Acórdão nº 19864/15.7T8LSB.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 08-02-2022

Data de Julgamento08 Fevereiro 2022
Ano2022
Número Acordão19864/15.7T8LSB.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:


IRELATÓRIO


A e B intentaram a presente ação de reivindicação, em processo declarativo comum, contra C, D e desconhecidos incertos, pedindo que se reconheça o direito de propriedade das A.A. sobre o prédio urbano sito no Largo Santa ... .... n.º ...,-L____, descrito na Conservatória do Registo Predial de L____ sob o número ... da freguesia de Santa ... ... e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ... e, em consequência, condene os R.R. a desocupar o referido imóvel, entregando-o livre e devoluto às A.A.; condenando ainda os R.R. a pagar às A.A. quantia não inferior a €66,00 (sessenta e seis euros) por cada dia de atraso na entrega do imóvel, bem como numa indemnização pela ocupação indevida do imóvel no valor de €2.000,00 (dois mil euros) por cada mês (ou parte) que decorrer entre a data da citação para a ação e a data da entrega efetiva às A.A. da sua propriedade. Caso assim não se entenda, subsidiariamente, pedem que seja declarado resolvido o contrato de arrendamento nos termos do Art. 1083.º, n.º 2, al.s. d) e e) do C.C. e, consequentemente, a condenação dos R.R. a restituir o locado às A.A., livre e devoluto de pessoas e bens, no estado em que se encontrava antes das obras nele realizadas ilegalmente.

Alegaram, para tanto e em síntese, são proprietárias do mencionado imóvel, que adquiriram em 2004, e que se encontrava arrendado a Eponina ...... que, por sua vez, já havia sucedido no direito ao arrendamento, por óbito do seu falecido marido, Maurício ....., primitivo arrendatário.

Por carta expedida, em 4 de Janeiro de 2013, pela 1.ª R., as A.A. tomaram conhecimento de que a arrendatária tinha falecido, tendo aquela informado que havia comunicado o óbito, por carta datada de Junho de 2011 – a qual as A.A. não receberam, uma vez que foi enviada para morada que nunca foi usada por estas nas suas comunicações –, e que reclamava para si, na qualidade de filha da arrendatária e por com ela habitar há mais de um ano, a transmissão do arrendamento.

As A.A. comunicaram à R. que não havia direito de transmissão do arrendamento e solicitaram a imediata devolução do imóvel, mas a 24 de Janeiro de 2013, a 1.ª Ré reclamou a transmissão do arrendamento para a 2.ª R., alegando que esta era portadora de incapacidade total para o trabalho, tendo exibido um relatório médico. As A.A. recusaram o direito à transmissão, invocando que a 2.ª R. não habitava o locado e que não estava devidamente comprovada a sua incapacidade, contudo, as R.R. não devolveram o imóvel às A.A., continuando a nele habitar com o marido e filho.

No mês de Novembro de 2014, a 2.ª R., e/ou quem com ela habita o imóvel, fizeram obras de vulto no locado, tudo levando a crer que terão demolido paredes, alterando a tipologia do imóvel, tendo as A.A. deduzido oposição a tais obras.

Concluem assim que as R.R. não têm qualquer título que as legitime a ocupar o imóvel, que a sua ocupação é contra a vontade das A.A. e constitui grave violação do seu direito de propriedade, causando-lhes um prejuízo correspondente ao rendimento que estas tirariam diretamente do imóvel caso o pudessem arrendar. Caso assim não se entendesse, deveria considerar-se que existe fundamento para a resolução do contrato, nos termos das alíneas d) e e) do n.º 2 do Art. 1083.º do C.C., bem como por força das obras realizadas, devendo os R.R. ser condenados a restituir o locado às A.A., livre de devoluto de pessoas e bens e no estado em que se encontrava antes das obras nele ilegalmente realizadas.

Por despacho de 27 de Setembro de 2015, os R.R. incertos foram julgados parte ilegítimas, tendo assim sido absolvidos da instância.
Citadas, as R.R. apresentaram contestação, impugnando parcialmente a factualidade alegada pelas A.A., sustentando que o direito de transmissão que assiste à 2.ª R., que reside no locado desde 1990, não foi imediatamente invocado para poupar a mencionada R. de todo este procedimento, uma vez que padece de grave doença do foro psiquiátrico, circunstância que não pode fragilizar o direito da 2.ª R.. Alegam ainda que as A.A. nunca enjeitaram os montantes das rendas e que, para além de simples reparações, a única obra que foi realizada foi uma pequena intervenção no teto da casa, que precisava de ser substituído, por se encontrar abaulado e que se assim continuasse poderia causar danos físicos a quem ali habita, intervenção essa que foi urgente, sendo lícito às R.R. realizá-la. Concluem assim que existe título que legitima a ocupação do imóvel e a transmissão do arrendamento, pelo que deveria improceder a ação.

Findos os articulados, realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi admitida a retificação do pedido - no sentido de constituir fundamento do pedido de resolução do contrato de arrendamento, quer, por um lado, o previsto no n.º 2, al. d) e e), do Art. 1083.º do C.C., quer, por outro, a situação genericamente prevista no n.º 2 do referido normativo, por referência ao alegado nos artigos 30.º e 31.º da petição inicial, relativamente às obras realizadas no imóvel pelas R.R., sem autorização das proprietárias.

Aí foi ainda fixado objeto ao litígio, enunciados os temas de prova e admitida uma perícia à carta que as R.R. alegaram ter enviado às A.A. a comunicar o óbito de Eponina ..... e a transmissão do arrendamento, que veio a ser realizada, tendo tal carta sido posteriormente aberta pelo tribunal, conforme auto então elaborado.

Em 6 de Março de 2017, as A.A. apresentaram articulado superveniente, alegando que, nos últimos dois anos, verificou-se o aparecimento de diversas fissuras nas paredes e teto do andar superior ao ocupado pelas R.R., bem como o afastamento do rodapé em relação ao soalho, e infiltrações de águas pluviais junto à chaminé, tendo as A.A. solicitado uma vistoria técnica que, em 27 de Fevereiro de 2017, concluiu que o descrito tinha como causa provável alterações realizadas no piso inferior que se encontra ocupado pelas R.R., que implicaram uma alteração da estrutura do prédio, colocando em risco a segurança do mesmo, concluindo pela ampliação do pedido, de forma a nele incluir a condenação das R.R. a indemnizarem as A.A. por todos os danos que causaram e venham a causar com as obras por si realizadas.

O articulado superveniente foi liminarmente admitido, tendo as R.R. impugnado a factualidade constante do mesmo e pedido a condenação das A.A. como litigantes de má-fé.

As A.A. responderam a esse pedido, peticionando também a condenação das R.R. como litigantes de má-fé.

Foi ainda determinada a realização de perícia às obras alegadamente realizadas.

Finda a instrução prévia dos autos, veio a realizar-se a audiência final e, produzida a prova e discutida a causa, veio a ser proferida sentença que absolveu as R.R. de todos os pedidos, absolvendo-se ainda, quer as A.A., quer as R.R., dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé.

É dessa sentença que as A.A. vêm agora interpor recurso de apelação, sobrelevando das suas alegações as seguintes conclusões:
A)Surgem as presentes alegações, no âmbito do recurso de apelação interposto da sentença de primeira instância a qual absolveu as recorridas de todos os pedidos deduzidos pelas recorrentes, salvo a absolvição recíproca dos pedidos de condenação de litigância de má fé, matéria esta que, nos termos do art. 635º do CPC, não constitui objeto do presente recurso e com o que as recorrentes se não podem conformar.
B)Como se pode ver da petição da presente ação, e, aliás sumariado na sentença proferida constituem os pedidos da presente ação:
a)-o reconhecimento do direito de propriedade das recorrentes sobre o imóvel sito no Largo Santa ... ... nº ... em L____;
b)-a correspondente desocupação pelas recorridas do referido imóvel entregando-o livre e devoluto às recorrentes;
c)-a pagar a título de indemnização a quantia de €2.000,00 euros por mês que corresponde sensivelmente ao valor locativo dado como provado no ponto 20 dos factos provados;
d)-e como pedido subsidiário, ser declarado resolvido o contrato com a condenação a despejo imediato por concretização de obras não autorizadas no locado e que também poriam em risco a natureza estrutural do prédio.
C)Verifica-se assim dos mesmos pedidos que, em termos dos diversos pedidos deduzidos, aquele que consta da alínea a) tem a ver com a titularidade registral do imóvel e o pedido sobre a alínea c) da indemnização requerida, respeita não só ao facto da sentença recorrida ter atribuído o arrendamento a quem nunca o requereu, como também a tal pretenso transmissário ser obrigado a indemnizar os danos derivados da omissão de não ter requerido novo arrendamento e da obrigação que tal transmissão o vinculava, sendo só a questão da desocupação, seja por invalidade da transmissão, seja por fundamento da resolução contratual que eram decorrentes dos pedidos efetuados nas anteriores alíneas.
D)Verificando-se que na parte decisória da sentença a mesma julga a presente ação totalmente improcedente por não provada absolvendo as recorridas de todos os pedidos, constata-se que a sentença dispõe claramente que as recorrentes são titulares do direito de propriedade do prédio identificado nestes autos e neles reivindicado.
E)Deste modo, tendo a sentença recorrida dado como procedente um dos pedidos da ação, não podia, na parte dispositiva vir julgar a ação totalmente improcedente, tanto mais que estabelecia a sua natureza como ação de reivindicação.
F)Por outro lado, e sobre a indemnização pedida determinando a sentença recorrida que o pedido de indemnização tem de improceder, constata-se do ponto 7 dos factos provados que a arrendatária transmissária Eponina ..... falecera a 24 de Março de 2011, e independentemente de, segundo as recorrentes não haver direito à transmissão do arrendamento o certo é que a mesma, a existir, implicava o
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