Acórdão nº 1996/19.4T8FAR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-05-25

Ano2023
Número Acordão1996/19.4T8FAR.E2
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1996/19.4T8FAR.E2
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
*****
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. AA e BB intentaram a presente ação, com forma de processo comum, contra CC e Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda., pedindo o pagamento da quantia global de 52.999,20€, acrescida de juros de mora desde a citação, correspondendo 46.500,00€ ao valor da devolução do sinal em dobro, 499,20€ a custos de empréstimo bancário, e 6.000,00€ a indemnização por danos não patrimoniais.
Em fundamento da sua pretensão, invocaram, em síntese, que celebraram, na qualidade de promitentes compradores, com a 1ª Ré, na qualidade de promitente vendedora, intervindo a 2ª Ré na qualidade de mediadora imobiliária, um contrato promessa de compra e venda de um imóvel constituído por um edifício em construção, com a área de 198,40m2, e um terreno com a área de 3078m2, tendo efetuado o pagamento do sinal, no valor de 23.250,00€, não tendo a 1ª Ré cumprido o contrato, dado que não foi possível outorgar a escritura de compra e venda por falta de licença de utilização, não se encontrando a obra de acordo com o projeto aprovado e licenciado, e não sendo garantida possibilidade de reposição da sua legalidade urbanística.
Mais aduziram terem dado o prazo de 8 dias para regularização da situação, sob pena de resolução do contrato promessa, por perda de interesse no negócio, tendo remetido carta que não foi levantada pela 1ª Ré, tendo já perdido o interesse na prestação, pelo que resolveram o contrato em causa.

2. Regularmente citadas, as Rés contestaram, pugnando pela improcedência da ação, defendendo não estarem verificados os pressupostos para a resolução do contrato promessa em causa, alegando a 1.ª Ré que os autores é que não conseguiram cumprir o prazo estabelecido para a realização da escritura, para a qual nunca a convocaram, sendo de sua responsabilidade o incumprimento do contrato-promessa.
Mais aduziu a 2.ª Ré que não é promitente-vendedora, mas mediadora, nunca podendo ser condenada nos termos do pedido, tendo ademais fornecido ao Autor marido toda a informação de que dispunha, sendo que a escritura apenas não se realizou devido ao desentendimento entre a promitente vendedora e os promitentes compradores, e sabendo os promitentes compradores que não havia licença, pelo que, a invocação dessa falta configura abuso do direito.

3. Tendo sido requerida pela 2.ª Ré a intervenção principal provocada da Companhia de Seguros Tranquilidade, SA (atual Seguradoras Unidas, SA), foi a mesma admitida e, citada a chamada, apresentou contestação, defendendo-se por exceção e por impugnação, e concluindo pela improcedência da ação.

4. Na audiência prévia foi requerida e deferida a retificação de lapsos de escrita existentes na petição inicial, tendo o tribunal determinado a notificação das partes para se pronunciarem, em virtude de considerar a possibilidade de proferir Saneador-Sentença, por entender, em face do teor da petição inicial, que não estavam verificados os pressupostos para a resolução do contrato-promessa.

5. Após, foi proferido despacho saneador-sentença, julgando improcedente a ação e absolvendo as Rés do pedido.

6. Inconformado, o Autor apelou, tendo o referido saneador-sentença sido anulado, para que, após a adequação processual atinente, fosse produzida prova relativamente a factos relevantes, ainda controvertidos, designadamente a matéria alegada nos artigos 72.º e ss. da petição inicial.

7. Com a concordância das partes foi dispensada a audiência prévia, tendo sido proferido despacho de saneamento dos autos, identificado o objeto do litígio e enunciado como tema da prova “apurar quais as reuniões, correspondência trocada e diligências efetuadas pelos Autores antes da resolução do contrato-promessa dos autos”.

8. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente a presente ação e, em consequência, decide-se:
a) Condenar a Ré CC a pagar aos Autores AA e BB a quantia de € 23.250,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis, absolvendo-a do demais peticionado;
b) Absolver a Ré Homegharb Sociedade de Mediação Imobiliária, Lda do pedido deduzido pelos Autores AA e BB.».

9. Inconformados, o Autor e a Ré apresentaram recurso de apelação, finalizando a respetiva minuta com as conclusões que ora se transcrevem parcialmente[3]:
9.1. Do Autor:
«A. Intentou, o ora Recorrente, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra as ora Recorridas, peticionando o pagamento da quantia global de €52.999,20, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, com fundamento no incumprimento culposo, por parte das Recorridas, de contrato promessa de compra e venda celebrado, em 18 de Setembro de 2018, sobre o prédio urbano inscrito na matriz sob o n.º ...42° e o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...16.° da União de Freguesias de Santiago e Santa Maria, concelho de Tavira.
B. Alega (e demonstra) o Recorrente que o referido incumprimento se deveu, para além da impossibilidade de outorga da escritura de compra e venda relativa aos referidos prédios – contrato prometido – por falta de documentação a apresentar pelas Recorridas – nomeadamente, licença de utilização – à existência de desconformidades entre o edificado existente e o projecto de construção aprovado pela edilidade.
C. Verdade, atendendo às características dos prédios em causa, para que a compra e venda pudesse realizar-se, necessária se mostrava, como bem reconhece a douta sentença de que ora se recorre, ao abrigo do disposto nos artigos 1.° e 2° do Decreto lei n.° 281/99, de 26 de Julho, a existência de licença de utilização, a ser fornecida pelas Recorridas ao Recorrente.
D. Tendo sido pré-agendada escritura de compra e venda, não se realizou a mesma por falta de apresentação da referida licença de utilização pela parte das Recorridas, não tendo a mesma sido apresentada mesmo quando, cerca de um mês depois, o Recorrente interpelou admonitoriamente a primeira Recorrida para a sua apresentação e consequente concretização do negócio prometido.
E. Porém, ainda assim, não procederam as Recorridas à entrega de documentação habilitante à realização do contrato prometido, sendo que, no caso concreto, tal documentação consistia na respectiva licença de utilização.
F. Acresce a isto que, após assinatura do contrato promessa sub judice, teve conhecimento o ora Recorrente da desconformidade existente entre o edificado num dos prédios em questão e o projecto que lhes foi apresentado como sendo o projecto aprovado pela edilidade de Tavira, o que comunicaram oportunamente às Recorridas, não tendo obtido das mesmas qualquer justificação ou resposta.
G. Apercebeu-se, também, que, para que pudesse ser obtida licença de utilização, deveria ser reposta a legalidade urbanística do prédio em causa, que incluía a probabilidade de demolição de obras realizadas em desconformidade com o referido projecto aprovado.
H. Nesta sequência e por esses motivos, dando cumprimento a todos os formalismos legalmente exigidos, comunicou o Recorrente às Recorridas a perda do interesse na realização do negócio, resolvendo o contrato promessa aqui em causa e peticionando, em consequência, a devolução do sinal em dobro e a compensação por danos não patrimoniais no montante global supra referido.
I. Em face do alegado e provado pelo Recorrente e sua esposa e contestado/confessado pelas Recorridas, só poderia o douto tribunal a quo concluir pelo incumprimento definitivo e culposo do contrato promessa de compra e venda por parte das Recorridas, condenando-as, solidariamente, tudo o peticionado.
J. Sucede que, incorrendo num verdadeiro erro, considerou nulo o contrato promessa celebrado, nos termos dos artigos 294.° e seguintes do Código Civil, condenando, em consequência, a primeira Recorrida, à restituição do valor do sinal em singelo (€23.250,00), acrescido de juros de mora desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do demais peticionado, assim como absolveu totalmente a segunda Recorrida.
K. Ora, salvo melhor entendimento e o devido respeito, entende o ora Recorrente que a sentença que ora se coloca em crise, para além de impugnável, do ponto de vista da decisão sobre a matéria de facto, enferma de um verdadeiro erro de julgamento, no que diz respeito à aplicação do direito aos factos, conforme se demonstrará infra.
SENÃO, VEJAMOS:
L. Entende o Recorrente que, em face da prova produzida nos autos, quer documental, quer testemunhal, deveria o douto tribunal a quo ter proferido decisão distinta quanto à matéria de facto. (…)
III. Em suma, tendo em consideração toda a prova produzida nos autos, mormente aquela elencada e especificada supra, deverá a decisão sobre a matéria de facto ser alterada, por existência de base probatória segura para tal, no sentido da inclusão no acervo de factos provados dos factos seguintes:
Facto Provado n.º 63 – O contrato referido em 1) foi assinado, no dia 18 de Setembro, pelo A. Marido, no escritório do advogado da primeira Ré, no dia 21 de Setembro, pela A. Mulher, na imobiliária segunda R., sem a presença de advogado que representasse/assessorasse os AA.”
Facto Provado n.º 64 - “Os AA. desconheciam que a licença de habitabilidade/utilização era documento indispensável à realização da escritura de compra e venda do prédio prometido vender”.
Facto Provado n.º 65 - “Para obtenção de licença de habitabilidade do prédio prometido vender, as obras realizadas não constantes do projecto de arquitectura aprovado, nomeadamente, ampliação da edificação a sul, deveriam ser objecto de medidas de tutela da legalidade urbanística, nomeadamente, demolição ou legalização.”
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