Acórdão nº 1985/20.6T8LRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-10-25

Ano2022
Número Acordão1985/20.6T8LRA.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO FAMÍLIA E MENORES DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra

1.1.- AA veio intentar acção comum de impugnação de paternidade contra BB e CC, pedindo que se declare que o R. perfilhante não é o pai do R. perfilhado, se declare a nulidade do acto de perfilhação feito pelo primeiro e se ordene o cancelamento do averbamento da paternidade do 1º R. no registo de nascimento do 2º.

Para fundamentar tal pretensão alega, em síntese que é mãe do 2º R. e embora se encontre averbada como pertencente ao primeiro R. a paternidade do segundo, na realidade isso não corresponde à verdade biológica, pois ela A. manteve com terceiros, relações sexuais nos primeiros 120 dias dos 300 que antecederam o nascimento do 2º R..

Foi nomeado curador especial ao R. CC, atenta a sua menoridade e a circunstâncias de A. e 1º R., serem partes nos autos.

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1.2. - O dito R. foi citado na pessoa do curador especial nomeado e o 1º R, na sua própria pessoa.

Não foi apresentada contestação.

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1.3. - Por escrito, foi proferido despacho saneador que, de forma tabelar, aferiu positivamente os pressupostos de validade e regularidade da instância.

Na mesma sede se fixou o objecto do litígio e consignou os temas de prova, sem que tivessem sido apresentadas reclamações.

Na sequência de pretensão nesse sentido apresentada, foi determinada a realização de exames hematológicos, os quais não foi possível concluir, pois o 1º R., não obstante regular a pessoalmente notificado para tal não compareceu nas várias datas agendadas e nada disse tendente a justificar a sua ausência.

A A. nada requereu, em consequência da comunicação que de tal ocorrência lhe foi feita.

Realizou-se audiência de julgamento, com observância do legal formalismo, conforme da acta elaborada, nessa sequência, melhor consta.

Os pressupostos de validade e regularidade da instância mantêm-se inalterados desde o momento da sua apreciação.

Após foi proferida sentença onde se decidiu:

1)- Julgar a ação improcedente;

2)-Manter o registo ao assento de nascimento do segundo R., nos exactos termos em que se encontra redigido.

3)- Condenar a A. nas custas do processo, sem prejuízo do apoio judiciário que a beneficia.

Registe e notifique.

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1.4. – Inconformada com tal decisão dela recorreu a A. AA, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

“1ª- Vem este recurso interposto da douta sentença proferida nos autos à margem identificados em 30/9/2021, pelo qual foi a ação de impugnação de perfilhação, totalmente improcedente, por não provada.

2ª- Nos arts. 1º a 9º da p.i., o ora recorrente alegou o seguinte:

-No dia 30 de Junho de 2018 nasceu o menor CC, aqui segundo réu.

-No respectivo assento de nascimento, lavrado a 03 de Julho de 2018, com o n.º 2161 a paternidade do segundo réu não foi estabelecida.

-Todavia, por declaração de 27 de Julho de 2018, prestada junto da Conservatória do Registo Civil ..., o 1,º Réu declarou que “reconhece como seu filho” o aqui segundo réu.

-A dita Conservatória do Registo Civil lavrou o respectivo assento de perfilhação, com o n.º 7 do ano de 2018 .

-Pelo que, actualmente, o segundo réu está registado com a indicação de maternidade da aqui Autora, e com a menção de paternidade do ora 1.º Réu.

-Ora, sucede que o 1.º Réu não é o pai biológico do segundo réu.

-Com efeito, a autora manteve relações sexuais com terceiros durante os primeiros 120 dias dos 300 dias que precederam o nascimento do segundo réu.

-Não correspondendo, portanto, à verdade que o segundo réu é filho do 1.º Réu.»

3ª- Requerendo que fosse efetuado o exame de ADN, ao 1.º Réu para que efetivamente se prove de que o mesmo não é o Pai.

4ª- O 1.º Réu recusou se a comparecer nas várias tentativas de recolha e com a sua conduta determinou a impossibilidade da prova direta da procriação biológica, que era em concreto, o meio idóneo para a Autora fazer prova da invocada falta de coincidência entre a verdade registada e a verdade biológica, enquanto facto essencial constitutivo do direito, que se arroga na ação de impugnação da perfilhação.

5ª- Deve operar a inversão do ónus da prova, nos termos do artigo 344.º n.º 2 Código Civil.

6ª-Passando a incumbir ao 1.º Réu demonstrar que é efetivamente o pai biológico da criança, aqui 2.º Réu.

Por conseguinte, entende a ora recorrente que A Mmª Juíza a quo deveria ter considerado o ónus da prova nos termos do previsto no artigo 344.º n.º 2 CC e julgando a ação de impugnação de perfilhação procedente.

Termos em que, deve a apelação ser julgada procedente, com o que se fará a necessária e costumada

Justiça!”

***

1.5. Feitas as notificações a que alude o art.º 221.º, do C.P.C. respondeu o Ministério Público, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:

1- A Autora AA invoca a sua discordância relativamente à interpretação dada às normas jurídicas na sentença recorrida;

2- Já que, tendo o 1.º Réu recusado comparecer nas várias tentativas de recolha, sua conduta determinou a impossibilidade da prova direta da procriação biológica, o que em concreto era o meio idóneo para a Autora fazer a prova da invocada falta de coincidência entre a verdade registada e a verdade biológica, enquanto facto essencial constitutivo do direito, que se arroga na ação de impugnação de perfilhação.

3- Todavia, entendeu, e bem, o Tribunal não assacar consequências à falta de comparência do 1.ª réu do INML,CF, para a recolha de material biológico e realização de exames hematológicos;

4- Não operando, neste caso, a inversão do ónus da prova a que alude o art.º 344.º n.º 2 do Código Civil.

5- Já que havendo dois réus, em litisconsórcio necessário, o 2.º réu não adotou conduta omissiva, culposa, não lhe podendo ser imposta a sanção da inversão do ónus da prova.

6- E, tendo o 1.º R. declarado perante oficial publico ser o pai do 2.º R. não foi apresentada prova da desconformidade do declarado com a verdade.

Pelo exposto, deverá ser mantida a douta sentença proferida, nos seus precisos termos, pugnando-se, assim, pela total improcedência do recurso interposto.

Termos em que se conclui pela manutenção da sentença recorrida, devendo assim o presente recurso ser julgado improcedente.

Mas, V.Ex.ªs farão acostumada

JUSTIÇA!”

***

1.6. - Foi proferido despacho a receber o recurso do seguinte teor:

“ Recurso interposto com legitimidade e em tempo, que vai admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito suspensivo.

Notifique.”

***

1.7. - Com dispensa de vistos cumpre decidir.
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2.- Fundamentação

Da discussão da causa resultou provada a seguinte factualidade:

1. No dia 30.6.2018, na freguesia ..., ..., ... e ..., concelho ..., nasceu uma pessoa do sexo masculino, a quem foi dado o nome de CC.

2. Tal indivíduo foi registado como filho de AA, no estado de divorciada, sem referência à paternidade.

3. No dia 27.7.2018, nas instalações da Conservatória do Registo Civil ..., BB declarou reconhecer como seu filho o referido CC.

4. Em consequência de tal reconhecimento do assento de nascimento de CC passou a constar o nome do pai como o dito perfilhante.

5. Notificado para comparecer aos exames hematológicos agendados nos autos, o R. BB não o fez nem justificou a sua falta.

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Não se provou a restante matéria alegada;

- designadamente que o reconhecimento da paternidade dado como provado não corresponda efectivamente à verdade biológica subjacente ao nascimento do R. CC, (matéria retirada por este Tribunal)

- que a A. tenha mantido com terceiros relações sexuais, nos primeiros 120 dias dos 300 que antecederam o nascimento do referido R..

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3. Motivação

É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, e 608º, nº. 2, do CPC).

Constitui ainda communis opinio, de que o conceito de questões de que tribunal deve tomar conhecimento, para além de estar delimitado pelas conclusões das alegações de recurso e/ou contra-alegações às mesmas (em caso de ampliação do objeto do recurso), deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir...

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