Acórdão nº 2/22.6T8CHV.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 30-11-2022
Data de Julgamento | 30 Novembro 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 2/22.6T8CHV.G1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
Acordam os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, no seguinte:
I- RELATÓRIO
O Ministério Público instaurou ação tutelar cível para regulação do exercício das responsabilidades parentais de AA, nascido a .../.../2006, contra BB, residente na Praceta ..., ... ..., e CC, residente em ..., ..., alegando que o menor está a viver com o pai, encontrando-se os progenitores separados de facto há cerca de cinco anos e que nunca acordaram, judicial ou extrajudicialmente, quanto ao exercício das responsabilidades parentais.
Designou-se data para a realização da conferência a que alude o art. 35º do RGPTC.
Realizada a conferência, a 1ª Instância homologou o acordo dos progenitores relativo ao exercício das responsabilidades parentais.
Na ata dessa conferência consta o seguinte:
ATA DE CONFERÊNCIA
Regulação das Responsabilidades Parentais nº 2/22.6T8CHV
Data: 23/03/2022, pelas 09:30 horas.
Magistrado Judicial: Dr.ª. DD
Escrivã Auxiliar: EE
Requerido: BB.
Requerida: CC
Mandatária da Requerida: Dr.ª. FF, que protestou juntar procuração aos autos
Menor: AA
Presentes: Todos os convocados para o ato, encontrando-se a requerida no Tribunal de Loures para ser ouvida por videoconferência.
**
Aberta a presente conferência pelas 09:40 horas, pela Mmª. Juiz e após ter ouvido os progenitores, foi tentada a obtenção de um acordo entre ambos o que conseguiu nos seguintes termos: ACORDO DO EXERCÍCIO DE REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
1º- A guarda do menor, AA, é atribuída ao pai com quem o menor reside, sendo o exercício das responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância da vida do menor, atribuído exclusivamente ao progenitor.
2º - Os períodos de férias escolares do menor, são repartidos em partes iguais entre os progenitores sendo a combinar entre ambos os períodos concretos.
3- O menor passa as festividades de Natal e fim de ano, alternadamente com cada progenitor.
4º- A mãe fica obrigada ao pagamento de 100,00€ mês a título de pensão de alimentos, atualizado anualmente pelo índice de preços do consumidor publicado pelo INE.
5º- As despesas de saúde e educação do menor serão suportadas na proporção de 50% por cada um dos progenitores.
*
Seguidamente, pela Mmª Juiz foi proferido o seguinte: DESPACHO
Por entender que o mesmo acautelar os interesses do menor, AA, homologa-se o acordo obtido pelos progenitores condenando as partes na respetiva e escrupulosa observância, nos termos dos artºs 37º, do RGTC e 1906º e 1911º, do Cód. Civil.
Oficie-se à Segurança Social para proceder ao pagamento do abono de família do menor, ao progenitor BB, nº ...89, com efeitos retroativos desde a data em que cessou o seu pagamento.
Valor da ação – 30.000,01 €.
Custas pelos requeridos em partes iguais, (art. 527.º do C.P.C.).
Registe e Notifique”.
Inconformada com a sentença homologatória desse acordo, a progenitora CC interpôs o presente recurso de apelação em que formula as seguintes conclusões:
A- No presente recurso será impugnada a decisão firmada na douta sentença, que homologou o “ACORDO” sobre a REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS do menor AA.
B- Resulta das declarações prestadas na conferência de regulação das responsabilidades parentais que a Apelante nunca proferiu qualquer declaração expressa no sentido de aceitação do pagamento da quantia de € 100,00 a título de pensão de alimentos ao menor.
C- Muito pelo contrário, a Apelante reiteradamente invocou as razões da sua impossibilidade financeira de pagar tal quantia;
D- Em abono da verdade o valor da pensão de alimentos fixado foi imposta pelo tribunal “a quo”, como tal não se tratou de um acordo.
E- Tal como resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 19/04/2012, Proc.º 2953/10....
1- O acordo judicialmente homologado, celebrado no processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, é um contrato bilateral e formal e obriga as partes nos precisos termos “contratados” e homologados.
2 - E sendo, como é, um contrato formal, aplicam-se à respetiva interpretação, as regras definidas pelos artigos 236º a 239º do Código Civil.”.
F- O transposto para a ata de conferência de regulação das responsabilidades parentais não corresponde à vontade real da apelante. Por esta não foi proferida declaração de aceitação, não tendo dado o seu ACORDO para que o tribunal “a quo” decidisse como decidiu.
G- Na ausência de acordo, o Juiz determina as diligências previstas no art.º 38º do RGPTC.
H- Com o devido respeito, e salvo melhor entendimento, é ética, legal e moralmente inaceitável que o tribunal a quo proferisse uma “promessa” antecipada de condenação, sem se munir dos elementos pertinentes que o capacitem para uma decisão justa e equitativa para os alimentantes e alimentado.
I- A fundamentação do Tribunal “a quo” está em contradição com as declarações prestadas pela Apelante,
J- O Tribunal “a quo” aplicou mal o direito, leia-se art.º 37º do RGPTC;
L- O Tribunal “a quo” violou os artºs 38º do RGPTC e 236º a 239º do Código Civil,
M- Perante os factos supra descritos e normas violadas a sentença é nula, com vício de violação de lei e errada aplicação do direito, pelo que o Tribunal “a quo”, não decidiu corretamente devendo ser revogada a sentença recorrida determinando-se o que processo que prossiga os respetivos termos.
N- Resumindo: a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”, violou interpretou e aplicou erradamente os preceitos legais supracitados e, por isso, deverá ser revogada e/ou alterada por outra que determine o prosseguimento dos autos para se apurar as próprias condições económicas para satisfazer o cumprimento das prestações de alimentos.
PELO SUCINTAMENTE EXPOSTO, DEVE SER CONCEDIDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA ORA RECORRIDA, DECIDINDO-SE PELO PROSSEGUIMENTO DOS AUTOS.
O Ministério Público contra-alegou pugnando pela improcedência da apelação e concluindo as suas contra-alegações nos termos que se seguem:
I – A Mmª Juiz procurou obter acordo que correspondesse aos interesses da criança sobre o exercício das responsabilidades parentais, na conferência a que alude o artigo 37º, nº 1 do RGPTC.
II – Foi obtido acordo quanto à guarda atribuída ao pai e regime de visitas que o menor deveria realizar à mãe.
III – Quanto aos alimentos, a proposta apresentada pela progenitora, de pagamento da quantia de €50 mensais, violava o princípio da proporcionalidade expresso no artigo 2004º do Código Civil.
IV – O montante de €100 mensais a título de alimentos, era genericamente o mínimo fixado e, em particular, no caso em análise, o adequado e o proporcionado aos meios de quem os devia prestar e às necessidades daquele que os havia de receber.
V – Em momento algum ou de modo algum, a progenitora foi pressionada na fixação do montante dos alimentos de €100 mensais.
VI – A sentença recorrida não viola qualquer preceito legal.
Face ao exposto, o recurso interposto não merece provimento, pelo que, mantendo-se a douta sentença recorrida se fará Justiça.
*
Após inscrição em tabela, e na sequência de conferência, foi determinada a retirada da mesma, com vista a cumprimento de contraditório prévio, na sequência do que o relator proferiu o seguinte despacho:“Conforme se colhe das alegações de recurso apresentadas pela apelante, esta interpõe a presente apelação impugnando a sentença homologatória do acordo relativo ao exercício das responsabilidades parentais relativas ao seu filho menor, na parte em que se fixou a prestação alimentar devida por aquela a esse seu filho menor em cem euros mensais, com dois fundamentos, a saber: a) na circunstância desse acordo ter sido obtido mediante erro-vício determinado pela Senhora Magistrada Judicial que presidiu à conferência, a qual pretensamente terá exercido coação moral sobre a apelante no sentido de que esta desse o seu assentimento a esse acordo, conforme é ilustrado pelas seguintes passagens das conclusões de recurso: “Em abono da verdade o valor da pensão de alimentos fixada foi imposta pelo tribunal a quo, como tal não se tratou de um acordo”; “O transposto para a ata de conferência de regulação das responsabilidades parentais não corresponde à vontade real da apelante” e “(…) é ética, legal e moralmente inaceitável que o tribunal a quo proferisse uma promessa antecipada de condenação, sem se munir dos elementos pertinentes que o capacitem para uma decisão justa e equitativa para os alimentantes e o alimentado”; b) mas também com fundamento no facto de a Senhora Juiz que presidiu à conferência ter alegadamente interpretado erroneamente as suas declarações, posto que interpretou-as como sendo de assentimento ao acordo que se encontra explanado na ata da conferência, quando assim não foi, conforme se colhe das passagens das conclusões de recurso em que a apelante transcreve o sumário do acórdão da Relação de Évora, cujo objeto versa sobre a interpretação de um determinado acordo, homologado por sentença, e, bem assim, do facto daquela invocar o regime jurídico previsto nos arts. 236º a 239º do CC, normas essas que diz terem sido violadas através da prolação da sentença homologatória de que recorre, as quais regem sobre a interpretação das declarações negociais.
Debruçando-nos sobre o primeiro fundamento de recurso aduzido pela apelante, urge dizer que, no âmbito do ordenamento jurídico processual nacional, os recursos são os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, mediante os quais o recorrente visa obter o reexame da matéria apreciada na decisão recorrida, visando a eliminação ou a correção dessas decisões.
Daí que os recursos se destinam a anular uma decisão judicial ou a obter a revogação ou a modificação desta, com fundamento de que nela o juiz incorreu num dos vícios formais taxativamente previstos no n.º 1 do art. 615º do CPC, determinativos da nulidade dessa decisão,...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO