Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2023 (caso Acórdão nº 200/18.7T8TND.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-06-27)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2023

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

AA e esposa BB intentaram a presente ação declarativa com processo comum contra CC e esposa DD, pedindo que seja julgada procedente a ação, e, em consequência:

A. Sejam os autores reconhecidos como legítimos proprietários do prédio descrito em 1º da P.I.

B. Ser declarada constituída por usucapião uma servidão de pé e de carro, a favor do prédio dos autores, descrito no artigo 1º da petição, servidão essa com o comprimento de 50,00m e a largura de 3,00m;

C. Sejam os réus condenados a reconhecer tal servidão, abstendo-se de, por qualquer forma impedir o exercício do direito de servidão por parte dos Autores;

D. Sejam os réus condenados a destruir a estrutura que construíram e a retirar o portão, retirando os respetivos destroços, repondo a servidão na situação anterior a tais obras.

Subsidiariamente, a declaração da constituição de uma servidão de passagem, a pé e de carro, por sobre os prédios dos réus, com uma extensão de aproximadamente 50,00m de comprimento e um leito de, no mínimo, 3,00m de largura.

E. Serem os réus condenados a pagar aos autores o valor de €3.500,00, a título de indemnização pelos danos causados.

Para tanto alegaram em síntese que:

-São proprietários de um prédio rústico, composto por semeadura e pinhal, sito no ..., distrito ..., concelho ..., Freguesia ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...94º do Serviço de Finanças ... e descrito na Conservatória do Registo predial sob o número ...33.sito na Freguesia ....

-Há mais de 20 ou 30 anos, por si e seus antecessores, vêm fruindo daquele prédio, como coisa sua, pagando os respetivos impostos, limpando e roçando o mato, cortando os pinheiros, aí tendo os seus pertences e bens agrícolas, dele aproveitando todas as suas utilidades, colhendo frutos, cortando lenha e cultivando, comportando-se como seus exclusivos donos e senhores, à vista de toda a gente, sem interrupção, de forma continua e permanente, sem oposição de quem quer que seja e de boa-fé, na convicção de exercerem um direito próprio e não lesarem o de outros.

-Pelo que os autores e antepossuidores adquiriram o direito de propriedade sobre o citado prédio através de aquisição originária, por usucapião.

-Aquisição essa, titulada em 30 de setembro de 2010, através de uma escritura de compra e venda.

-Tal prédio confina com o prédio dos réus.

-O prédio propriedade dos autores é um prédio de cultivo com pinhal e eucaliptos, sendo que a passagem a pé e de carro para o mesmo sempre foi feita pelo prédio dos Réus supra descrito, uma vez que o mesmo não tem comunicação com a via pública.

-Para irem da rua pública para o seu prédio, os autores sempre se serviram e passaram a pé, com carros de vacas, carros de mão, tratores, por uma parcela de terreno (caminho) que tem aproximadamente a largura de 3,00m, e o comprimento 50,00m, desde a estrada á entrada do seu prédio.

-Servidão que nasce á face de um caminho fazendeiro, e vai desembocar no prédio dos autores.

-O que sucede por si e antepossuidores há mais de 20, 30, 40, 50 anos, ininterruptamente; à vista de toda a gente e sem qualquer oposição, convencidos que exercem um direito próprio correspondente à sua atuação (direito de servidão) e que não lesam o direito de quem quer que seja.

-Tal servidão revela-se por sinais visíveis e permanentes desde a terra acalcada, com sulcos com erva no meio e o leito rebatido e rebaixado por onde passam os rodados dos tratores;

-Adquiriram, assim, os autores o direito de servidão a pé e de carro a favor do prédio dos réus, constituída por usucapião.

-Os réus colocaram uma corrente e um portão, tapando a totalidade da passagem, impedindo a entrada a pé e de qualquer espécie de veículo para a propriedade dos ora autores.

-Os autores negociaram a venda da madeira do prédio, mas como não conseguiram entrar no mesmo para a cortar, a mesma ardeu toda nos incêndios de outubro de 2017, causando-lhes um prejuízo no valor aproximado de €3.500,00.

Os réus contestaram, impugnando os factos alegados, uma vez que o caminho descrito pelos autores apenas serve o prédio dos réus. O prédio dos réus tem acesso pelo lado oposto.

No decurso da ação faleceu a ré, tendo havido a competente habilitação de herdeiros.

Realizou-se audiência de julgamento e na sequência da qual, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Por tudo o exposto o tribunal julga parcialmente procedente porque provada a presente acção e em consequência disso:

A. Declara que os Autores como legítimos proprietários do prédio descrito em 1. Dos factos provados;

B. Declarada constituída por usucapião uma servidão de pé e de carro, a favor do prédio dos Autores, descrito em 1, dos factos provados, servidão essa com o comprimento de 50,00m e a largura de 3,00m;

C. Condena os réus a reconhecer tal servidão, abstendo-se de, por qualquer forma impedir o exercício do direito de servidão por parte dos Autores;

D. Condena os réus a remover a estrutura que construíram e a retirar o portão, retirando os respectivos destroços, repondo a servidão na situação anterior a tais obras;

Subsidiariamente, a declaração da constituição de uma servidão de passagem, a pé e de carro, por sobre os prédios dos Réus, com uma extensão de aproximadamente 50,00m de comprimento e um leito de, no mínimo, 3,00m de largura.

E. Absolve os réus do restante pedido, formulado pelos autores;

F. Fixa em €7.000,00, o valor da acção.”

Inconformada com o decidido, o réu CC interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1. A talho de foice, numa perspetiva muito realista de toda a prova produzida, e, salvo douta melhor opinião, é inconcebível a decisão do aqui tribunal a quo, uma vez que de uma forma transversal, todas as testemunhas apresentadas pelos AA, não vão ao local há mais de 30, 40, 50 e 60 anos, há exceção da testemunha EE, que segundo ela, terá andado na zona, há cerca de 4 ou 5 anos.

2. Reportando-nos à prova produzida, resulta essencialmente das palavras dos AA, que efetivamente houve a abertura de um caminho, confinando ao encarradoiro, há cerca de 40 anos, nos terrenos do próprio para um melhor acesso ao mesmo, sendo que o mesmo é do desconhecimento das testemunhas, maioritariamente, sem nunca o terem visto, face ao espaço temporal que não se deslocam ao local.

(Cfr. DEPOIMENTO DO AUTOR: AA 17-05-2022 09:56:48 às 17-05-2022 10:10:12 (13:25 minutos)

(Cfr. DEPOIMENTO DA AUTORA: BB 17-05-2022 10:11:40 às 17-05-2022 10:26:56 (15:16 minutos.

3. Da primeira testemunha, FF, não se conseguiu apurar mais do que uns trabalhos realizados há cerca de 5 anos atrás, procedendo ao corte de umas giestas, e todas as informações que tem sobre o litígio em causa, foram transmitidas pelos aqui AA, desconhecendo a configuração e localização dos terrenos quer dos AA quer dos RR,

(Cfr. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA: FF 17-05-2022 10:28:05 às 17-05-2022 10:31:48 (03:44 minutos)

4. Assim sendo, e apesar de toda a boa vontade da testemunha não se consegue retirar nada de proveitoso quanto à produção da prova necessária para a decisão tomada nos autos.

5. Da segunda testemunha, EE, sobrinha dos AA, também muito criativa nas suas declarações, afirma que herdou uma parcela de terreno no local, sendo que como era emigrante nunca cultivou o terreno, tendo posteriormente, vendida há cerca de 15 anos atrás aos AA, por não ter qualquer interesse e se encontrar deslocada do país.

Desconhece por completo o caminho realizado pelo AA, há cerca 40 anos, tendo apenas conhecimento da existência no local de um caminho de pé, não tendo lá voltado há “mais de 30 e tal anos”, desconhecendo por completo a realidade dos factos atuais.

(Cfr. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA: EE 17-05-2022 10:32:52 às 17-05-2022 10:43:29 (10:37 minutos)

6. A terceira testemunha, GG, segundo ele, e no auge da sua juventude, há 30 anos atrás, realizou um trabalho de recolha de uma árvore, um castanheiro seco, a pedido dos AA, no local do litígio.

Nas palavras dele, não consegue precisar os limites de toda a extensão das propriedades, por não as conhecer, nem o caminho por onde passou, não sabendo a quem pertenciam, tendo apenas efetuado o caminho indicado pelos AA.

7. De ressalvar a referência há existência efetiva de um outro caminho, (o defendido pelos aqui recorrentes, como sendo o único caminho legitimo dos AA de acesso à propriedade), desconhecendo se esse dito caminho bate no terreno dos AA, uma vez que não conhece os limites das propriedades, bem como a afirmação de que “não tendo passado por ali há mais de 30 anos”, desconhecendo assim a realidade dos factos, e o contexto das situações em litígio.

(Cfr. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA: GG 17-05-2022 10:44:23 às 17-05-2022 10:53:09 (08:46 minutos)

8. A quarta testemunha, HH, sobrinho dos AA, que em tempos foi proprietário de uma parcela de terreno no local, nunca o tendo cultivado, herdado pela sogra, tendo posteriormente vendido aos aqui AA, sendo que, não conhece o caminho novo (aberto pelos autores segundo eles há 40 anos), não visita o local nem conhece o estado atual das propriedades, desde do ano de 1975, ano que emigrou para o ..., não tendo mais lá voltado há pelo menos 47 anos.

(Cfr. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA: HH 17-05-2022 10:54:08 às 17-05-2022 11:10:15 (16:08 minutos)

9. Da quinta testemunha, II, retira-se a existência de um caminho de pé, por conhecimento próprio dos tempos da juventude, não visitando o local há mais de 40 anos, sendo que não conhece a realidade dos factos aqui presentes.

(Cfr. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA: II 17-05-2022 11:19:02 às 17-05-2022 11:25:33 (6:31 minutos)

10. Da sexta testemunha, JJ, reconhece a existência de um carreiro, na sua juventude, não frequentando o local há 50 ou 60 anos, desconhecendo assim totalmente a realidade dos factos presentes em questão.

(Cfr. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA: JJ 17-05-2022 11:26:37 às 17-05-2022 11:31:28 (4:51...

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