Acórdão nº 1980/21.8T8VRL-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-01-19

Ano2023
Número Acordão1980/21.8T8VRL-B.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães

Apelante: AA

I – RELATÓRIO

BB e CC, ambos com os demais sinais nos autos, intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra DD, também nos autos melhor identificado, pedindo seja este condenado, e em suma, a:
- Pagar a cada um dos autores uma indemnização com fundamento na resolução do respectivo contrato de trabalho, com justa causa;
- Pagar a cada um dos autores os créditos emergentes da execução e da cessação do respectivo contrato de trabalho, nomeadamente a título de férias vencidas e não gozadas e respectivo subsídio, a título de subsídio de Natal e relativo a formação não prestada.

Malogrou-se a conciliação.

Na sequência do falecimento do réu, em .../.../2021, e no âmbito do incidente de habilitação de herdeiros deduzido por apenso ao processo principal, foi proferida sentença a declarar habilitados EE, FF e GG (todas filhas do falecido, e nos autos melhor identificadas) «para intervirem na causa em substituição do “de cuius”».

Regularmente notificadas para o efeito, as habilitadas/rés contestaram as pretensões contra si formuladas, as rés HH e GG numa mesma peça (entrada em 08.7.2022, às 15:48 h) e a ré AA através de contestação autónoma (entrada em 08.7.2022, às 17:28 h).

Aquando da entrada da contestação apresentada pelas rés HH e GG só a primeira pagou a taxa de justiça, invocando o disposto no art. 530.º, n.º 4, do CPC, e argumentando para o efeito que é a filha mais e cabeça de casal.

A ré AA não pagou a taxa de justiça devida pela apresentação da contestação.
Alegou, para justificar essa omissão, e em síntese, que, ao abrigo do art. 530.º, n.º 4, do CPC, quem deve pagar a taxa é unicamente a ré GG, uma vez que figurava como parte primeira no requerimento de habilitação de herdeiros.

O Mm.º Juiz a quo proferiu então o seguinte despacho:
“Ref. n.º ...32:
O artigo 530.º, n.º 4, do C.P.C., prescreve que “havendo litisconsórcio, o litisconsorte que figurar como parte primeira na petição inicial, reconvenção ou requerimento deve proceder ao pagamento da totalidade da taxa de justiça, salvaguardando-se o direito de regresso sobre os litisconsortes”, mas essa disposição legal carece de ser interpretada conjugadamente com a regra de que a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente (cfr. artigos 529.º, n.º 2, do C.P.C. e 6.º, n.º 1, do R.C.P.), pelo que se impõe concluir, na esteira de Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa1, que “(…) se, apesar do litisconsórcio passivo, os réus apresentarem contestações separadas a cada um desses articulados corresponderá o pagamento de taxa de justiça”.
Deste modo, não obstante estarmos perante um litisconsórcio necessário, tendo a ré AA apresentado contestação autónoma das co-rés, cabe-lhe proceder ao pagamento da taxa de justiça aquando da prática do acto processual e demonstrar que a pagou (cfr. artigos 552.º, n.º 7 e 570.º, n.º 1, do C.P.C.).
Não tendo tal demonstração ocorrido, determino que a Secção dê cumprimento ao disposto no artigo 570.º, n.º 3, do C.P.C., quanto à ré faltosa.
Notifique.”

Inconformada com esta decisão, dela veio a ré AA interpor o presente recurso de apelação para este Tribunal da Relação de Guimarães, apresentando alegações que terminam com a formulação das seguintes conclusões (transcrição):

“1.
A interpretação pela qual se decidiu que em situações de litisconsórcio há pagamento de taxa de justiça por cada litisconsorciado que apresente peça processual própria e autónoma é, salvo melhor opinião, uma interpretação desconforme com a letra da lei, o pensamento legislativo e a unidade do sistema.
2.
Não é na norma geral prevista no nº 2, do artº 529º, do CPC, que se encontra solução interpretativa para esta questão.
3.
A norma sobre o litisconsórcio, prevista no nº 4, do artº 530º, do CPC, é uma norma especial que derroga a norma geral do nº 2, do artº 529º, do CPC.
4.
O “interveniente” nos presentes autos era o primitivo réu e, agora, o seu património autónomo representado pelas suas herdeiras e ora rés.
5.
As rés estão em situação de litisconsórcio necessário passivo porque são herdeiras do primitivo réu (falecido).
6.
A norma geral, do nº 2, do artº 520º, do CPC, que prevê o montante a pagar pelo impulso processual de cada interveniente aceita que, em determinadas situações, esse montante seja diferente do previsto na tabela geral.
7.
É o que ocorre com as situações de coligação, onde cada coligado paga metade da taxa de justiça normal.
8.
E também que ocorre no nº 4, do artº 530º, do CPC, para as situações de litisconsórcio, em que somente um dos litisconsortes paga a taxa de justiça na sua totalidade.
9.
E esta norma especial, para as situações de litisconsórcio, merece uma interpretação clara e inequívoca, que não conflitua com as outras normas processuais ou regulamentares.
10.
E essa interpretação deve ter em conta a letra da lei, o pensamento legislativo e a unidade do sistema jurídico.
11.
Por comparação com a solução de pagamento de metade de taxa de justiça por cada um dos coligados, em que há várias relações materiais controvertidas, então, faz todo o sentido que nas situações de litisconsórcio só um pague a taxa de justiça, porque só há uma relação material controvertida.
12.
Afinal, no litisconsórcio só vai ocorrer a apreciação de uma relação material controvertida e uma decisão e, por sua vez, na coligação há várias relações materiais controvertidas e várias decisões.
13.
Se a taxa de justiça é uma taxa fiscal, então, é a contrapartida de um serviço prestado pelo Estado, pelo que, no litisconsórcio esse serviço é um único e na coligação há vários serviços (várias apreciações de causas de pedir diferentes e várias decisões).
14.
Assim, por força da interpretação conforme com a unidade do sistema jurídico, tem de se concluir que nas situações de litisconsórcio não faz sentido que cada litisconsorciado pague a taxa de justiça pela totalidade, por comparação com a situação nas situações de coligação.
15.
Acresce que, também o pensamento legislativo vai claramente no sentido de que as situações de litisconsórcio só são pagas por um litisconsorte.
16.
Para o Tribunal “a quo” o que relevou para decidir pelo pagamento da taxa de justiça, pela aqui recorrente, é esta ter apresentado uma contestação separada das outras rés, tendo assim feito um impulso processual autónomo que tem de ser tributado.
17.
Ora, o pensamento legislativo que emana da norma em apreciação, o nº 4, do artº 530º, do CPC (e não o nº 2, do artº 529º, do CPC, norma derrogada), não faz fluir nenhum entendimento relativo ao facto de serem apresentadas contestações autónomas nas situações de litisconsórcio.
18. A taxa de justiça, sendo um imposto, está sujeita aos princípios tributários da proporcionalidade e da legalidade, ou seja, o pensamento legislativo da interpretação da taxa de justiça não se esgota nas normas processuais civis, mas, outrossim, deve fluir dos princípio e das normas fiscais.
19.
As taxas têm sempre um caráter bilateral ou sinalagmático, porque implicam uma equivalência ou contrapartida económica entre o serviço prestado pelo Estado.
20.
É pelo valor da ação que se apura a taxa de justiça e se afere o valor do serviço prestado pelo Estado, na sua função judiciária (tradicionalmente as outras funções são a legislativa e a executiva).
21.
Se no litisconsórcio só há um único valor da ação judicial e só há uma relação material controvertida, então, o Estado só pode cobrar uma única taxa de justiça, sob pena de estar a duplicar o pagamento de uma taxa sem duplicar o serviço prestado.
22.
Nas situações de litisconsórcio o serviço a prestar pelo Estado está balizado por um único valor da ação, pelo que o pensamento legislativo constante no nº 4, do artº 530º, do CPC, tem de se conformar com os princípios tributários da proporcionalidade e da legalidade.
23.
Por último, a letra da norma do nº 4, do artº 530º, do CPC, é linear e com um único sentido, sem admitir interpretações decorrentes do facto de serem apresentadas um única ou várias contestações.
24.
Na verdade, a norma prevê expressamente que havendo litisconsórcio a taxa de justiça é paga na sua “totalidade” por um dos litisconsorte.
25.
Mas, igualmente importante e concludente, prevê ainda...

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