Acórdão nº 204/21.2T8MMV.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-04-12

Ano2023
Número Acordão204/21.2T8MMV.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE MONTEMOR-O-VELHO)

I – Relatório

1. AA, residente em ... instaurou acção declarativa contra BB e mulher CC, ambos residentes em ..., peticionando que os RR sejam condenados a:

- reconhecerem o A. como único dono e legítimo possuidor do prédio Rústico com o art. ...59º da Freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...19 e como parte integrante do Prédio Misto identificado nos arts. 1º e 3º da presente petição inicial;

- reconhecerem como parte integrante do referido prédio do A. a parcela de terreno usurpada, aludida e descrita nos arts. 23º, 24º e 25º da presente petição Inicial;

- consolidarem adequadamente as obras no telhado dos anexos do seu prédio Urbano, situados junto à eira e que confrontam a Poente com o prédio do A; de modo a fixarem adequadamente as telhas soltas e a retirarem as pedras e os tijolos que se encontram sobre as mesmas;

- consolidarem e isolarem adequadamente no muro que construíram de nascente para poente, as ligações dos blocos de cimento às vigotas de cimento armado, eliminando as aberturas ali existentes, de modo a impedirem a saída da água para o prédio do A. por aquelas aberturas;

- removerem a rede metálica de “malha - sol” situada do lado exterior Norte do muro de blocos dos RR., no prédio do A. e que impede a limpeza e manutenção do aceiro/valeiro e ali provoca acumulação de detritos;

- removerem a vedação por eles RR instalada desde o fim do seu muro de blocos até à Vala Nacional a Poente;

- restituírem ao A. a parcela do seu terreno ilegitimamente ocupada pelos RR;

- reconhecerem que a linha da estrema entre o prédio rústico do A. e o prédio rústico dos RR é definida por uma linha recta que acompanhando, sempre, a linha exterior Norte do muro de blocos e vigotas dos RR, ao longo de toda a extensão deste e segue após o fim do muro, prolongando-se para Poente, sempre em linha recta, até à Vala Nacional;

- participarem e contribuírem para a Demarcação entre ambos os prédios, colocando-se, por acção conjunta de A. e RR, e fixando-se um marco em cimento, de tamanho acima dos três metros, na sequência da referida linha recta proveniente da face externa Norte do muro de blocos dos RR e por sobre esta, numa localização o mais aproximada possível da margem da Vala Nacional, de modo a que não fique sujeito aos aluviões que poderão alterar a sua posição/verticalidade;

- pagarem ao A. uma indemnização por danos não patrimoniais num montante nunca inferior a 6.000 €.

Os réus contestaram, invocando, além do mais, a excepção de caso julgado e a autoridade de caso julgado.

Alegaram, em suma, que no Julgado de Paz ... correu termos o processo 46/20..., proposto pelo autor, na qualidade de proprietário do prédio misto inscrito na matriz sob o art. ...55º urbano e art. ...59º rústico da Freguesia ..., contra os réus e a mãe do actual réu, relativamente aos prédios urbano com o art. ...14º e rústico com o art. 1660º, da mesma freguesia, na qualidade de proprietários, processo no qual os pedidos eram, na sua quase totalidade, iguais. A diferença quanto aos pedidos prende-se com o aditamento do pedido de uma acção conjunta para demarcação dos prédios com colocação dum marco, e do concreto valor indemnizatório aqui peticionado a título de danos morais (naquela acção 5.000 e nesta acção 6.000 €). Na acção que correu no Julgado de Paz os ora réus foram declarados parte ilegítima e a mãe do réu absolvida de todos os pedidos, com excepção de um, tendo a sentença já transitado em julgado, sendo que, desde então, apenas se alterou a propriedade dos prédios em causa, que agora é do réu por doação da sua mãe. No que concerne ao pedido de demarcação, novo pedido apresentado nos presentes autos, pressupondo o mesmo a procedência dos pedidos previamente formulados, e como eles foram desatendidos na referida acção, então também pela via da autoridade de caso julgado sempre o autor se encontraria impedido de aqui apresentar a mesma pretensão.

O autor respondeu, pugnando pela improcedência do arguido pelos réus, porquanto os réus não são os mesmos sujeitos que litigaram na acção que correu no Julgado de Paz, além de que na sentença ali proferida não resultou determinada qual a concreta estrema do prédio, sem o que não é possível proceder à demarcação pretendida.

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Em despacho saneador foi proferida decisão que:

1) julgou verificada a excepção de caso julgado e, em consequência, absolveu os RR da instância quantos aos pedidos apresentados nos 1º a 6º e 10º traços da p.i.;

2) julgou verificada a autoridade de caso julgado quanto aos demais e, em consequência, absolveu os RR dos restantes pedidos.

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2. O A. recorreu, concluindo que:

1. Considerando a exigência cumulativa dos três indicados pressupostos (Sujeitos, Pedido e Causa de Pedir), para que se consubstancie a concreta Situação de Caso Julgado e, por consequência, se decida pela absolvição da Instância;

2. No caso em apreço nos autos, não se encontram cumulados os três, exigíveis, pressupostos; Não coincidindo esses três, fundamentais pressupostos, no Processo ora em curso, com esses mesmos pressupostos no processo que com o n. º n.º 46/20..., correu termos no Julgado de Paz ...;

3. Pois; Embora possa considerar-se que são os mesmos os Sujeitos Processuais, no que tange à sua “qualidade jurídica”, a mesma Causa de Pedir, subjacente ao direito de propriedade do Autor;

4. Na verdade, os Pedido formulados, quanto à estruturação, materialização e substanciação da causa de Pedir são bem díspares em ambos os Processos;

5. Porque, embora em ambos os Processos o A. peça o Reconhecimento pelos RR. do seu Direito de Propriedade sobre o seu Prédio, apresentando os competentes títulos dos quais resulta a presunção da existência desse direito na sua esfera jurídica;

6. Enquanto no Processo do Julgado de Paz formula um concreto e específico pedido do reconhecimento desse seu direito, mas incluindo nesse pedido o reconhecimento pelos RR. Da propriedade da parcela terreno que considera usurpada;

7. No primeiro Pedido que formula nos presentes autos, cinge-se específica e concretamente, ao reconhecimento pelos RR. Do seu direito de propriedade, (do A.), sobre o prédio, apresentando os competentes títulos dos quais resulta a presunção da existência desse direito na sua esfera jurídica;

8. Excluindo, desse, concreto pedido – o primeiro – o reconhecimento pelos RR. da propriedade, (do A.) sobre a referida parcela;

9. Resultando da Lei do processo que os Pedidos são autónomos entre si;

10. Até para que possam ser deferidos ou indeferidos autonomamente, desde que não alternativos e/ou subsidiários;

11. Nada obstando a que, no saneamento dos autos, prossigam um ou uns sem os outros;

12. Sendo perfeitamente legal, possível e plausível, absolverem-se os RR. seja da Instância seja dos específicos pedidos, relativamente a um ou mais dos pedidos e fazerem-se seguir os Autos relativamente aos restantes;

13. E sabendo-se, sem reservas, que o Direito de Propriedade é um Direito real, ainda e também, constitucionalmente consagrado e protegido, não se concebe que não se permita que os Autos avancem, para a devida e preponderante apreciação do reconhecimento do Direito de Propriedade do Autor;

14. Assim sancionando a invocação pelos Réus do caso julgado, com fundamento da cumulação dos três, exigíveis, pressupostos regulados na lei Processual em dois ou mais processos distintos;

15. E assim impedindo a prossecução dos autos;

16. Quando essa “trilogia” não está presente;

17. Levará à específica limitação do A. no tocante à invocação do reconhecimento do seu direito de propriedade e à consequente violação do mesmo;

18. Devendo-se, pois, revogar essa douta Decisão e fazer prosseguir os autos, para apreciar o reconhecimento do direito de propriedade do A;

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19. Vem, ainda, a douta decisão ora impugnada considerar que são a mesma coisa o pedido de reconhecimento da propriedade e de demarcação;

20. Conceito, este, que não é aceitável;

21. Uma vez que o Pedido/direito à demarcação é, isso sim, uma derivação ou consequência do Direito de Propriedade, não existindo este último sem o primeiro;

22. Ou seja, considerando que, conforme se defendeu supra, no ponto II.1 que a acção devia prosseguir para julgar o pedido do A. de reconhecimento pelos RR. do seu Direito de Propriedade do prédio Descrito nos autos, titulado fiscal e registralmente no Registo predial, daqui resultando, para além de mais a presunção da titularidade do direito a favor do A;

23. Por Maioria de Razão deverá, prevalecer e prosseguir o pedido de demarcação, resultante e consequência da apreciação;

24. Sempre legitima, do reconhecimento do direito de propriedade do A;

25. É que, contrariando a relação que a douta Decisão estabelece entre a invocação do reconhecimento do Direito de propriedade e da restituição da parcela, alegadamente usurpada pelos RR;

26. Sub-rogando o primeiro à segunda, quando ainda que a “restituição da parcela” faleça, em consequência da autoridade do caso julgado – o que até se pode admitir, nada obsta a que seja, sempre, apreciado o pedido de reconhecimento do direito de propriedade do A. fundado nos títulos que exibe e no contexto dos mesmos;

27. Logo, devendo admitir-se por ser legal e derivar de um Direito Real – tendo por isso a mesma protecção legal – e sob pena de, doutro modo ser violado o Direito Real – de Propriedade – de forma ilegítima e abusiva; O PEDIDO DE DEMARCAÇÃO;

28. Devendo pois considerar-se que o Pedido do A. de reconhecimento pelo RR. do Direito de Propriedade daquele e o do seu Direito à Demarcação, derivado do Primeiro, não estão, de nenhum modo, dependentes da Autoridade do Caso julgado;

29. Devendo pois e por consequência, prosseguir os autos para apreciação e decisão sobre os mesmos;

- Entende-se terem sido violados pela douta decisão que ora se impugna, o Direito de Propriedade do A, limitando-lhe a defesa do mesmo e os...

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