Acórdão nº 1978/20.3T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 17-11-2022

Data de Julgamento17 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão1978/20.3T8BCL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
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I. Relatório (que se transcreve):

“Na presente acção declarativa comum, o autor deduz os seguintes pedidos:
1. Condenar a Ré a reconhecer que o autor tem direito a usufruir da fracção identificada no artigo 2º da petição inicial, nos termos constantes do contrato de comodato junto aos autos.
2. Condenar a Ré a restituir ao autor a posse plena da fracção acima identificada e constante do contrato de comodato, restabelecendo o fornecimento de energia eléctrica e de água à fracção em causa.
3. Condenar a Ré a abster-se de praticar quaisquer actos que perturbem a posse daquela fracção por parte do autor.
4. Condenar a Ré a pagar ao autor, a indemnização global de €: 4.000,00 (quatro mil euros) sendo €: 2.000,00 (dois mil euros) a título de danos patrimoniais e €: 2.000,00 (dois mil euros) a título de danos morais.
5. Condenar a Ré apagar ao autor as rendas vincendas após Agosto de 2020 no arrendamento que o autor teve que fazer do novo consultório, até efectiva restituição.
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A ré foi citada e contestou tendo deduzido pedido reconvencional com os seguintes pedidos:

1. Deverá ser a ré/reconvinte ser declarada legitima proprietária do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no gaveto da Rua ... com o Largo ..., da cidade de Barcelos, inscrito na matriz Urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., que teve origem ... da extinta matriz urbana de Barcelos, descrito na competente conservatória do Registo Civil de Barcelos sob o n.º .../19860506 e registado a favor da aqui autora pela Ap. 2831 de 20/09/2016.
2. Nomeadamente ser declarada legitima proprietária da fração urbana designada pela letra “F” localizada no prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no gaveto da Rua ... com o Largo ..., da cidade de Barcelos, inscrito na matriz Urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., que teve origem ... da extinta matriz urbana de Barcelos descrito na competente conservatória do Registo Civil de Barcelos sob o n.º .../19860506 e registado a favor da aqui autora pela Ap. 2831 de 20/09/2016.
3. Ser também declarada legitima proprietária da fração urbana designada pela letra “I” localizada no prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na gaveto da Rua ... com o Largo ..., da cidade de Barcelos, inscrito na matriz Urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., que teve origem ... da extinta matriz urbana de Barcelos, descrito na competente conservatória do Registo Civil de Barcelos sob o n.º .../19860506 e registado a favor da aqui autora pela Ap. 2831 de 20/09/2016.
4. Ser declarado que sobre as fracções supra indicadas inexiste qualquer contrato que possibilite o seu uso pelo aqui autor;
5. Ser, por via de tal, o autor condenado a restituição à ré/reconvinte da fração designada pela letra “F” localizada no prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no gaveto da Rua ... com o Largo ..., da cidade de Barcelos, inscrito na matriz Urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., que teve origem ... da extinta matriz urbana de Barcelos, descrito na competente conservatória do Registo Civil de Barcelos sob o n.º .../19860506 e registado a favor da aqui autora pela Ap. 2831 de 20/09/2016, livre de pessoas e bens;
6. Ser o A. condenado a pagar a R. os consumos de agua e luz efectuados pela fração “f” desde fevereiro de 2013, no montante de sendo tal no montante de €2.400,00,acrescido dos meses de valor excecionalmente alto no montante € 1680,00.
7. Ser ainda condenado, nos termos do enriquecimento sem causa, pela utilização do imóvel, no montante de €3.000,00
8. Ser ainda condenado como litigante de má-fé.

Foi elaborado despacho saneador e a audiência foi realizada com rigoroso respeito pelas normas legais sobre a matéria.”
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Após a competente audiência de julgamento, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência absolve a ré de todos os pedidos contra si formulados pelo autor.

O tribunal julga o pedido reconvencional parcialmente procedente e, em consequência:
a) Reconhece o direito de propriedade da ré sobre o prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no gaveto da Rua ... com o Largo ..., da cidade de Barcelos, inscrito na matriz Urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., que teve origem ... da extinta matriz urbana de Barcelos, descrito na competente conservatória do Registo Civil de Barcelos sob o n.º .../19860506 e registado a favor da aqui autora pela Ap. 2831 de 20/09/2016, nomeadamente das Fracções “F” E “I” ali localizadas.
b) Condena o autor a restituir à ré a fração designada pela letra “F” localizada no prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no gaveto da Rua ... com o Largo ..., da cidade de Barcelos, inscrito na matriz Urbana da União de Freguesias de ..., ... e ... sob o artigo ..., que teve origem ... da extinta matriz urbana de Barcelos, descrito na competente conservatória do Registo Civil de Barcelos sob o n.º .../19860506 e registado a favor da aqui autora pela Ap. 2831 de 20/09/2016, livre de pessoas e bens.
c) Julga improcedentes os restantes pedidos formulados na reconvenção e deles absolve o autor.
d) Condena as partes no pagamento das custas processuais na respectiva proporção fixando-se esta em 70% a cargo do autor e 30% a cargo da ré.
Notifique e registe.”.
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É desta decisão que vem interposto recurso pelo A, o qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões (que se transcrevem):

A-O contrato de comodato tem prazo certo. Não há, salvo devido respeito, prazo mais que a morte. Pode não ser determinável, mas é determinado. De resto e, salvo melhor opinião, não existe disposição legal alguma que exija no contrato de comodato a existência de prazo.
B- Em se entendendo que o contrato não tem prazo, o comodatário tem a obrigação de restituir a fracção logo que aí deixe de exercer a medicina (nº1 do artigo 1137º do Código Civil.)
C- Assim, carece de fundamento a decisão de restituição da fracção pois existe título bastante do autor para ocupação da mesma.
D- A douta sentença recorrida fez uma incorreta apreciação da matéria de facto, vertida e provada no próprio texto da sentença, nomeadamente quanto ao arrendamento e ás rendas do novo consultório do autor, as quais devia ter considerado provadas.
E- A douta sentença recorrida deu como não provados factos que estão provados, e constam do texto da própria sentença(!), ignorou prova documental junta e desvalorizou outra, nomeadamente o contrato de arrendamento e os recibos de renda juntos aos autos.
F- A douta sentença julgou matéria que lhe não submetida a apreciação, nomeadamente a questão da inoponibilidade dos efeitos do contrato de comodato dos autos.
G- A douta sentença menosprezou a questão do desconforto e do dano moral e psicológico do autor, em face dos factos praticados pela Ré, manifestamente provados no depoimento das testemunhas transcritos no próprio texto da sentença.
H- No geral, a douta sentença faz uma interpretação restritiva e “à contrario” da vontade do comodante no acto do contrato de comodato.
I- No essencial a douta sentença limita-se a transcrever jurisprudência e faz uma areciação superficial e com muitas contradições sobe a questão concreta “sub judice”.
J-A fixação da percentagem da responsabilidade por custas é estranha, não fundamentada, matematicamente incorrecta e injusta.
L- Ao decidir da forma que o fez, a douta sentença violou, entre outras disposições legais:
- O artigo 1129º do Código Civil.
- O nº 1 do artigo 1137º do Código Civil:
- A alínea d) do nº1do artigo 615º do Código de Processo Civil.
- A alínea b) do nº1 do artigo 616º do Código de Processo Civil;

Deve, assim, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que julgue válido e eficaz o contrato de comodato, com as legais consequências, assim se fazendo
JUSTIÇA!”
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Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
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O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.
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II- FUNDAMENTAÇÃO

As questões a decidir no presente recurso, em função das conclusões recursivas e segundo a sua sequência lógica, são as seguintes:

A) – saber se é possível a apreciação da impugnação da matéria de facto;
B) saber se o tribunal aplicou a lei que ao caso cabia, nomeadamente importa saber se com o contrato de comodato em causa dispõe, ou não, o recorrente de título jurídico que justifique a sua ocupação da fração imóvel em causa.

III- Para a apreciação das questões elencadas, é importante atentar na matéria que resultou provada e não provada, que o tribunal recorrido descreveu nos termos seguintes:

“1. O direito de propriedade sobre o prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito no gaveto da Rua ... com o Largo ..., da cidade de Barcelos, inscrito na matriz urbana da União de freguesias de ..., ... e ... (…) sob o artigo ..., que teve origem no artigo ... da extinta matriz urbana de Barcelos encontra-se registado a favor da autora.
2. Aquele prédio foi adquirido por sucessão hereditária de seu pai, M. R., falecido em - de Fevereiro de 2015 e tem, entre as várias fracções, a fracção “I”, sita no -º andar, contígua à fracção “H”, com 10,90 metros quadrados, destinada a escritório de comércio ou profissões liberais, que se encontra inscrita a favor da requerida pela inscrição .../Barcelos, da Conservatória do Registo Predial de Barcelos.
3. No dia 01 de Outubro de 2013, entre o falecido M. R., como primeiro outorgante e A. B., como segundo outorgante, foi convencionado um acordo escrito intitulado contrato de comodato, com...

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