Acórdão nº 20344/21.7T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 14-03-2023

Data de Julgamento14 Março 2023
Ano2023
Número Acordão20344/21.7T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
Em 6.9.2021, A [… – Arquitetos, Lda. ] , com sede na a Rua de Campolide, Lisboa, Portugal, intentou, nos Juízos Centrais Cíveis de Lisboa, ação declarativa de condenação, sob a forma comum, contra B [… Lanzarote, SL ] , com sede em C/ León Y Castillo, Las Palmas, Espanha, pedindo que a R. seja condenada a pagar-lhe o montante indemnizatório que cifra em €461.691,75, acrescido de juros vencidos e vincendos, até integral pagamento.
A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese, que:
A é um dos mais reconhecidos gabinetes de arquitetura, em Portugal e no mundo.
No ano de 2017, a R. convidou a A. a elaborar um conjunto de 5 projetos de arquitetura a desenvolver na ilha de Lanzarote (Ilhas Canárias).
Em junho de 2017, a R. solicitou à A. para elaborar o projeto de arquitetura do Hotel PB, um Hotel de 5 estrelas localizado em frente ao mar, na zona de Playa Blanca; em fevereiro de 2019, a elaboração do projeto de arquitetura do Edifício A, que consistia na remodelação do edifício “M”, sito em Arrecife - Lanzarote, e na transformação do conjunto em áreas afetas à hotelaria, zonas de restauração, bares, supermercado e zona de venda de produtos da região; e, também em fevereiro de 2019, a elaboração do projeto de arquitetura de uma Quinta, sita em La Geria, que envolvia a remodelação e adaptação de uma casa e espaços de apoio em casa particular/turismo de habitação ou rural, incluindo áreas de arranjos exteriores.
Os estudos prévios destes 3 projetos – “Hotel PB”, “Edifício A” e “Quinta LG” – foram, numa fase inicial, entregues pela A. à R., que os analisou e aceitou, solicitando, consequentemente, a continuação dos referidos trabalhos.
Na sequência do desenvolvimento dos 3 projetos identificados, foi realizada uma exposição dos mesmos no atelier da A., em Lisboa, em novembro de 2019, tendo sido apresentados diversos desenhos e maquetes a diversas escalas, relativos a cada um dos 3 projetos.
Em paralelo com o desenvolvimento dos referidos projetos, a R., em maio/junho de 2020, solicitou à A. a elaboração de mais 2 projetos de arquitetura: a “Casa dos Cs” e a “Casa en frente a la Ig”.
Uma vez concluídos os trabalhos solicitados, a A., em 30 de julho de 2020, enviou à R., por via postal e por correio eletrónico, os Anteprojetos dos 5 projetos acompanhados das respetivas faturas pró-forma, num total de €88.937,06, correspondente a 10% do valor total dos projetos.
Na fase inicial do trabalho, a A. deu a conhecer à R. as estimativas de custos de cada uma das obras a realizar, as quais foram por esta aceites.
A R. apenas pagou um valor inicial de €6.000,00 correspondente ao pagamento do "estudo conceptual" do projeto do “Hotel PB”, nada mais tendo pago, apesar de interpelada para o fazer.
Perante o comportamento da R., e convicto da natureza e grau de desenvolvimento dos trabalhos realizados no âmbito dos 5 projetos em causa, a A., em abril de 2021, solicitou ao Colégio Oficial de Arquitetos das Ilhas Canárias, a emissão de parecer relativo ao estado/natureza dos trabalhos realizados pelo Autor relativos aos 5 projetos de Lanzarote, o qual, em 3 de junho de 2021, atestou que os trabalhos entregues correspondem, na prática a verdadeiros Anteprojetos e, pelas regras aplicáveis, o valor faturado deveria ter sido, não 10% do valor da obra a realizar, mas sim 21,75%, nuns casos e 25% noutros.
A A., na execução da prestação principal do compromisso firmado, prestou à R. os serviços de arquitetura por esta solicitados ao ter elaborado e entregue os Anteprojetos dos 5 projetos desenvolvidos na ilha de Lanzarote, devendo a R. ser condenada a efetuar o pagamento do valor devido, e formalmente reconhecido pelo Colégio Oficial de Arquitetos das Ilhas Canárias, pelos serviços de arquitetura cabalmente prestados, na quantia total de €461.691,75.
Citada, a R. contestou, para além do mais, por exceção, invocando a incompetência absoluta dos tribunais portugueses para conhecerem da ação, com a sua consequente absolvição da instância.
Convidado a pronunciar-se sobre a exceção deduzida, a A. nada disse.
Em 24.11.2022, foi proferido despacho que julgou procedente a exceção invocada, declarou a incompetência do tribunal em razão da matéria, e determinou a absolvição da R. da instância.
Não se conformando com o teor deste despacho, recorreu a A., formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
a) Através da sentença recorrida, veio o Tribunal a quo declarar-se incompetente em razão da nacionalidade, por entender que, à luz dos Regulamentos (CE) 44/2001 e (UE) 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, bem como da legislação nacional (em concreto, o artigo 71º/1 do CPC), o Tribunal competente para conhecer da presente ação é o tribunal do lugar do domicílio do Réu, ou seja, Espanha.
b) Estando perante um contrato plurilocalizado, é ponto assente – como tal claramente reconhecido na sentença recorrida – que, para efeitos de aferição da competência internacional do tribunal nacional, teremos de atender, em primeira linha, ao que resultar de convenções internacionais ou dos regulamentos europeus sobre a matéria (v.g. Regulamento (UE) nº 1215/2012, de 12 de dezembro) e, só depois, ao que dispuser a própria lei processual civil.
c) De acordo com o artigo 4º do referido Regulamento, a regra é o domicílio do réu ou demandado.
d) Regra esta que, naturalmente, comporta exceções, importando para o caso a que se encontra consagrada no artigo 7º/1/a) do Regulamento, que permite que as pessoas domiciliadas num Estado-Membro possam ser demandadas noutro Estado-Membro em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.
e) O artigo 7º/1, alíneas b) e c), do Regulamento dispõem que, para efeitos daquela disposição, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será, no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados.
f) Ora, mal andou o Tribunal a quo ao concluir que a situação sub judice não se enquadra em nenhuma das situações especiais descritas supra, em virtude de os imóveis objeto dos serviços de arquitetura prestados se situarem em Espanha.
g) Não podemos aceitar, porque equívoca, a peregrina tese militada na sentença recorrida quanto ao lugar do cumprimento das obrigações, no caso dos contratos de prestação de serviços e, por consequência, o entendimento assumido quanto à falta de competência dos tribunais portugueses para conhecer da presente ação.
h) Neste entendimento, o Tribunal recorrido opera como que uma adulteração da natureza e âmbito do contrato outorgado com as partes, e que consubstancia o objeto dos presentes autos.
i) Pois que, contrariamente ao arrogado na sentença recorrida, o contrato de prestação de serviços de arquitetura não inclui, entre as suas prestações principais ou acessórias, a “implementação”, “construção”, “edificação” dos imóveis projetados. Ela tem, sim, por obrigação característica a elaboração dos projetos de arquitetura, apenas: o que integra e define a sua natureza é o trabalho de preparação e projeção dos edifícios/imóveis, em papel, maquete física ou digital. Não é, importa notar, a execução dos edifícios ou imóveis projetados, porque essa será, sim, a prestação principal dos contratos de empreitada que se lhe seguirão, tipicamente.
j) Daí que, o local da prestação dos serviços de arquitetura, pela aqui Recorrente, não possa ser outro que não o local onde se situa o atelier de arquitetura da mesma, tendo sido este o local onde foram, efetivamente, elaborados e preparados todos os estudos e projetos de arquitetura solicitados pela Ré. Donde, o local do cumprimento da obrigação principal do contrato de arquitetura foi, não Espanha, mas sim Portugal.
k) Em razão do exposto, não restam dúvidas de que mal andou o Tribunal a quo ao julgar incompetentes os Tribunais portugueses para decidir a presente ação, sendo manifesto o erro de julgamento perpetrado na sentença recorrida relativamente à interpretação e aplicação do critério de determinação do lugar de cumprimento da obrigação previsto no artigo 7º/1, alínea b), do Regulamento.
l) Em termos que ditam a necessária revogação da sentença recorrida, com as legais consequências.
Termina pedindo a revogação da sentença recorrida, com as legais consequências.
A R. contra-alegou, pugnando pela improcedência da apelação, e manutenção da decisão recorrida, formulando as seguintes conclusões:
a. Vem o presente recurso interposto pela Autora, ora Recorrente, do despacho Saneador-Sentença proferido pelo Tribunal a quo em 24 de novembro de 2022, pelo qual julgou totalmente procedente a exceção de incompetência absoluta do Tribunal a quo em razão da nacionalidade, assim absolvendo a Ré, aqui Recorrida, da instância processual.
b. No entendimento da Recorrente o Tribunal a quo é internacionalmente competente para julgar os presentes autos, atento o disposto no n.º 1, alíneas a) e b) (segunda parte), do artigo 7.º do Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012 (doravante “Regulamento UE 1215”).
c. Para o efeito, veio a Recorrente alegar, precisamente, e em suma, que: i) estamos perante um “contrato de prestação de serviços de arquitetura”; e ii) “o local da prestação dos serviços de arquitetura (…) foi o atelier de arquitetura da mesma” [Lisboa].
d. Acontece que no âmbito e para efeito da aplicação do n.º 1 do artigo 7.º do Regulamento UE 1215, a classificação de uma relação contratual como de «prestação de serviços» ou de «compra e venda» – e consequente determinação do lugar do cumprimento –, não deve ser feita a partir das disposições e/ou da aplicação do nosso direito interno, mas, antes, a partir aferição da caraterística-nuclear e relevante da obrigação tal como
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT