Acórdão nº 2047/20.1T8MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 09-03-2023

Data de Julgamento09 Março 2023
Ano2023
Número Acordão2047/20.1T8MTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. N.º 2047/20.1T8MTS.P1


Sumário.
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1). Relatório.
AA, residente na Rua ..., ..., ..., Matosinhos, propôs contra
BB, residente no Largo ..., Vila Nova de Gaia,
Ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo que se julgue procedente a ação, resolvendo contrato-promessa de compra e venda e, em consequência, se condene o Réu no pagamento do dobro do sinal por ela prestado, no valor de 20.000 EUR, acrescido de juros de mora.
A título subsidiário, pede que se condene o Réu no pagamento, a título de indemnização por responsabilidade civil contratual, o dobro do sinal por ela prestado, no mesmo valor.
O sustento do pedido é o incumprimento pelo Réu de contrato promessa de compra e venda de um imóvel em que a Autora surge como promitente compradora e o Réu como promitente vendedor.
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O Réu contestou, negando o incumprimento.
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Em novo articulado, a Autora pediu a condenação do Réu como litigante de má-fé em multa e indemnização em valor não inferior a 2 000 EUR, matéria que o Réu impugnou.
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Realizou-se audiência prévia, na qual foi proferido despacho saneador, elencando-se como:
- Objeto de litígio:
- «condenação do Réu a pagar à Autora a quantia de €20.000,00, a título de dobro do sinal, ou subsidiariamente a título de indemnização por responsabilidade contratual, acrescida de juros de mora, por incumprimento do contrato promessa de compra e venda de imóvel que com ela celebrou.».
E
Temas de prova:
«Contacto estabelecido entre a Autora e a imobiliária que representava o Réu no negócio em todas as diligências inerentes à celebração do contrato promessa de compra e venda.
Razão de ser da não realização da escritura no prazo previsto no contrato promessa.
Conhecimento do Réu e mediadora dessas razões.
Impossibilidade de essa imobiliária entrar em contacto com o Réu, antes e depois de 12/04/2019, não atendendo este as chamadas telefónicas, nem respondendo aos e-mails que aquela lhe enviou.
Período em que ocorreram essas tentativas de contacto
Imediata marcação da escritura pela Autora e da avaliação bancária após conseguir contacto com o Réu.
Datas da realização da avaliação bancária e da comunicação ao Réu da data da primeira escritura.
Comparência no cartório para realização da escritura no dia 20/09/2019.
Marcação de nova data para a escritura e sua comunicação ao Réu.
Comparência no cartório para realização da escritura em 18/06/2019.
Falta de informação pelo Réu de que tinha vendido o imóvel a terceiros.».
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Realizou-se julgamento, tendo sido proferida sentença em que julgou a ação integralmente procedente e, em consequência, se decidiu:
Declarar resolvido o contrato promessa celebrado entre as partes em 30/10/2018, descrito no ponto 3 dos factos provados.
Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de 20.000 EUR, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento.
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Inconformado, recorre o Réu, formulando as seguintes conclusões:
«1. Por sentença proferida em 30/06/2022, o Tribunal “a quo”, declarou resolvido o contrato promessa celebrado entre as partes em 30/10/2018, descrito no ponto 3 dos factos provados e condenou o Réu a pagar à Autora a quantia de €20.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação, até efetivo e integral pagamento.
2. A convicção do tribunal “a quo” resultou da apreciação conjugada de toda a prova produzida, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.
3. Entende a Ré, ora Recorrente que houve erro de julgamento do tribunal “a quo”.
4. O Tribunal “a quo” deu como provado que as partes celebraram um contrato promessa em 30 de outubro de 2018 - ponto 3 dos fatos provados;
5. O Tribunal “a quo” deu como provado que nesse contrato promessa as partes fixaram um prazo de 120 dias para a celebração da escritura definitiva de compra e venda - ponto 5 dos fatos provados.
6. O Tribunal “a quo” deu como provado que a Autora entregou ao Réu a quantia de 10.000,00€ a título de sinal na data da celebração do contrato promessa – ponto 7 dos fatos provados.
7. O prazo de 120 dias acordado pelas partes expirou no dia 28 de fevereiro de 2019.
8. No dia 12 de abril de 2019, o Réu enviou á Autora carta registada com aviso de receção, em que a interpelava para proceder á marcação da escritura de compra e venda, no prazo de 20 dias sob pena de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida – ponto 10 dos fatos provados.
9. O prazo de 20 dias expirou no dia 6 de maio de 2019.
10. A Autora marcou a escritura de compra e venda para o dia 20 de maio de 2019.
11. As partes celebraram entre si um contrato-promessa bilateral, de natureza formal, com entrega de sinal e cujo clausulado se encontra plasmado no doc. 1 junto com a petição inicial (ponto assente entre ambas as partes).
12. Nos termos dos artigos 441º e 442º do Código Civil, "toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor, ainda que a título de antecipação ou princípio de pagamento do preço". e “se quem constitui o sinal deixar de cumprir a obrigação por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente a faculdade de fazer sua a coisa entregue”.
13. Não tendo sido celebrada a escritura pública até ao dia 28 de fevereiro de 2019, e tendo essa obrigação da Autora prazo certo, esta ao não marcar a escritura pública até essa data, incumpriu a obrigação que assumiu com o Réu.
14. Esse incumprimento presume-se culposo, atenta a presunção de culpa que incide sobre a Autora, nos termos do disposto no artigo 799º nº 1 do Código Civil.
15. Entendeu o tribunal “a quo” e bem, que a Autora não ilidiu a presunção de culpa no incumprimento desta obrigação.
16. Um dos fundamentos legais para a resolução do contrato é o incumprimento da outra parte conforme o disposto no artigo 801º, n.º 2 do Código Civil.
17. A resolução do contrato tem, assim, nos termos da alínea d) do nº 1 do artigo 801º do Código Civil, de ser consequência, legal ou convencional, da violação negocial e não é admitida sem que a mora se converta em incumprimento definitivo, seja através de interpelação admonitória, seja pela verificação de perda, objetivamente considerada, do interesse do credor na manutenção do contrato conforme disposto no artigo 808º, n.os 1 e 2 do Código Civil.
18. No caso dos autos, estamos perante uma situação de mora da Autora, que não cumpriu a sua obrigação (de marcação da escritura pública de compra e venda) no prazo estipulado no contrato promessa (no prazo máximo de 120 dias a contar da data da celebração do contrato), devendo notificar o Réu para efeito, por carta registada com aviso de receção com, pelo menos, 15 dias de antecedência.
19. No nosso caso, estamos perante uma situação em que a obrigação tinha prazo certo (os tais 120 dias a contar da data da celebração do contrato), pelo que o Réu não carecia de interpelar a Autora para cumprir.
20. Na sentença recorrida, entendeu tratar-se de um prazo fixo relativo a determinar, como sucedeu no caso dos autos, a marcação de um novo prazo para o cumprimento.
21. O Réu procedeu a uma notificação admonitória, concedendo à Autora vinte dias para promover a celebração do contrato definitivo, (o contrato de compra e venda).
22. Independentemente da perda do interesse do credor, a lei permite que este, no caso de mora, fixe ao devedor um prazo razoável para cumprir, sob pena, igualmente, de se considerar impossível o cumprimento.
23. A interpelação admonitória exige o preenchimento de três pressupostos: a existência de uma intimação para cumprimento, a consagração de um prazo perentório, suplementar, razoável e exato para cumprir, e a declaração cominatória de que findo o prazo fixado, sem que ocorra a execução do contrato, se considera este definitivamente incumprido.
24. O Réu enviou à Autora a carta de 12 de abril de 2019, a fazer-lhe a interpelação admonitória e a conceder-lhe o prazo de 20 dias para a marcação da escritura pública para a celebração do contrato definitivo, sob pena de se considerar a obrigação como definitivamente incumprida.
25. Este prazo limite que o Réu fixou à Autora é um prazo especial, estipulado ad hoc.
26. Tem sido entendido pelo Supremo tribunal de justiça que o prazo é razoável se foi fixado segundo um critério que, atendendo à natureza e ao conhecido circunstancialismo e função do contrato, permite ao devedor cumprir o seu dever de prestar.
27. O tribunal “a quo” considerou que o prazo fixado para a marcação da escritura não era razoável, à luz das razões prescritas no artigo 808º do Código Civil e do princípio estabelecido no artigo 760º, n.º 2, do mesmo Código, pelo que não podia o Réu arrogar-se o direito de resolver o contrato.
28. Tal como resulta dos fatos considerados provados, o prazo que, na prática, foi concedido à Autora para a marcação da escritura não foi o prazo de 20 dias, mas de mais de 6 meses.
29. as partes convencionaram no contrato-promessa – datado de 30 de outubro de 2018, que a marcação da escritura pública de compra e venda do imóvel, objeto do contrato, seria celebrada por iniciativa da Autora, no prazo máximo de 120 dias a contar da data do contrato-promessa.
30. Tal prazo tinha terminado em 28/02/2019, sem que a Autora tivesse promovido a realização da mencionada escritura.
31. Em 12 de Abril de 2019, o Réu remeteu à Autora, (quase seis meses após a data da celebração do contrato promessa), uma carta, dando a saber à Autora que, decorrido todo este tempo, sem que tivesse promovido a realização da escritura, encontrando-se a Autora em mora desde 01/03/2019, ainda lhe concedia, ao abrigo do disposto no artigo 808º, n.º 1, do Código Civil, o prazo de 20 dias para que promovesse a celebração da escritura pública de compra, sob pena de o contrato ser considerado não cumprido.
32. O Réu em 07/05/2019, enviou à Autora nova missiva a
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