Acórdão nº 2001/19.6T8SNT.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-11-21

Ano2023
Número Acordão2001/19.6T8SNT.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


1.Relatório


A [Gina …] e Cesaltina intentaram a presente ação declarativa de condenação, com processo comum, contra B, Júlio, e Lina, pedindo a condenação solidária dos réus a pagar-lhes “a quantia de € 73.000,00 nos termos do disposto no art.º 442º, 2 do Código Civil, julgando-se, igualmente, o contrato-promessa de compra e venda e suas adendas resolvido por incumprimento das obrigações assumidas pelos Réus e pela A., já não estar interessada na celebração do contrato definitivo”.

Para tal alegaram que:
a)-No dia 02-04-2013 os RR. Júlio e Susete celebraram com a A. Gina um contrato-promessa de compra e venda do prédio urbano composto de prédio de rés-do- chão anexos com a área de 70, 30 m2, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de S____ sob o n° 4..6 da freguesia de S..... M..... e S..... M....., e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o art. 1..7°.
b)-Tal prédio não dispunha de licença de utilização.
c)-O preço acordado entre as partes para a venda do imóvel foi de € 44.000,00.
d)-O contrato definitivo só seria realizado após a obtenção de “declaração” de que o prédio havia sido construído anteriormente à data da entrada em vigor do RGEU.
e)-A A. Cesaltina outorgou o referido contrato-promessa na qualidade de arrendatária, renunciando ao exercício do direito de preferência, tendo o pagamento da renda sido suspenso.
f)-Em virtude de nunca ter sido obtida a “declaração”, no dia 21-02-2014 procedeu-se à primeira adenda ao contrato-promessa.
g)-A 3ª R. é neta do 1ª R. e filha da 2ª R..
h)-Não tendo os RR. não logrado obter a referida declaração, a A. Gina propôs-se instaurar um projeto de legalização do imóvel junto da Câmara Municipal de S____ de forma a obter a respetiva licença de utilização, considerando-se então somente em dívida a quantia de € 7.500,00 que seria paga no ato da celebração do contrato de compra e venda.
i)-A A. Gina deu entrada do processo de legalização do imóvel junto da Câmara Municipal de S____, Processo n° OB/97/2014.
j)-No dia 13-09-2014 foi outorgada entre as partes nova adenda ao contrato-promessa de compra e venda.
k)-Os RR. nunca entregaram junto da Câmara Municipal de S____ a declaração para a cedência a domínio público da área que constitui o arruamento que dá acesso ao imóvel prometido, tendo o mesmo sido indeferido por comunicação efetuada pela CMS à 1ª A. em 26-09-2016.
l)-Desde o final de 2016 que a 1ª A. não consegue contactar os RR., que não atendem o telefone nem respondem aos emails que aquela lhes envia.
m)-No dia 29-05-2018 o mandatário das AA. notificou a 3ª R. para que viabilizasse a assinatura do documento de cedência a titulo de domínio público no prazo de 10 dias após a receção da carta enviada para o domicílio profissional da 3ª Ré e que foi rececionada no dia 01-06-2018, nunca tendo a 3ª R. contactado as AA..
n)-No final do ano de 2018 a A. Gina encontrou casualmente a R. Lina, tendo esta referido que queria resolver o assunto, contudo, deixou de atender o telefone e não mais contactou.
o)-A A. Gina pagou aos Réus Júlio e Susete, a título de sinal, a quantia de € 35.000,00.
p)-A A. Gina deixou de ter interesse na celebração do contrato definitivo.

Citadas as rés, as mesmas contestaram:
i.-Por exceção, invocando a ilegitimidade passiva da ré Lina, por não ter outorgado qualquer contrato, tendo intervindo apenas na qualidade de procuradora, bem como a ilegitimidade ativa da autora Cesaltina por ter intervindo no contrato apenas como arrendatária;
ii.-Por impugnação, sustentando não terem recebido a carta de resolução invocada pelos autores;
iii.-Informando do decesso do R. Júlio no decurso do ano de 2017.
Tendo as autoras deduzido incidente de habilitação, veio a ré Susete a ser julgada habilitada para prosseguir a ação igualmente no lugar do falecido.
As autoras responderam às exceções invocadas na contestação, pugnando pela sua improcedência.
Foi dispensada a realização de audiência prévia e proferido despacho saneador, julgando a exceção de ilegitimidade passiva procedente e em consequência absolvendo a ré Lina da instância, e a exceção de ilegitimidade ativa improcedente.
Na mesma ocasião foi proferida decisão delimitando o objeto do litígio, enunciando os temas da prova, e apreciando os requerimentos probatórios apresentados pelas partes.
As autoras deduziram articulado superveniente sustentando que em 22-08-2022, a A. Gina recebeu carta da ré na qual esta, invocando a cláusula 8ª do contrato dos autos, declara resolver o mesmo.
Posteriormente realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Face ao exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente por parcialmente provada e, consequentemente:
A)-Declaro distratado o contrato-promessa celebrado entre as partes.
B)-Condeno a R. B a pagar à A. A, a quantia a liquidar em incidente, correspondente a 35.000,00€ (trinta e cinco mil euros) menos as rendas do prédio vencidas nos meses de Abril de 2013 a Maio de 2018.
C)-No mais vai a R. absolvida.”
Inconformada, a ré interpôs o presente recurso de apelação, cuja motivação sintetizou nas seguintes conclusões:
1.ª-Atento o versado nos pontos 1 a 5 deverá ser alterado o parágrafo 5 da pág. 4 da douta sentença, passando a ter s seguinte redacção: As AA. deduziram articulado superveniente invocando o seguinte facto superveniente: em 22-8-2022, a A. Gina recebeu carta da R. que refere resolver o contrato promessa de compra e venda celebrado em 2013 alegando que as AA. se encontram, em situação de incumprimento definitivo do contrato.
Atento o disposto nos pontos 6 a 33:
2.ª-Deverá ser revogada a douta sentença na conclusão que encerra segunda a qual o contrato foi declarado distratado pelas partes, devendo tal decisão decair sendo retiradas as consequências legais decorrentes e que são: o contrato foi revogado unilateralmente pela Recorrente com base em incumprimento definitivo da Recorrida A, tendo as partes acordado somente quanto à data em que tal resolução operou.
3.ª-Ser reconhecido que à data da revogação promovida pela Recorrente o contrato se encontrava válido pelo que o mesmo podia ser revogado unilateralmente à margem da presente ação judicial.
4.ª-Ser revogada a alínea B) da Decisão da douta sentença na parte em que condena a Recorrente a pagar à Recorrida A a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros).
5.ª-Atento o disposto nos pontos 33 a 61, deverá ser alterada a alínea B) da Decisão, não devendo a Recorrente ser condenada a restituir valor superior a € 5.000,00 (cinco mil euros), sem prejuízo da dedução das rendas do imóvel vencidas nos meses de Abril de 2013 a Maio de 2018.
Os autores não apresentaram contra-alegações.
Admitido o recurso, remetidos os autos a este Tribunal da Relação, e nada obstando ao conhecimento do mérito daquele, foram colhidos os vistos.

2. Objeto do recurso
Conforme resulta das disposições conjugadas dos arts. 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, seja quanto à pretensão dos recorrentes, seja quanto às questões de facto e de Direito que colocam[1]. Esta limitação dos poderes de cognição do Tribunal da Relação não se verifica em sede de qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cfr. art. 5º n.º 3 do CPC).
Não obstante, excetuadas as questões de conhecimento oficioso, não pode este Tribunal conhecer de questões que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas[2].
Assim, as questões a apreciar e decidir são as seguintes:
-A retificação da sentença apelada;
-O incumprimento definitivo do contrato-promessa dos autos por parte dos autores e a subsequente resolução do mesmo por iniciativa da ré;
-O montante da quantia que a apelante deve restituir aos apelados.

3.–Fundamentação
3.1.- Os factos
O Tribunal a quo considerou a factualidade:
3.1.1.- Factos provados
1.–Por escrito, datado de 02-04-2013, Júlio L...... e a R. e Susete, primeiros contraentes, na qualidade de titulares da herança aberta por óbito de Judite ……, e Júlio ……, por si próprio, prometeram vender à A. Gina, como segunda[3] contraente, que prometeu comprar, o prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art. 1..7°, da freguesia de S..... M..... e S...... M..... do concelho de S____, sito na Rua ..... à ..... da ....., S/n°, em L....., 2...-...- S____, então omisso no registo predial, arrendado à A. Cesaltina, terceira contraente.
2.–Em tal escrito, as partes acordaram:
2.1.-Na cláusula 3ª:
1.–O preço acordado para a prometida venda é de € 44.000,00 (quarenta e quatro mil euros), do seguinte modo:
a)-Com a assinatura do presente contrato-promessa, a SEGUNDA CONTRAENTE entrega aos PRIMEIROS CONTRAENTES, por conta daquele preço, a título de sinal e de princípio de pagamento, a quantia de € 5.000,00 (cinco mil euros) de que é dada integral quitação com o presente documento;
b)-Até ao dia 15 de Abril de 2013 a SEGUNDA CONTRAENTE entregará aos PRIMEIROS CONTRAENTES, por conta daquele preço, a título de sinal e de princípio de pagamento, a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros) de que será dada quitação;
c)-O remanescente do preço, no valor de € 9.000,00 (nove mil euros) será pago no acto da escritura definitiva de compra e venda do prédio urbano indicado na Cláusula 1a.
2.2.-Na cláusula 4ª:
1.–Os PRIMEIROS CONTRAENTES declaram que o imóvel objeto do presente contrato não tem Licença de Utilização, sendo que a sua construção é anterior a 01 de Abril de 1962, data da entrada em vigor do Regulamentos Geral das Edificações Urbanas fora da sede do Concelho de S____.
2.3.-Na cláusula 5ª:
1.–A TERCEIRA CONTRAENTE declara ter total
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