Acórdão nº 2037/23.2T8CBR-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-09-26

Ano2023
Número Acordão2037/23.2T8CBR-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE COIMBRA)
Relator: Carlos Moreira
Adjuntos: João Moreira do Carmo
Fonte Ramos

ACORDAM OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

AA, instaurou procedimento cautelar não especificado contra EDP COMERCIAL, Comercialização de Energia S.A e E-Redes, Distribuição de Eletricidade, S.A.

Requereu:

Seja ordenado às RR. para efetuarem a ligação da energia elétrica no seu local de trabalho, morada do escritório, com urgência.

Alegou, em síntese:

As requeridas procederam à interrupção da energia elétrica que serve o seu escritório de advogada,, sem comunicação escrita prévia e sem que se encontrasse no local.

Tal impede-a de atender clientes, o que lhe causa prejuízo.

As Requeridas deduziram oposição, dizendo, em síntese, que a requerente foi avisada do corte e que se recusa a permitir o acesso ao contador para permitir a sua substituição.

A 1ª Requerida invocou ainda a exceção da sua ilegitimidade passiva, tendo sido, por este motivo, absolvida da instância.

2.

Prosseguiram os autos os seus trâmites, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«Em face do exposto, julgo o presente procedimento cautelar procedente, por provado, e determino que a Requerida E-Redes, Distribuição de Eletricidade, S.A. proceda à ligação da energia elétrica no local sito na Rua ..., ... ..., no prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da notificação da presente decisão.

Custas pela Requerente, a atender na acção principal, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia – art. 539º n.º 1 do C.P.C.»

3.

Inconformada recorreu a requerida.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. Da discussão do julgamento da causa e da inspeção judicial realizada ao local, resultaram fatos que absolutamente relevantes para a boa decisão da causa e que não foram levados em consideração na sentença recorrida.

II. Conforme resulta da matéria de facto provada, os fundamentos que levaram à realização do corte de fornecimento de energia elétrica (o impedimento perpetrado pela própria Recorrida que impossibilitou à aqui Recorrente o acesso ao equipamento de medição de energia elétrica, instalado no interior do local de consumo em apreço) com vista à sua substituição.

III. O facto de a Recorrida reiteradamente impedir que a Recorrente (saliente-se: operadora da rede de distribuição de 39 energia elétrica) tivesse acesso ao equipamento de medição, não permitindo a sua substituição, já em momento anterior à última ação de corte de fornecimento de energia elétrica (14.03.2023) – que está em causa nos autos – já havido levado ao envio de diversas comunicações/avisos prévios à Recorrida, tendo inclusivamente conduzido à interrupções do fornecimento de energia elétrica naquele local de consumo.

IV. Não obstante, nunca à E-REDES chegou a ser permitido o acesso ao contador para que o pudesse substituir.

V. Mantendo-se a situação de facto que originou as interrupções de energia elétrica que tiveram lugar em momento anterior a 14.03.2023, o que resultou, então, na interrupção definitiva.

VI. Todos os factos foram oportunamente comunicados à Recorrida através de diversas comunicações previamente enviadas (e, inclusivamente, nas deslocações técnicas havidas ao local).

VII. Recaía sobre a Recorrida possibilitar o acesso ao equipamento de medição, do que tinha conhecimento desde 2015 (ou seja, há mais de 8 anos tal facto era solicitado e alertado pela Recorrente).

VIII. Mais, após o referido corte de fornecimento de energia elétrica, a Recorrida submeteu pedido de religação;

IX. Nessa esteira, no dia 21.03.2023 a Recorrente promoveu deslocação técnica ao local, contudo, uma vez mais, a Recorrida não permitiu o acesso ao contador com vista à substituição do contador;

X. Motivo pelo qual a Recorrente não pôde restabelecer o fornecimento de energia (cfr. doc. 18 junto à oposição e doc. 05 junto ao requerimento inicial (participação PSP)).

XI. Ou seja, não só a Recorrida acabou por provocar o corte de fornecimento de energia elétrica (que veio a ocorrer mais do que uma vez e pelos mesmos factos), como conduziu a que o mesmo se mantivesse.

XII. A este propósito destaca-se ainda o que em sede de audiência de julgamento foi dito pela testemunha arrolada pela Recorrente, BB (técnico que se deslocou ao local com vista a proceder ao corte em apreço, na impossibilidade de aceder ao contador (o que se veio a observar)) que, perguntado acerca da sua intervenção quanto aos factos em discussão nos autos, referiu que tinha uma ordem de serviço emitida pela Recorrente, em que ou era possibilitado o acesso ao contador instalado no local de consumo da Recorrida, ou, caso contrário, haveria que proceder à interrupção do fornecimento de energia elétrica. Chegado ao local verificou não se encontrar ninguém, tendo estabelecido contacto telefónico com a Recorrida, e que a mesma lhe referiu: [minutos 03:08 da gravação do depoimento desta testemunha] “…simplesmente disse que não estava presente, que nem sequer queria saber do assunto, para eu fazer o meu serviço como eu entendesse…”. [minutos 04:13 a 04:15 do depoimento desta testemunha] “…Ela disse que não ia estar presente e nem sequer nem sequer queria saber disso…”. [minutos 06:16 a 06:22 do depoimento da testemunha] “…Esse serviço já está há muito muito tempo com esse problema…” [minutos 06:55 a 06:58 do depoimento da testemunha] “Porque ela sempre negou a dar acesso ao contador para trocar o contador”.

XIII. Ou seja, sem prejuízo comunicações enviadas e ações de corte anteriores, no próprio dia em que foi efetuado corte a que se refere a Recorrida, através de contacto telefónico do técnico, esta soube que o mesmo estava prestes a ser executado, qual a razão e o que poderia fazer para que assim não sucedesse. Podendo, assim, evitar os tais “danos” ou “prejuízos” – cuja existência não se concebe – o que escolheu não fazer.

XIV. No que tange à deslocação técnica do dia 21.03.2023 (após o corte) de técnico ao serviço da Recorrente para efeitos de religação da instalação – naturalmente dependendo do acesso ao equipamento de medição – foi gerada uma ordem de serviço a pedido da Recorrida e com a mesma agendada. Circunstância em que a Recorrida se opôs novamente a que a Recorrente acedesse ao contador e precedesse à sua substituição. Facto que a Recorrida sabia que se traduziria na permanência de interrupção de energia elétrica

XV. Neste âmbito importa destacar o depoimento da testemunha arrolada pela Recorrente E-REDES CC que (para além de outras deslocações técnicas anteriores que fez à instalação) se deslocou ao local após o corte em apreço para realizar a religação (no dia 21.03.2023), repita-se; caso fosse disponibilizado o acesso ao contador: [00:03:30.00 da gravação do seu depoimento] “…estive com esta senhora mais que uma vez. Sim.” [00:03:44.87 da gravação do seu depoimento] “…não deixava mudar o contador.” [00:04:30.00 da gravação do seu depoimento] “…Fui o último lá ir e entretanto não, já não está religada,…” [00:06:21.05] da gravação do seu depoimento “…Exatamente isso, que assim eu só lhe ligaria a luz porque existia duas ordens de serviço. Existe a ordem de serviço para religar a energia e [00:06:30.00] a ordem de serviço para substituir o contador e onde uma se sobrepõe a outra, onde diz que só substituição iríamos religar energia caso houvesse substituição do contador…”.

XVI. O que igualmente demonstra a recusa reiterada e injustificada da Recorrida mesmo após a realização do corte.

XVII. Isto dito, preferiu a Recorrida manter a instalação sem energia elétrica do que permitir o acesso ao contador por parte da Recorrente – que é a operadora da rede de distribuição de energia elétrica, explora esse equipamento e a lei lhe confere a prerrogativa de acesso sob pena de corte de fornecimento de energia elétrica - do que franquear o acesso ao equipamento para substituição.

XVIII. Face ao que se acaba de expor, pode concluir-se com segurança que a iminência de sofrer a alegada “lesão” perspetivou-se pela Recorrida logo quando recebeu as comunicações enviadas pela Recorrente – tanto através de correio postal, como correio eletrónico –, onde a última oportunamente comunicou a necessidade de acesso e respetiva cominação (e também, no decurso das várias deslocações técnicas havidas ao local, bem sabendo da consequência de tais atos).

XIX. Por outro lado, ao contrário do que incumbiria à Recorrida, não foram devidamente alegados (e provados) prejuízos/danos.

XX. Desconhece-se, por manifesta falta de alegação e prova, se efetivamente a Recorrida deixou (ou não) de receber clientes no escritório; que impacto é que a ausência do fornecimento de energia elétrica teve – ou não – na sua atividade; se utiliza aquele escritório com regularidade; se durante o período em causa o encontraria a utilizar; se é o único escritório que possui…

XXI. Nesta esteira note-se que no artigo 3.º da petição inicial a Requerente confessa que apenas se apercebeu que a eletricidade havia sido cortada dias mais tarde do momento em que foi efetuado o corte.

XXII. Por outro lado, do depoimento da primeira testemunha por si arrolada, o Dr. DD, foi referido que a Recorrida não estará no escritório de segunda a sexta-feira (a minutos 03:22 a 03:29 do seu depoimento, afirma o seguinte: “não está, digamos, de segunda a sexta no escritório, vai fora também”).

XXIII. Mais, do depoimento desta mesma testemunha, concretamente ao minuto 05:32 a 05:41, é referido o seguinte: “eu disse [testemunha], olhe, quer alguma ajuda? Não eu já liguei, eu já telefonei, vou para Lisboa e depois na segunda feira faço lá a reclamação por escrito”.

XXIV. Destaca-se, ainda, que do depoimento da referida testemunha (Dr. DD), é pela mesma expressamente afirmado que colocou à disposição da Recorrida o seu escritório, o que a mesma terá declinado. (ao minutos 10:18 a 10:21 do seu depoimento é dito o seguinte: “Eu...

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