Acórdão nº 204/20.0T8AMT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 05-04-2022

Data de Julgamento05 Abril 2022
Ano2022
Número Acordão204/20.0T8AMT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. nº 204/20.0T8AMT.P1
Comarca do Porto Este – Juízo Local Cível de Amarante
Apelação
Recorrente: AA
Recorrido: “D..., Unipessoal, Lda.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e João Ramos Lopes

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

RELATÓRIO
A autora “D..., Unipessoal, Lda.”, com sede no Lugar ..., ..., ..., intentou ação declarativa de condenação contra o réu AA (P...), com sede na Rua ..., ..., ..., Amarante, pedindo que o tribunal declare definitivamente resolvido e anulado o contrato de compra e venda celebrado entre a autora e o réu, referente ao veículo de marca Mercedes, modelo ... e matrícula ..-RP-.., devendo o réu restituir à autora a quantia de 13.000,00€, referente ao preço já pago (acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até efetivo e integral pagamento); subsidiariamente, que o réu seja condenado a substituir a viatura de matrícula ..-RP-.. vendida à autora, por outra de iguais características e isenta de defeitos e anomalias que a impeçam de ser utilizada para o fim a que se destina; também subsidiariamente, ser o réu condenado a restituir à autora parte do preço já pago pela compra da viatura de matrícula ..-RP-.., em quantia nunca inferior a 5.000,00€, correspondente ao valor previsível que a mesma tenha de suportar pela reparação integral dos defeitos e anomalias que a viatura padece e, por fim, cumulativamente, que o réu seja condenado a pagar à autora, a quantia de 5.000,00€, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo incumprimento contratual do réu, a arbitrar segundo juízos de equidade, acrescida de juros de mora desde a citação e até efetivo e integral pagamento.
Alega, para o efeito e em síntese, que no dia 13.4.2019 comprou ao réu o supra identificado veículo, no estado de usado e pelo preço de 13.000,00€, sendo que o réu sempre soube do destino que a autora ia dar à viatura em causa, tendo-lhe assegurado que a mesma, apesar de usada, não detinha qualquer problema ou anomalia, encontrando-se em perfeito estado de conservação e funcionamento, motivo pelo qual entregou, inclusive, à autora um certificado de garantia, através do qual acordou garantir pelo período de 12 meses, entre outros, a reparação gratuita ou substituição das peças do motor e da caixa da viatura.
Mais alega que a viatura em causa começou logo a apresentar os mais diversos defeitos, problemas e anomalias, inviabilizando assim o destino que a mesma, ao adquiri-la, lhe pretendia conferir tendo, nos finais de Abril de 2019, a autora comunicado ao réu que a viatura estava a perder óleo pela junta da admissão, não acendia a luz da resistência, tinha permanentemente acesa a luz do filtro de partículas e em circulação perdia força motriz.
Assim e sem prejuízo das diligências ocorridas entre as partes e das reparações que foram sendo feitas e que se encontram descritas nos autos, alega a autora que a viatura tem problemas e defeitos significativos ao nível do motor, diferencial e caixa de velocidades, o que tudo junto implica que o veículo perca abruptamente força motriz e fique impossibilitado de circular pelos próprios meios, problemas que não foram solucionados.
Tendo sido citado para o efeito, veio o réu apresentar a sua contestação, pugnando pela improcedência da acção.
Alega, em síntese, que se prontificou, desde logo, a verificar se o veículo tinha algum problema, tendo solicitado ao autor que entregasse o veículo na oficina indicada para o efeito, tal como deu ordem à oficina para que, em caso positivo, procedesse à sua reparação, nos termos garantidos, a expensas suas, o que sucedeu.
Mais alega que a autora, em pouco mais de 3 meses, fez cerca de 50.000 km na viatura, o que redundou numa utilização superintensiva, em média superior a 16 mil km por mês, pelo que tendo em conta que a carrinha foi comprada no estado de usada e que aquando da compra já contava com 11 anos, a utilização que a autora lhe deu acabou por levar a elevados desgastes que nem sequer se encontrariam abrangidos pela garantia que ambos contrataram.
Alega ainda o réu que tendo a autora efetuado tal quilometragem com o veículo, tinha necessidade de efetuar manutenções programadas que o réu desconhece por completo, mas que poderão ter tido influência na rápida degradação do veículo e que nunca o réu celebraria tal pacto de garantia com a autora se esta não lhe tivesse ocultado que pretendia efetuar transportes internacionais de mercadorias com aquele veículo.
Entende assim que a autora atua excedendo, claramente, os limites impostos pela boa-fé e, por isso, em abuso de direito.
Foi realizada audiência prévia, onde se proferiu despacho saneador com a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
Realizou-se audiência de julgamento com observância do legal formalismo e proferiu-se sentença que:
- Condenou o réu a pagar à autora a quantia de 3.000,00€ a título de redução do preço de compra de veículo;
- Condenou o réu a pagar à autora a quantia de 750,00€ a título de indemnização, acrescida de juros de mora contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento;
- Absolveu o réu do demais pedido.
Inconformado com o decidido interpôs recurso o réu, pedindo a revogação da sentença recorrida.
Nas contra-alegações a autora, para além de se pronunciar pela confirmação do decidido, entendendo que as conclusões do recurso interposto pelo réu são uma repetição integral da motivação apresentada, requereu que este fosse convidado a sintetizá-las, sob pena do recurso ser rejeitado.
O recurso foi admitido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo
Por despacho do presente relator de 19.1.2022 determinou-se a notificação do réu/recorrente para proceder ao aperfeiçoamento das conclusões da alegação de recurso, efetuando a sua sintetização, de acordo com o disposto no art. 639º, nºs 1 a 3 do Cód. do Proc. Civil.
O réu/recorrente respondeu ao solicitado tendo formulado as seguintes conclusões:
1. Pleiteou-se acerca da (in)existência de defeitos no veículo de marca Mercedes, modelo ..., com a matrícula ..-RP-.., adquirido em 13 de abril de 2019 no estado de usado pela Autora D..., Unipessoal, Lda. ao Réu AA. O Tribunal a quo julgou a ação parcialmente procedente, por provada, tendo condenado o Réu a pagar, à Autora, a quantia de 3.000,00€ (três mil euros), a título de redução do preço da compra do veículo, bem como o valor de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros), a título de indemnização, acrescido dos juros de mora contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento, absolvendo o Réu no demais pedido efetuado pela Autora, pelo que pretende o Réu, ora recorrente, ver reapreciada a matéria de facto e de direito que sustentou a decisão recorrida, pugnando pela sua revogação.
MATÉRIA DE FACTO QUE ATESTA O ABUSO DO DIREITO:
2. O Réu, empresário em nome individual, operava no giro comercial sob a designação de “P...”, dedicando-se à comercialização de veículos automóveis usados, sendo que a Autora, ora recorrida, era uma sociedade comercial que se dedicava, entre outras, à atividade de transporte rodoviário de mercadorias por conta de outrem (artigo 2.º dos factos provados). Quando, em 13 de abril de 2019, vendeu o veículo à Autora, este tinha 11 anos e uma quilometragem de 210.000 km´s – (Documento n.º 1 junto com a PI do Autor, em conjugação com o documento junto pelo Réu no requerimento que este apresentou via Citius em 9/11/2020 (Ref.ª Citius 6685906) e foi considerado pelo Tribunal a quo para a tomada de decisão (Ponto “III.III Motivação”, da sentença) “[Publicidade de venda do veículo, quanto às suas características, designadamente a quilometragem]”)
3. Em 7 meses de uso, o veículo fez 74.654 km, numa média superior a 10 mil quilómetros por mês. (Tal resulta do teor do documento junto em sede de audiência de discussão e julgamento, pela testemunha BB, tendo sido acolhido pelo Tribunal a quo no ponto “.III Motivação”, da sentença).
4. Assim, mediante uma utilização altamente intensiva da carrinha, em pouco mais de três meses de uso a Autora fez cerca de 50.000 km´s na carrinha (artigo 32.º dos factos provados), pelo que, necessariamente, mesmo com alguns problemas que foram surgindo com o veículo (artigos 10.º a 27.º dos factos provados), as reparações que o Réu lhe fez sempre foram aptas a colocar o veículo em condições de circular.
5. À prova documental que comprova a excessiva quilometragem que esta fez em apenas 7 meses, acresce a prova testemunhal prestada na audiência de discussão e julgamento, o que, no seu conjunto, nos indicia que a Autora atuou com abuso do direito, senão vejamos:
6. Na contestação do Réu, (Ponto C – Prova Documental), este requereu ao Tribunal que notificasse a Autora para “juntar comprovativos de toda a manutenção do veículo em causa nos autos, referente ao intervalo desde que o adquiriu ao Réu até ao presente momento (…)”. Tendo em conta que a Autora nada havia remetido aos autos até à Audiência Prévia de 14 de outubro de 2020, foi nesta diligência notificada para, em 10 dias, vir aos autos juntar os documentos, sendo que, através de requerimento de 26/10/2020 (referência citius 6648695), respondeu que, “no que se refere aos comprovativos de manutenção do veículo, a Autora nada tem a juntar aos autos, por não possuir quaisquer documentos a esse título, esclarecendo que o veículo foi por diversas vezes enviado à oficina contratado pelo Réu, para reparação, nos termos referidos na petição Inicial”.
7. Também a prova testemunhal prestada no dia 23 de junho de 2021 – cuja transcrição integral se anexa ao presente recurso, dele fazendo parte integrante - nos sugere a inexistência de prova consistente com uma manutenção prudente do veículo:
A) Legal representante da Autora CC (depoimento que se iniciou, conforme a respetiva ata, às
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