida sustentasse devidamente tal conclusão ou de forma diversa daquela factos não provados que, salvo melhor opinião, deveriam ter sido.
7. Deve, por isso, proceder-se à reapreciação da prova gravada nos termos melhor descritos acima.
8. No caso concreto, a recorrida não demonstrou quais os seus gastos efetivos, apenas se sabendo quanto ganha e que possui despesas de com alimentação, água, gás, electricidade, televisão e telefone, em montantes não concretamente apurados, desconhecendo-se se as despesas são superiores ao valor da sua pensão reforma, de 299,97 euros.
9. Por outro lado da prova produzida resulta que recorrente tem despesas mensais fixas comprovadas de montante elevado, pelo que a sua reforma é insuficiente para prover ao seu sustento e ainda auxiliar financeiramente a recorrida.
10. Não deverá o recorrente ficar obrigado ao pagamento de qualquer pensão de alimentos, nomeadamente de 280,00 euros, inclusivamente por motivos de equidade, tendo em atenção que a sua ex-cônjuge já antes do casamento não exercia qualquer actividade profissional remunerada.
11. A decisão final se fundou numa incorrecta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis.
12. Termos em que deve ser revogada a sentença recorrida na parte em que julgou parcialmente procedente a ação, sendo substituída por outra que determine a improcedência da ação, com as legais consequências.
13. A sentença recorrida violou os artigos 2004º, 2009º, 2016º e 2016º-A do CC e não está fundamentada, devendo ser revogada, absolvendo-se o apelante de tudo o peticionado nos autos”.
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Apresentou-se a Autora a responder pugnando pela improcedência do recurso, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
“I. Recorrente e recorrida foram casados durante cinquenta anos. O recorrente foi agora condenado a pagar, à recorrida, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de €280,00. Concretizando-se tal pagamento, num país onde a retribuição mínima mensal garantida é de €760,00, a recorrida terá de sobreviver com €579,97 por mês. Ao recorrente, ainda restarão €865,92.
II. Quando interposto recurso da decisão sobre a matéria de facto, só formando, o tribunal ad quem, acerca dos factos em apreço, uma convicção firme e segura de que, quanto aos mesmos, existiu um erro de julgamento - não bastando um entendimento divergente – lhe cumpre modificar a decisão recorrida. É este o sentido do preceituado no n.º 1 do art. 662.º do Cód. de Proc. Civil.
III. A respeito da requerida alteração da decisão que recaiu sobre o facto provado n.º 18 da douta sentença, o depoimento de DD, parcialmente transcrito nas alegações de recurso, é completamente conclusivo e especulativo. Também não se vislumbra, na parte do depoimento da testemunha CC que o recorrente indicou, uma única palavra sobre o “anexo habitável” e respectivo arrendamento.
IV. A respeito da requerida alteração da decisão que recaiu sobre o facto provado n.º 19 e o facto não provado da al. f), ambos da douta sentença, o depoimento de DD, parcialmente transcrito nas alegações de recurso, ficou-se pela alegação de que a recorrida tem “galinhas, porcos e coelhos”, nada tendo referido sobre a venda de vegetais e animais. Quanto a CC, a testemunha referiu, no seu depoimento parcialmente transcrito nas alegações de recurso, não ter qualquer contacto actual com a sogra, ora recorrida, reportando-se apenas a episódios passados, sem qualquer relevância nesta sede.
V. Como se menciona da douta sentença, reportando às testemunhas inquiridas, «nenhuma delas primou pela total isenção, evidenciando, em geral, discursos emotivos e parciais, tentando descrever um quadro de vida mais ou menos positivo consoante o que se lhes afigurava favorável à defesa dos direitos da parte que as havia indicado». O DD e a CC, em concreto, «em muito pouco contribuíram para a formação da convicção do Tribunal» - cfr. págs. 9 e 10 da sentença.
VI. Pelo que os meios probatórios indicados pelo recorrente são manifestamente insuficientes para impor uma decisão diferente da que foi adoptada pelo Tribunal em relação aos factos provados n.ºs 18 e 19 e o facto não provado da al. f), todos da douta sentença.
VII. A conclusão n.º 8 do recurso deve improceder: as despesas da autora constam dos factos provados n.ºs 19 a
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