Acórdão nº 202/21.6BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 2024-04-04

Data de Julgamento04 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão202/21.6BEALM
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acórdão

I. RELATÓRIO

C… – C… Logista Portugal, SA (doravante Recorrente ou Impugnante – que foi habilitada para prosseguir os autos em substituição da primitiva Impugnante C… Logista, S.A. S… - Sucursal) veio recorrer da sentença proferida a 16.02.2023, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto a liquidação de imposto do selo (IS) n.º 2020 6430000617 e a dos respetivos juros compensatórios, referentes ao ano de 2017.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“1. A Recorrente não se pode conformar com a sentença do TAF de Almada que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação de Imposto do Selo ao concluir pela existência de facto tributário à luz da verba 17.1 da TGIS.

2. No presente processo discute-se se a disponibilização de fundos no âmbito dos contratos celebrados entre a LOGISTA e a sucursal configura uma “operação de crédito” sujeita a imposto do Selo nos termos da verba 17.1 da TGIS ou, se, pelo contrário, conforme defendido pela Impugnante, se trata de meras alocações internas de fundos dentro de uma mesma entidade jurídica e, por isso, sem relevância tributária em sede de Imposto do Selo.

3. A argumentação do Tribunal a quo para julgar improcedente o argumento da inexistência de facto tributário assentou apenas na circunstância de: (i) os contratos estipularem uma remuneração, a calcular mensalmente tendo por base a taxa de remuneração prevista pelo BCE acrescido de um spread e, (ii) os contratos estabelecerem um foro específico (com renúncia a foro próprio das partes) em caso de divergência relativa à execução ou interpretação do contrato; daí retirando o Tribunal a quo a conclusão de que não se trata de meras alocações internas de fundos mas de “um financiamento” ou de “operação financeira que constitui facto tributário tributável à luz do art. 1º do CIS e da verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo” procurando assim subsumir os factos do presente processo à figura do mútuo.

4. A jurisprudência do TCA já decidiu de forma inequívoca que “no caso de financiamentos obtidos pela sucursal junto da sede não existe a figura de mútuo” e “que os pagamentos realizados pela impugnante à sua sede não configuram verdadeiros juros pagos ao abrigo de um contrato de mútuo”.

5. Face à jurisprudência consolidada do TCA sobre a qualificação dos financiamentos entre sede e sucursal para efeitos tributários, os financiamentos obtidos pela sucursal junto da sede não qualificam como mútuos e como tal não traduzem, como o Tribunal a quo erradamente concluiu, uma operação financeira de concessão/utilização de crédito que possa fundamentar uma liquidação de imposto do Selo como a que vem impugnada.

6. A estipulação contratual de uma remuneração contrapartida do financiamento, nos contratos celebrados entre a Impugnante, enquanto sucursal, e a sua sede, em ambos os tipos de contratos de empréstimo que estão em causa nos presentes autos, não constitui óbice à conclusão de que as operações sucursal-sede estão fora do âmbito de incidência objetiva da verba 17.1 da TGIS, uma vez que a ausência de personalidade jurídica da sucursal impede que os negócios celebrados entre a sede e a sucursal sejam qualificados como verdadeiros negócios jurídicos sob pena de se estar perante negócio consigo próprio que carece de qualquer juridicidade e, portanto, os pagamentos remuneratórios realizados pela sucursal à sua sede e vice-versa, não têm a natureza de juros, perdendo essa caracterização em virtude da natureza e características das entidades em causa, consubstanciando a final meramente um fluxo financeiro interno ocorrido no seio da mesma entidade jurídica.

7. A estipulação contratual de um foro específico em caso de litígio entre as partes, nos contratos celebrados entre a Impugnante, enquanto sucursal, e a sua sede, em ambos os tipos de contratos de empréstimo que estão em causa nos presentes autos, também não constitui óbice à conclusão de que as operações sucursal-sede estão fora do âmbito de incidência objetiva da verba 17.1 da TGIS, uma vez que nem a sucursal pode demandar a sua sede, nem a sede pode demandar a sua sucursal (já que a personalidade judiciária autónoma da sucursal prevista no art. 13º CPC para ações que procedam de factos por ela praticado não tem o condão de criar também a respetiva personalidade jurídica que lhe permitiria assumir direitos ou imputar obrigações contra a respetiva sede), pelo que tais estipulações contratuais sempre teriam de ser consideradas nulas e de nenhum efeito

8. Face à demonstração de que os únicos fundamentos da sentença do Tribunal a quo para considerar improcedente o argumento da inexistência de facto tributário à luz do CIS (estipulação de uma remuneração calculada mensalmente tendo por base a taxa do BCE acrescida de um spread e consignação contratual de que em caso de divergência na interpretação dos contratos as partes renunciam aos seu foro próprio e recorrem ao Tribunal de Madrid) não podem proceder, deverá concluir-se pela inexistência de qualquer facto tributário para efeitos de Imposto do Selo e, consequentemente, pela ilegalidade da liquidação impugnada, nos termos conjugados dos artigos 1º nº 1 CIS e verba 17.1 da TGIS a contrario.

Nestes termos e nos demais de direito aplicáveis, deve o presente recurso jurisdicional ser julgado totalmente procedente, assim se fazendo o que é de LEI e de JUSTIÇA!”

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A decisão sobre a matéria de facto padece de erro?

b) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto, atenta a falta de personalidade jurídica da sucursal, a mesma não pode ser considerada como uma parte nos negócios celebrados com a casa-mãe?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

A) Em 2016/2017 a Impugnante “C… Logista, SA, S… - Sucursal em Portugal”, doravante designada «SUCURSAL» era uma SUCURSAL portuguesa da sociedade “C… Logista, S...”, entidade domiciliada em Madrid, com o Número de Identificação Fiscal espanhol n.º A-2…, doravante designada «Sociedade-mãe» ou «LOGISTA». [cfr. facto não controvertido];

B) A Impugnante exerce, em Portugal, a atividade principal de comércio por grosso de tabaco (CAE 46350) e a atividade secundária de comércio por grosso não especializado (CAE 46900). [cfr. facto que se extrai do RIT de fls. 57 dos autos];

C) No âmbito da relação entre a Impugnante (SUCURSAL) e a LOGISTA, foram celebrados vários contratos com vista à disponibilização de fundos entre as duas partes. [cfr. facto não controvertido];

D) Em 1 de Outubro de 2016 foi celebrado, entre a sociedade “C… Logista, S…” – Logista, (primeira outorgante) e a sociedade “C… Logista, SA., S… - SUCURSAL em Portugal” – segunda outorgante, um «CONTRATO DE PRÉSTAMO DE EXCEDENTES», que vigorou desde a data de celebração até 30 de Setembro de 2017, tendo como objeto a segunda outorgante atribuir à primeira outorgante, até ao valor máximo de €150.000.000,00 (cento e cinquenta milhões de euros), a gestão dos excedentes de tesouraria da SUCURSAL, não afetos a qualquer obrigação, com vista à sua otimização. [cfr. doc. 4 da PI - facto que se extrai da cláusula primeira e terceira do Contrato, de fls. 47 dos autos];

E) Em 30 de Novembro de 2016 foi celebrado um «CONTRATO DE CONCESSION DE LÍNEA DE CRÉDITO», entre a sociedade “C… Logista, S….” – Logista, primeira outorgante e a sociedade “C… Logista, SA., S… - SUCURSAL em Portugal” – segunda outorgante, através do qual “a primeira outorgante concede à segunda outorgante uma linha de crédito até ao montante máximo de €30.000.000,00 (trinta milhões de euros)”, com duração até 3 de Março de 2017. [cfr. doc. 2 da PI - facto que se extrai da cláusula primeira e quinta do Contrato, de fls. 35 dos autos];

F) Em 30 de Novembro de 2017 foi celebrado um «CONTRATO DE CONCESSION DE LÍNEA DE CRÉDITO», entre a sociedade “C… Logista, S....”, primeira outorgante e a sociedade “C… Logista, SA., S… - Sucursal em Portugal” – segunda outorgante, o qual vigorou desde a data de celebração até 1 de Fevereiro de 2018, tendo por objeto “a primeira outorgante conceder à segunda outorgante uma linha de crédito até ao montante máximo de 66.000.000,00 (sessenta e seis milhões de euros)”. [cfr. doc. 3 da PI - facto que se extrai da cláusula primeira e quinta do Contrato, de fls. 41 dos autos];

G) A “concessão dos fundos” previsto em E) e F) estava dependente da apresentação de um plano financeiro a 30 dias que demonstrasse a necessidade daqueles fundos pela SUCURSAL. [cfr. doc. 2 e 3 da PI - facto que se extrai da cláusula 2.1 e facto alegado no ponto 6.º da pi];

H) Os “fundos” eram disponibilizados pela sociedade “C… Logista, S….” – Logista, de forma imediata e em regime de conta-corrente. [cfr. doc. 2 e 3 da PI - facto que se extrai da cláusula 2.1 e 3.3, respetivamente];

I) Nos contratos referidos em E) e F) é estipulada uma remuneração, a calcular mensalmente, tendo por base a taxa de remuneração prevista pelo BCE acrescido de um spread de 2,2%, sendo que a remuneração não pode ser inferior a esses 2,2%, calculados em cada mês. [cfr. doc. 2 e 3 da PI - facto que se extrai da cláusula 3.1];

J) Em 1 de Outubro de 2017 foi celebrado, entre a sociedade “C… Logista, S…” – Logista, primeira outorgante e a sociedade “C…...

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