Acórdão nº 206/21.9T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 26-01-2023

Data de Julgamento26 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão206/21.9T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº206/21.9T8PRT.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível do Porto
Relator: Carlos Portela
Adjuntos: António Paulo Vasconcelos
Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
AA instaurou a presente acção declarativa com processo comum contra “Condomínio do Edifício ...”.
Para tanto e em síntese alegou ser proprietário de fracção autónoma habitacional situada no edifício do condomínio réu, fracção que integra, igualmente, um lugar de garagem.
Mais alegou ter dado conta que a tampa de uma chaminé situada no telhado do edifício caiu sobre veículo automóvel sua propriedade, que se encontrava estacionado naquele lugar de garagem.
Pede assim a condenação do réu no pagamento da quantia total de 6.967,00 €, acrescido de juros contados desde a citação
Isto porque tal montante se reporta ao custo da reparação do veículo, às quantias despendidas em aluguer de veículo de substituição, em transportes durante o período de imobilização e, bem assim, a indemnização a título de privação do uso da referida viatura.
Pede, igualmente, a condenação do réu a pagar-lhe compensação relativa aos transtornos causados pela indisponibilidade do veículo, bem como aos gerados durante a resolução da situação.
O réu contestou alegando que efectua regularmente acções de fiscalização sobre o edifício, sendo que a tampa em causa se encontrava, antes da queda sobre o veículo, em perfeitas condições de conservação e devidamente encaixada.
Mais referiu que o evento em causa ocorreu por força de tempestade e dos ventos fortes que nesse dia se fizeram sentir.
Impugnou, ainda, os danos que advieram ao A. a título de “privação do veículo”, bem como o dano decorrente do alegado transtorno causado pela situação em análise nos autos.
Pugnou, assim, pela improcedência da acção.
Mais peticionou a intervenção de “X..., SA”, para a qual havia transferido a responsabilidade pelos danos em apreço.
Foi admitida a intervenção desta entidade, a título acessório.
Contestou a “X...”, impugnando a totalidade dos danos alegados; mais referiu que o evento em análise foi provocado por fenómeno da natureza, sendo de excluir qualquer responsabilidade do “condomínio” na sua ocorrência.
Os autos prosseguiram os seus termos, com a prolação de despacho onde se saneou o processo, se definiu o objecto do litígio e se procedeu à selecção dos temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento no culminar da qual foi proferida sentença na qual se julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência, se condenou o réu Condomínio do Edifício ... a pagar ao autor AA:
- a quantia de 4.192 € (quatro mil, cento e noventa e dois euros), acrescida de juros, à taxa legal civil, a contar da data da citação e até integral pagamento; e
- a quantia de 1.525 € (mil, quinhentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros, à taxa legal civil, a contar da presente data e até integral pagamento.
Mais se absolveu o Réu dos restantes pedidos formulados pelo A..
*
O réu Condomínio veio interpor recurso desta decisão, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos as suas alegações.
O autor respondeu.
A ré X... veio interpor recurso subordinado.
Foi proferido despacho onde se considerou tempestivo e legal o recurso interposto pelo réu Condomínio.
No mesmo despacho entendeu-se que o recurso subordinado interposto pela ré X... não podia ser admitido por não ser legalmente admissível e interposto fora do prazo legalmente previsto.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho que teve o recurso do réu Condomínio como próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está definido pelo conteúdo das conclusões vertidas pelo réu/apelante nas suas alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o teor dessas mesmas conclusões:
I – Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls. ( ) proferida pelo Juízo Local Cível do Porto – Juiz 1, que julgou parcialmente procedente a acção de condenação proposta pelo Autor, condenando o Réu a pagar ao Autor:
- a quantia de 4 192 € (quatro mil, cento e noventa e dois euros), acrescida de juros, à taxa legal civil, a contar da data da citação e até integral pagamento; e
- a quantia de 1 525 € (mil, quinhentos e vinte e cinco euros), acrescida de juros, à taxa legal civil, a contar da presente data e até integral pagamento.
II – A douta sentença entendeu aplicar-se à matéria em discussão o disposto nos arts. 492.º e 493.º do Código Civil, ambos disposições que consagram presunções de culpa do lesante em benefício do lesado.
III – Caberia ao Réu, aqui Recorrente, como tal, demonstrar nos autos que os danos não ocorreram por culpa sua ou que os danos continuariam a verificar-se, ainda que não houvesse culpa.
IV – A douta sentença julgou como provado:
“24 – No dia 19-12-2019, na cidade do Porto, ocorreram rajadas de vento com a velocidade máxima de 90 kms/hora.
25 – A queda da tampa de uma das chaminés existente no telhado do edifício soltou-se por força do vento que então se fazia sentir.
26 – A R. efectua regularmente diligências de verificação do estado das chaminés em causa.”.
V – Ora, não pode exigir-se ao Réu, para prova do cumprimento do dever de vigilância, mais do que aquilo que fez: a verificação regular do estado das chaminés, com vista à sua reparação caso tal se mostrasse necessário.
VI – Não pode em caso algum exigir-se a um homem médio, responsável por manter o bom estado de conservação de um edifício, não só a verificação do seu estado e a realização das obras de manutenção necessárias; mas também a realização de obras que manifestamente não são necessárias.
VII – Não é verosímil pensar que o Réu – que envia propositadamente um funcionário à cobertura do prédio regularmente com o intuito de verificar o estado de conservação das chaminés –, caso verificasse ser necessária alguma reparação, simplesmente não faria a reparação devida,
VIII – A este respeito, veja-se o douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 01.07.2019, Proc.19413/18.5T8PRT.P1:“para efeitos de ilisão da presunção de culpa prevista no artigo 93º, nº1, do CC, (...)incumbe ao lesante demonstrar que nenhuma culpa lhe pode ser assacada ao nível da vigilância (...), ou seja, que a sua conduta é aquela que teria sido adoptada por um «bonus pater familias», ou seja, de um cidadão medianamente previdente, cuidadoso e diligente, sem se exigir, pois, uma actuação humana excepcional ou anormal, em face das circunstâncias concretas do caso.
Neste sentido, e como é pacífico, a culpa, seja ela sob a forma de dolo ou de negligência, exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias concretas do caso, podia e devia agir de outro modo, evitando, assim, através dessa conduta que lhe era exigível, a
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT