Acórdão nº 2065/20.4T8LRS.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-05-25

Data de Julgamento25 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão2065/20.4T8LRS.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO.

1–MBC, autor/apelante nos autos em que é ré/apelada Companhia de Seguros, SA, notificado do acórdão desta Relação proferido nos autos a 26/01/2023 e, com um voto de vencido, confirmou a decisão da 1ª instância que julgar a acção improcedente e absolveu a ré do pedido, veio interpor recurso de Revista Normal e, subsidiariamente, recurso de Revista Excepcional.

Na alegação e nas Conclusões argui a nulidades do acórdão de 26/01/2023, formulando, no que interessa, as seguintes CONCLUSÕES:
19)–IV–Das nulidades do Acórdão recorrido: no Acórdão recorrido não se procedeu a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efetuou uma incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto, nomeadamente as supra expostas, sofrendo o Acórdão recorrido de nulidade por violação do disposto nas al. c) e d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, nulidade que aqui se invoca, com todos os efeitos legais;
20)–Pela Relação não foi prolatado o Despacho de aperfeiçoamento nos termos do artigo 639.º, n.º 3 CPC, fundamentando-se, ainda, a presente Revista na invocação das nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º CPC (artigo 674.º 1, c) CPC);
21)–No Acórdão recorrido não se fundamentou de facto e de direito a sua decisão e a Lei proíbe tal comportamento, violando-se, no Acórdão recorrido, o disposto nas alíneas b), c) e d) do artigo 615.º do CPC, uma vez que não apreciou a
totalidade das questões como o deveria ter feito, sendo por esse facto nula, tanto mais, que o direito do Recorrente é um direito legal e constitucional.
***

IIFUNDAMENTAÇÃO.

Segundo o recorrente o acórdão padece de três causas de nulidade, previstas, respectivamente, nas alíneas b), c) e d) do artº 615º nº 1 do CPC porque, invoca, “…no Acórdão recorrido não se procedeu a uma correta interpretação dos elementos constantes dos autos, da prova produzida em sede de audiência de julgamento, bem como se efetuou uma incorreta interpretação e aplicação das normas jurídicas aplicáveis ao caso em concreto…” (conclusão 19ª). E que “…não foi prolatado o Despacho de aperfeiçoamento nos termos do artigo 639.º, n.º 3 CPC…” quanto à impugnação da matéria de facto (conclusão 20ª). E que “…o Acórdão recorrido não se fundamentou de facto e de direito a sua decisão…(conclusão 21ª).
Vejamos.
Em primeiro lugar, convém esclarecer que para efeitos do artº 615º nº 1, al. b), a sentença/acórdão será nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Para efeitos da norma, a falta de fundamentação susceptível de consubstanciar a nulidade da sentença/acórdão ocorre apenas quando se verifica uma falta absoluta de fundamentos, quer de facto quer de direito. A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade da sentença, apenas afecta a sua valia doutrinal, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso. (Cf. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8ª edição, pág. 53).

Por sua vez, para efeitos da al, c) do nº 1 do artº 615º do CPC a nulidade da sentença/acórdão por contradição entre os fundamentos e a decisão, ocorre quando se verifica uma contradição real entre os fundamentos invocados e a decisão alcançada: a decisão é viciosa por os fundamentos referidos pelo juiz/colectivo conduzirem, necessariamente, a uma decisão de sentido oposto ou diferente (Cf. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo civil, 8ª edição, pág. 54).

Quer dizer, quando a norma, no artº 615º nº 1, al. c), refere contradição entre os fundamentos e a decisão, está a referir-se aos fundamentos jurídicos, aos elementos e passos do raciocínio jurídico que o juiz foi explanando na fundamentação da sentença. Isto é, o erro de contradição relevante reporta-se raciocínio que o juiz/colectivo foi expondo na sentença/acórdão: o julgador segue determinada linha de raciocínio que, em termos lógicos, aponta para uma determinada conclusão mas, em vez de a tirar decide noutro sentido, oposto ou divergente. (Cf. Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum, pág. 298).

Aliás, em recentes acórdãos do STJ, publicados em www.dgsi.pt, pode confirmar-se esse entendimento:
IV–A nulidade prevista na al. c), do nº 1, do artigo 615º, do CPC sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença, só se verificando quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído (acórdão do STJ, de 20/05/2021, Maria do Rosário Morgado, Proc. 1765/16)
I. — A oposição entre os fundamentos e a decisão corresponde a um vício lógico do acórdão — se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença.
II.— Enquanto vício lógico, a oposição entre os fundamentos e a decisão distingue-se da errada interpretação de uma determinada disposição legal, sindicável em sede de recurso. (acórdão do STJ, de 20/05/2021, Nuno Pinto Oliveira, Proc. 281/17 e Proc. 69/11).

Por sua vez, quando no artº 615º nº 1, al. d) do CPC, se comina com nulidade a sentença/acórdão, em que o juiz “…deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…” está a referir-se às questões que constituem o objecto da sentença ou do acórdão. Na verdade, o artº 615º nº 1, al. d) deve ser conjugado com o artº 608º, relativo às questões a resolver na sentença/acórdão. Essas questões, que se impõem ao juiz que resolva na sentença são, em primeira linha, por uma ordem de precedência lógica, as questões de forma (vícios de natureza processual, excepções dilatórias) susceptíveis de conduzir à absolvição da instância e consequente ineficácia do processo e que não tenham sido resolvidas no despacho saneador (artº 608º nº 1), quer tenham sido alegadas pelas partes, quer devam ser apreciadas oficiosamente. Depois e principalmente, o juiz aprecia e decide às questões de fundo, que constituem o mérito da causa, suscitadas pelas partes como fundamento do pedido ou como fundamento das excepções e, ainda, das que o juiz possa, rectius, deva conhecer ex officio (artº 608º nº 2). Na lição de Anselmo de Castro (Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 1982, Almedina, pág. 142)A palavra questões deve ser tomada aqui em sentido amplo: envolverá tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e à causa de pedir (melhor, à fungibilidade ou infungibilidade de umas e doutras) e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem.”.
Temos assim que as questões referidas no artº 608º nº 2 e, por conseguinte, a que se reporta o artº 615º nº 1, al. d), são as questões relacionadas com o mérito da causa, balizado pelo pedido deduzido (incluindo o reconvencional, quando o haja) e pela respectiva causa de pedir e pelas excepções peremptórias opostas. Assim sendo, qualquer falta de pronúncia do juiz sobre um determinado facto alegado pela parte, não constitui uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia.

Dito isto, vejamos o caso em análise.
Na conclusão 19ª o recorrente discorda da decisão sobre a impugnação da matéria de facto e discorda da interpretação e aplicação do direito.
Pois bem, salvo o devido respeito, esses “fundamentos”, rectius, discordância por banda do recorrente, não constituem causa de nulidade do acórdão.
Na verdade, como bem se esclarece no acórdão do STJ, de 23/03/2017 (Tomé Gomes),I.O não atendimento de um facto que se encontre provado ou a consideração de algum facto que não devesse ser atendido nos termos do artigo 5.º, n.º 1 e 2, do CPC, não se traduzem em vícios de omissão ou de excesso de pronúncia, dado que tais factos não constituem, por si, uma questão a resolver nos termos do artigo 608.º, n.º 2, do CPC.”.
Além disso, como bem
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