Acórdão nº 20/20.9T8ILH.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-02-08

Ano2022
Número Acordão20/20.9T8ILH.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
PROC. Nº 20/20.9T8ILH.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Ílhavo - Juiz 2

REL. N.º 653
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
*
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ..., ... – ..., intentou acção em processo comum contra BB, residente na Avenida ..., em ..., pedindo a anulação de um negócio de compra e venda que celebrou com este, tendo por objecto um negócio de distribuição de produtos alimentares, em consequência do que deve este ser condenado a devolver-lhe o preço de € 25.000,00 que pagou, havendo ela de devolver tudo o que dele recebeu, em execução daquele negócio.
Alega ter comprado ao Réu um negócio de distribuição de batatas fritas, pelo preço de €25.000,00, sendo que os termos propostos e garantidos quanto à viabilidade e rentabilidade daquela actividade, pelo Réu, não correspondiam à verdade. Afirma ter formado a sua vontade negocial com base em tais elementos errónea e dolosamente induzidos pelo Réu, razão pela qual pretende a anulação do contrato celebrado.
O Réu contestou, alegando, em síntese, que detinha um negócio de aquisição e venda de um produto de batatas fritas, tendo um fornecedor específico, um conjunto de clientes que constavam de um sistema de facturação e que, não obstante a inexistência de vínculo contratual ou critérios de periodicidade, adquiriram ao Réu o produto que este comercializava. Tinha também uma viatura e comerciais afectos à sua actividade, tendo sido esse negócio que vendeu à Autora, não lhe escondendo os termos de desenvolvimento do mesmo, nem se tendo comprometido com a existência de um rendimento bruto de € 500,00 diários. Alegou que a Autora não mostrou interesse em ver os dados contabilísticos do negócio e que sabia que os clientes não tinham obrigação de comprar determinada quantia mensal. E negou ter-se comprometido a assegurar a actividade após a celebração do negócio, bem como ter induzido a mesma em qualquer erro relevante.
Concluiu pela improcedência da acção.
Em despacho saneador, a instância foi tida por válida e regular, após o que foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Instruída e discutida a causa, após audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença que julgou improcedente a acção, absolvendo o réu do pedido.
É desta decisão que vem interposto recurso, pela autora, que o termina formulando as seguintes conclusões:
1.ª- A autora, agora recorrente, AA, intentou a presente ACÇÃO COMUM DE CONDENAÇÃO contra BB, pedindo que seja anulado, com base nas disposições conjugadas dos artigos 247º e 252º do Cód. Civil, o negócio de compra e venda do negócio de distribuição de produtos alimentares celebrado entre as partes, condenando-se o réu a devolver à autora a quantia de € 25.000,00 por ela pagos a titulo de preço, dispondo-se esta a devolver aquele tudo o que dele recebeu na concretização do negócio.
2.ª- Em fundamento do pedido alegou a Autora que comprou ao Réu um negócio de distribuição de batatas fritas. Pelo valor acordado e pago de € 25.000,00.
3.ª- Mais alegou a Autora que os termos propostos e garantidos pelo Réu quanto à viabilidade e rentabilidade de tal negócio, nos termos por ele propostos e apresentados, não correspondiam à verdade, tendo a Autora formado a sua vontade negocial com base em elementos errónea e dolosamente induzidos pelo Réu, razão pela qual pretende a sua anulação do contrato celebrado.
4.ª- Em concreto, a Autora alegou factos demonstrativos de que:
- Por acção do Réu, a Autora incorreu num “vício da vontade” na formação da vontade aquando da realização do contrato com aquele, em face dos termos e garantias do contrato por ele apresentado e celebrado.
- Pois que o Réu propôs à autora a celebração de um contrato apresentando um concreto rendimento diário, a existência de stock a comercializar e de um determinado volume de clientela como correspondentes à realidade do negócio celebrar, aspectos estes que o Réu sabia não corresponderem à verdade e que não se vieram a verificar;
- Estando o Réu ciente de que essas condições assim por ele apresentadas eram determinantes da vontade da Autora de contratar;
5.ª- A sentença recorrida veio a concluir que, “da resposta aos factos dados como provados e não provados e considerando que as condições essenciais do negócio proposto e celebrado são as constante do Ponto H) dos factos dados como provados, decorre, salvo melhor entendimento, que a Autora não logrou fazer a prova dos mencionados pressupostos e requisitos de relevância do erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades, pois se não provaram os factos integrantes de que a sua vontade declarada tivesse sido viciada por erro e por isso tivesse divergido da sua vontade conjectural, caso não houvesse erro.
Em consequência, fica prejudicada a apreciação da essencialidade, para a Autora, do elemento sobre que o erro recaiu bem como a apreciação da questão de saber se o réu conheceu ou não devia ignorar a dita essencialidade” O que justificou uma decisão de improcedência da ação.
6.º - No nosso entendimento, em face dos fundamentos da decisão recorrida, as questões a apreciar e a decidir no recurso são os seguintes:
- As condições essenciais para a Autora do negócio proposto e celebrado foram só as constante do Ponto H) dos factos dados como provados?
- Ou aspectos propalados pelo Réu no âmbito da negociação, tais como a rentabilidade diária do negócio, a existência de um determinado volume de clientela e as relações com o fornecedor dos produtos a distribuir não assumiram, também, a natureza de condições essenciais que levaram a Autora a contratar?
- O Réu sabia ou não devia ignorar da essencialidade, para a Autora, de todos esses elementos para a formação da sua vontade de contratar?
- O Réu cumpriu com o que se obrigou para com a Autora, por forma a aliciá-la para a celebração do negócio?
7.ª – Pelas razões expostas nas alíneas a), b) e c) da rubrica “I-A impugnação da decisão acerca da matéria de facto”, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido, para além dos factos já valorados como “provados” pelo Tribunal recorrido, deverão ainda ser merecer essa mesma valoração estes outros:
- O Réu mais concretizou que da listagem de clientes registados no Sistema de facturação figuravam 150 moradas e contactos, mas regiões definidas de ... e ..., com exceção quanto a esta ultima de algumas zonas próximas da ..., mas que a distribuição dos produtos já tinha alcançado 200 a 300 clientes;
- Também por causa do número de clientes registados no sistema de facturação, a ré decidiu contratar;
- A listagem referida em foi entregue no final da primeira semana de Setembro de 2019, quase imperceptível.
- O Réu sabia que a carteira de clientes não existia.
8.ª- Do teor das disposições conjugadas dos artigos 251.º e 247.º do Cód. Civil decorre que a relevância do erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades, pressupõe:
a) que a vontade declarada esteja viciada por erro sobre o objecto do negócio ou as suas qualidades e por isso seja divergente da vontade que o declarante teria tido sem tal erro (vontade conjectural ou hipotética);
b) que, para o declarante, seja essencial o elemento sobre que recaiu o seu erro, isto é, decisivo para o declarante, por tal forma que ele não teria celebrado o negócio se se tivesse apercebido do erro;
c) que o declaratário conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade referida na anterior alínea.
9.ª- Segundo a sentença recorrida, que traduz o entendimento do Tribunal que a proferiu, no âmbito do negócio de compra e venda do “negócio de distribuição” celebrado entre o Réu e a Autora – que aquele publicitava como de “…Distribuição alimentar com boa carteira de clientes. Excelente Oportunidade…”, apenas assumiram a natureza de “essenciais” os factos vertido no ponto G da matéria de facto consignada na dita sentença (presumimos haver erro de escrita quando o Tribunal remete para a al. H), ou seja a:
- Venda da distribuição dos produtos da marca ... no distrito ... e ... (com exclusão de algumas zonas perto da ...);
- Entrega de um contacto de um fornecedor dos molhos de “piripiri” e “frango da guia”, onde poderia ser negociada a sua exclusividade;
- Entrega de uma lista de contactos e moradas de clientes registados;
- Transferência da propriedade de um veículo comercial da marca Renault, modelo ..., com a matrícula ...-FO-..., assumindo o réu a responsabilidade pelas reparações de que esta viesse a necessitar nos dois primeiros meses subsequentes à celebração do negócio;
- Entrega de um sistema de facturação electrónica (um tablet e uma impressora) portátil, a serem encomendados logo que pago o sinal acordado;
- Entrega de 5 livros de facturas e recibos a serem encomendados logo que pago o sinal acordado;
- Entrega do Stock que o réu tiver disponível, mas no mínimo o correspondente a uma carga do veículo comercial da marca Renault, modelo ..., com a matrícula ...-FO-....
10.ª- No entender do Tribunal recorrido, foram estes concretos aspectos aqueles que, no “essencial” levaram a que a Autora se dispusesse a deixar o emprego que até então tinha numa farmácia, e bem assim a pagar ao Réu a quantia de 25.000,00 Euros, abraçando este novo projecto comercial;
11.ª- Em contrapartida, aspectos afirmados, propostos ou referidos pelo Réu na fase negocial e com vista a aliciar a Autora para a celebrar do negócio;
Que o Tribunal recorrido deu como provados;
Que efectivamente serviram à autora como aliciante para a formação da vontade de contratar;
E que mais tarde se vieram a verificar serem falsos ou não se terem verificado,
Já não foram entendidos pelo Tribunal Recorrido como tendo sido essenciais para que a Autora formasse a sua vontade de contratar.
12.ª- No nosso entendimento, pelas razões que expusemos supra no ponto 7 (Da
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