Acórdão nº 1978/21.6T8VCT.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 13-07-2022

Data de Julgamento13 Julho 2022
Ano2022
Número Acordão1978/21.6T8VCT.G2
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

No Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo, Juízo de Comércio de Viana do Castelo, foi publicado anúncio de nomeação de administrador judicial provisório, no âmbito do processo especial de revitalização nº 738/22.1T8VCT, com data de 28 de fevereiro de 2022, dando conta que nesse mesmo dia foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório da empresa X – Construção Naval, S.A..
Com data de 7 de março de 2022, notificada às partes em 8 de março, foi proferida decisão sumária neste Tribunal da Relação em que, decidindo o conflito de competência entre os juízos local cível e central cível do Tribunal Judicial da comarca de Viana do Castelo para tramitar a presente providência cautelar, foi decidido que a competência para o presente processo de procedimento cautelar é do Juízo Local Cível de Viana do Castelo.

No presente processo de providência cautelar nº 1978/21.6T8VCT foi prolatado em 14 de março de 2022, o seguinte despacho:
Atento o teor do anúncio que antecede, declara-se suspensa a instância – artºs 222º-E, nº1, e 222º-C, nº4, do CIRE.
Notifique (…).

Na sequência da supra referida decisão sumária, transitada em julgado, os autos baixaram definitivamente à 1ª instância em 28 de março de 2022.

Inconformado com o despacho proferido em 14 de março de 2022 no Juízo Central Cível de Viana do Castelo, o requerente Banco …, S.A., recorreu do mesmo, formulando as seguintes conclusões:

16.01. O presente recurso tem por objeto da douta decisão proferida, em 14 de março de 2022, pela M.ª Juiz do Juízo Central Cível de Viana do Castelo (Juiz 2), que, atento o teor do anúncio de nomeação de administrador judicial provisório publicado no âmbito do processo especial de revitalização da sociedade requerida, declarou suspensa a instância.
16.02. A decisão recorrida foi proferida quando se encontrava a ser apreciado e dirimido o conflito de competência suscitado oficiosamente, na sequência de dois despachos judiciais, transitados em julgado, proferidos pelos Senhores Juízes do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo Juízo Local Cível de Viana do Castelo - Juiz 1 – e do Tribunal Judicial da Comarca de Viana do Castelo Juízo Central Cível de Viana do Castelo - Juiz 2, ambos negando a sua própria competência para a tramitação dos presentes autos.
16.03. A decisão recorrida foi proferida depois de ter sido proferida, em 7 de março de 2022, por este Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, a decisão singular no âmbito do incidente de Conflito Competência, que decidiu “que a competência para o presente processo de procedimento cautelar é do Juízo Local Cível de Viana do Castelo, onde os autos deverão seguir os respetivos trâmites legais.”
16.04. A decisão recorrida (que determinou a suspensão da instância) é, desde logo, nula porquanto quando a M.ª Juiz do Juízo Central Cível de Viana do Castelo (Juiz 2), apreciou o eventual fundamento para a suspensão da instância e decidiu pela mesma (suspensão), não tinha, sequer, competência para tramitar o presente processo de procedimento cautelar, atenta a decisão singular proferida em 7 de março de 2022 por este Venerando Tribunal da Relação de Guimarães.
16.05 (inexiste).
16.06. Ao apreciar o eventual fundamento para a suspensão da instância e ao decidir pela mesma (suspensão), a M.ª Juiz do Juízo Central Cível de Viana do Castelo, apreciou e conheceu de uma questão que não podia conhecer, nem tinha competência para conhecer, daí que a decisão recorrida seja nula – cfr. artigo 615.º n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
16.07. Ainda que não tivesse sido já decidido o Conflito de Competência, a M.ª Juiz do Juízo Central Cível de Viana do Castelo (Juiz 2), jamais poderia apreciar e conhecer do eventual fundamento para a suspensão da instância, sob pena de condicionar a decisão que viesse a ser proferida no âmbito do incidente de conflito de competência, pelo que a decisão recorrida é nula, também por violação do disposto nos artigos 109.º, 110.º e 111.º do Código de Processo Civil.
16.08. À luz do regime previsto nos artigos 222.º-A e seguintes (PEAP), e bem ainda nos artigos 17.º-A e seguintes (PER), ambos do CIRE, em vigor à data da prolação da decisão recorrida, a nomeação de um administrador judicial provisório não constitui fundamento para a suspensão do presente procedimento cautelar.
16.09. O n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE faz, apenas, alusão às ações para cobrança de dívidas e às ações com idêntica finalidade e naquele conceito (de “ações para cobrança de dívidas”) não estão incluídas providências cautelares para apreensão de bens que não pertencem, nem são propriedade da sociedade recorrida.
16.10. As “ações para cobrança de dívida” a que alude o n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE, apenas se referem às ações executivas, ou seja, a todas as ações que sejam suscetíveis de alterar o património do devedor (v.g. por via da apreensão ou penhora de bens) e, nessa medida, afetar claramente o processo negocial entre credores e devedor que constitui o principal desiderato de um PER.
16.11. No caso dos presentes autos estamos perante um procedimento cautelar deduzido no sentido de obter a entrega de bens de que a requerida, aqui recorrente, tinha, apenas, o mero gozo que lhe fora concedido através de um contrato de locação financeira mobiliária, válida e eficazmente resolvido pelo ora recorrente, em data anterior à entrada do PER.
16.12. O resultado do presente procedimento cautelar não se traduz num direito à cobrança de uma divida, nem conduz diretamente à diminuição do património da Requerida, já que os bens em causa nesta providência cautelar não são propriedade da Requerida.
16.13. No caso concreto dos autos, a sociedade requerida, aqui recorrida, não liquidou a 13.ª (décima terceira) renda a que estava obrigada no valor de € 1.688,96 (mil seiscentos e oitenta e oito euros e noventa e seis cêntimos), que se venceu em 25 de junho de 2019, nem procedeu ao pagamento das restantes rendas convencionadas naquele contrato que a seguir se venceram, até à presente data, pelo que, em face do incumprimento definitivo do contrato pela sociedade locatária, aqui recorrida, o Banco recorrente exerceu a faculdade de resolver o mesmo.
16.14. A resolução do contrato de locação financeira efetivou-se por carta registada enviada em 13 de agosto de 2020, ou seja, há mais de 19 meses!!!
16.15 (Inexiste).
16.16. A sociedade locatária, aqui recorrida, recorreu a um PER mais de 18 meses após a resolução do contrato de locação financeira mobiliária e na pendência do presente procedimento cautelar.
16.17. As ações que o PER prevê e que devem ser suspensas são só as ações que tenham como finalidade o pagamento de dívidas aos credores e possam obstar à homologação do acordo pelo que será de suspender as ações cujos direitos serão contemplados no plano de recuperação de empresa devedora ou seja as ações cujo o objeto sejam créditos sobre a empresa.
16.18. É às ações executivas que se reporta o conceito de ações de cobrança de dívida a que alude o n.º 1 do artigo 17.º-E do CIRE e às quais se refere o legislador.
16.19. “Vai muito para além da interpretação que o texto da lei permite fazer, tendo em conta o quadro legal definido para o PER, a tese que preconiza que da expressão ações para cobrança de dívidas contra o devedor, se pode retirar que o legislador quis abranger, nessa definição, todas as ações que direta ou indiretamente possam vir a afetar o património ou a atividade da empresa devedora.”- cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 22/10/2015 (P.º 2068/15.6T8LLE.E1), em que foi Relator Silva Rato (disponível em www.dgsi.pt).
16.20. No caso concreto dos presentes autos, está em causa um procedimento cautelar instaurado ao abrigo do disposto no artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24 de junho, destinado a obter a entrega judicial do bem locado, em consequência da resolução do contrato de locação financeira mobiliária, com fundamento no incumprimento da recorrida,
16.21. Sendo que “o procedimento cautelar previsto no artº 21º, do Decreto-Lei nº 149/95, de 24 de Junho, destinado à entrega judicial de bens pelo locatário, proposto na sequência da resolução declarada do respetivo contrato de locação financeira com fundamento no incumprimento das respetivas obrigações (maxime de pagar as rendas), não é nem se equipara à ação (declarativa ou executiva) “para cobrança de dívidas” prevista no artº 17º-E, nº 1, do CIRE.” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 21/09/2017 (P.º 443/17.0T8FLG.G1 – 1.ª), em que foi Relator José Amaral (disponível em www.dgsi.pt):
16.22. As alterações introduzidas pelo legislador, através da publicação da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, aos artigos 17.ºE e 222.º-E do CIRE, veio tornar claro o entendimento que era já dominante, de que o conceito de “ações de cobrança de dívida” se reportava, apenas, às ações executivas, e não também às ações declarativas ou mesmo aos procedimentos cautelares para apreensão judicial de bens.
16.23. E essa alteração legislativa, decorrente da aprovação e publicação da Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, que irá, brevemente, entrar em vigor, constitui também a melhor demonstração daquele que sempre foi o entendimento do legislador, mesmo na redação do artigo 17.º-E do CIRE que se encontrava em vigor à data da prolação da decisão recorrida.
16.24. Ao decidir como decidiu, a douta decisão recorrida “esvaziou”, ao arrepio da intenção do próprio legislador, o efeito e a natureza do procedimento cautelar, ao incluí-lo nas “ações para cobrança de dívida”.
16.25. Não é sequer possível retirar do texto da lei (vigente à data da prolação da decisão recorrida) que nessas “ações para cobrança de dívida” estejam também incluídos os procedimentos cautelares.
16.26. Ao decidir como decidiu, a douta...

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