Acórdão nº 19979/21.2T8LSB.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-25

Ano2023
Número Acordão19979/21.2T8LSB.L1-4
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa:


I-Relatório.


AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra Schreiber Foods Portugal, S.A., formulando os seguintes pedidos:

1. na petição inicial:
a) o reconhecimento judicial, enquanto retribuição em espécie, da atribuição à autora de viatura automóvel, de via verde, de cartão Galp frota (combustível), de computador portátil e de telemóvel;
b) a condenação da ré no pagamento à autora das retribuições em espécie vencidas e não pagas, nomeadamente, o valor pecuniário correspondente:
(i)à utilização pessoal pela autora da viatura automóvel,
(ii)à utilização pessoal pela autora de via verde, e
(iii)à utilização pessoal pela autora de cartão Galp frota (combustível).
c) o reconhecimento judicial da prática de assédio por parte da ré em relação àquela, motivado pela sua situação de maternidade e pelo exercício legítimo de direitos laborais (recusa de diminuição de retribuição);
d) a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 10.000,00 a título de danos não patrimoniais presentes, causados na sequência de assédio motivado pela sua maternidade e exercício de direitos laborais (recusa de diminuição de retribuição);
e) danos não patrimoniais futuros, a liquidar em sede de execução de sentença, motivado pela sua situação de maternidade e pelo exercício legítimo de direitos laborais (recusa de diminuição de retribuição);

2.‒ no articulado superveniente, a condenação da ré a pagar-lhe:
f) € 500,00 mensais, desde o dia 28-9-2021, correspondente à utilização da viatura automóvel a título de retribuição em espécie não paga;
g) € 100,00 mensais, desde 24-01-2022, correspondente ao plafond das comunicações móveis a título de retribuição em espécie não paga;
h) € 200,00, correspondente ao valor pecuniário do cabaz de Natal;
i) a retribuição relativa ao mês de Março de 2022, a que acrescem os respectivos juros de mora, bem como de todas as retribuições futuras que não forem pagas pela ré à autora;
j) a quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais presentes.

Para tanto, alegou, em síntese, que:
ter celebrado com a ré um contrato de trabalho, a 17-9-2018, cujas funções iniciais eram as inerentes à categoria de Supervisora de Equipa ('Client Category Manager');
no decurso da sua execução, a ré, através do superior hierárquico da autora e de outros seus trabalhadores, encetou condutas, as quais consubstanciam factos basilares conducentes à condenação da mesma sociedade nos termos peticionados.

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Para tal notificada, a ré contestou, tendo, em síntese, refutado os aspectos alegados e as conclusões alcançadas pela autora, tanto na PI como no referido articulado superveniente e ainda que a acção n.º 926/21.8T8CTB consubstancia causa prejudicial à presente acção.

A autora respondeu, negando que assim fosse e impugnou os documentos juntos com a contestação.

Proferido despacho saneador, foi decidido que a acção n.º 926/21.8T8CTB não se apresenta como causa prejudicial a estoutra, que a instância era válida e regular, fixou o objecto do processo e os temas de prova, admitiu as provas arroladas pelas partes e designou data para realização da audiência de julgamento.

Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz preferiu a sentença, na qual julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
A. reconheceu como consubstanciando retribuição em espécie a atribuição à autora por parte da ré e no âmbito do contrato de trabalho, celebrado a 17-9-2018, a atribuição de uma viatura automóvel, do dispositivo 'via verde', de cartão 'Galp frota' (combustível), de um computador portátil e de um telemóvel e, em consequência disso, condenou-a a pagar-lhe o valor mensal;
a.- de € 500,00, a calcular desde o dia 28 de Setembro de 2021, correspondente à utilização de viatura automóvel;
b.- de € 100,00, a calcular desde o dia 24 de Janeiro de 2022, a título de plafond devido no âmbito de comunicações móveis.

B.reconheceu a prática pela ré de assédio moral na pessoa da autora face ao exercício por esta última de legítimos direitos laborais (recusa de diminuição de retribuição) e face à sua situação de maternidade e, em consequência disso, condenou-a a pagar-lhe:
a.-indemnização no valor total de € 8.000,00, a título de danos não patrimoniais presentes;
b.-o valor indemnizatório a título de danos não patrimoniais futuros, os quais se venham a apurar e a quantificar em sede de liquidação da sentença;

C.condenou-a a pagar-lhe o valor referente a um cabaz de Natal, cujo montante concreto será apurado em execução da sentença;

D.condenou-a a pagar-lhe o valor respeitante à totalidade da remuneração do mês de Março do ano de 2022, a que acrescem os respectivos juros de mora; bem no pagamento de todas as retribuições futuras que não foram até ao presente e não lhe forem pagas;

E. absolveu-a do remanescente por ela peticionado.

Inconformada, a ré interpôs recurso, pedindo que a sentença seja revogada e substituída por outra que a absolva, absolva, na íntegra, do peticionado pela recorrida, culminando a alegação com as seguintes conclusões:
"I.-Nos presentes autos de Processo Comum, foi reconhecido, enquanto retribuição em espécie da Autora, ora Recorrida, a atribuição de veículo automóvel, nele melhor identificada; dispositivo 'via verde'; cartão Galp frota (combustível); computador portátil e telemóvel, e assim, foi a Recorrente condenada a pagar à Recorrida o valor mensal de € 500,00, desde o dia 28.09.2021, correspondente à utilização de veículo automóvel e o valor mensal de € 100,00, desde o dia 24 de Janeiro de 2022, a título de plafond devido no âmbito de comunicações móveis;
II.-Do mesmo modo, a sentença ora em crise, condenou a Recorrente pela prática de assédio moral na pessoa de AA, e bem assim, a este título no pagamento de uma indemnização de € 8.000,00 (oito mil euros) a este título.
III.-Não pode a Recorrente conformar-se com tal condenação, porquanto, s.m.o, nem o referido em 'I', como se verá, consubstancia retribuição; nem, muito menos, houve a prática de qualquer acto discriminatório que possa ser subsumido à prática de assédio moral na pessoa de AA.
IV.-Por esta razão, se recorre a V.Exas., indicando, que, por um lado, s.d.r., e s.m.o., andou mal o Tribunal a quo na sentença ora em crise já que, não devia ter resultado provado os factos 15, 16, 18, 28, 29, 33, 67 e 68 dados como provados na sentença ora em crise e, face à prova produzida, deveriam ter resultado como provados factos que não foram.
V.-Este entendimento resultaria numa decisão diferente daquela que fora proferida pelo Tribunal a quo, i.e., na absolvição total da Recorrente.
VI.-A. Face às retribuições em espécie: O Tribunal a quo, deu como provado (15, 16, 18, 28, 29 e 33) que a viatura automóvel com a matrícula…, de marca Renault Megan foi atribuída a autora para seu uso pessoal e profissional, tendo, essencialmente por base as declarações da autora e o documento n.º 13 junto com a Petição Inicial.
VII.-Resultou provado (facto n.º 5 dos factos dados como provados) que a Recorrida, ora Autora, trabalhava no escritório em X (Lisboa) e as instalações da Recorrente se situam em Y (facto notório e conhecido, derivado, nomeadamente, da identificação da Recorrente); Destes dois locais distam mais de 224, 50 Km.
VIII.-A Recorrente, não tinha, como não tem, meio ou mecanismos de controlar a utilização da viatura concedida à Recorrida para utilização profissional, atenta a distância entre as instalações de X e a sua sede social.
IX.-O Tribunal a quo desconsiderou o documento junto aos autos com o Req. via Citius n.º 32442921, com a data de 03.05.2022 e no qual juntou o documento intitulado 'Internacional Company Benefit Program' - que estabelece, para os Trabalhadores da Recorrente, os termos e condições necessárias para lhe serem atribuídos veículos automóveis como retribuição em espécie.
X.-Nesse mesmo documento é definido que apenas os 'Team Leaders', têm direito, segundo tais políticas internas, a veículo automóvel com carácter retributivo.
XI.-O Tribunal a quo baseou-se, para determinar que as liberalidades concedidas pela Recorrente a AA, nomeadamente, a utilização do veículo automóvel eram, na verdade, retribuições em espécie pela junção da proposta de acordo feita à Recorrida e junta à Petição Inicial como Documento n.º 13 (vide 45 dos factos dados como provados).
XII.-Porém, do excerto citado não pode entender-se ou extrair-se que o complemento monetário proposto seria pago em função da retirada do veículo automóvel – como retribuição em espécie.
XIII.-Na verdade, do mesmo documento, deveria ter-se entendido (até pela interpretação literal do mesmo acordo) que os complementos monetários seriam atribuídos à Recorrida como meras ajudas de custo (que cessariam aquando da concessão de veículo automóvel à Recorrente), sendo esta posição incrementada pelo facto de – com base em prova documental – não resultar do contrato de Trabalho de AA, ora Recorrida, a atribuição de veículo automóvel (e encargos associados) como retribuição em espécie.
XIV.-Da prova documental acima referida – concretamente o documento referido em IX – que sopesada terá que ser mais valorizada que as declarações da Recorrida (mesmo que credíveis continua a ser parte na causa e não se colocaria – mesmo que inconscientemente numa posição de venire contra factum proprium) resulta que nunca a Recorrente permitiu que a Recorrida utilizasse a viatura automóvel para uso pessoal, além do uso corrente e normal das deslocações para a sua residência bem como que, apenas aos Team Leaders (circunstância que não era a da Recorrida) era esta retribuição paga (em espécie!).
XV.-Tal circunstancialismo também é enfatizado pelo facto de, nem no
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